RECENSÃO

  António Carmo. A Longa Marcha das Religiões na China. Macau: Fundaç~ao Macau, 1994, 127 págs. Fotografias a cores e bibliografia anotada.
  Com mais de uma dúzia de trabalhos publicados sob o tema das religiões na Ásia, uma dissertação de doutoramento sobre A Igreja Católica na China e em Macau, no Contexto do Sudeste Asiático Presente e Futuro, apresentada, em 1993, ao Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, e actividades de investigação de campo, António Carmo, residente de Macau desde a década de 1980, é, sem margens para dúvidas, uma autoridade no mundo lusófono sobre assuntos religiosos no Império do Meio. Os profundos conhecimentos do autor sobre cultos tornam-se amplamente evidentes neste excelente livro. O levantemento exaustivo e o cuidado meticuloso e imparcial com que aborda e explica as religiöes existentes na China, as resenhas sucintas da sua evolução milenar e a sua sobrevivência durante a fase totalitária do regime comunista, isto é, durante os consulados de Mao Zedong e Zhou Enlai, e durante a era de Deng Xiaoping constituem uma contribuição decisiva para o conhecimento Ocidental- em especial lusófono- da China.
  António Carmo presta especial atenção às perseguiçöes fanática de que foram alvo durante o regime de Mao Zedong e Zhou Enlai as religiões na China e afirma que:" [a] s igrejas, templos, mosteiros, mesquitas e todos os outros lugares de culto foram profanados, grande parte deles destruídos e outros convertidos em armazéns, escolas e fábricas. Os objectos de culto e obras de arte foram pilhados, os livros queimados e a China perdeu grande parte do seu espólio cultural e artístico nesta onda de vandalismo" (pág. 9). Contudo, reconhece que durante a era de Deng Xiaoping, isto é, desde a década de 1980, o regime tem vindo a "tolerar" as religiöes, como um mal menor, com o objectivo de fomentar o turismo e para assegurar um certa ordem social, num país mergulhadona:"corrupção a todos os níveis, [n]o desemprego, [n]a desloca'cão de milhöes de pessoas que deixam as suas terras de origem na mira dos eldorados urbanos, [n]o contrabando, [n]o banditismo (com o revigoramento das temíveis tr'iades), [ n ] a droga, [ n ] a prostituiç~ao, etc.."(pág. 109), como consequência da liberalizaç~ao económica. Apesar da política de "tolerância" dos dengistas, manifestada pela restituição de pagodes, mesquitas e igrejas, todas as religiões continuam a ser alvo de funestas persegui'cöes, especialmente se não pertencem às associaçöes oficiais do Estado. O autor reconhece, também, que o envelhecimento do clérigo, a deterioração da sua formação, a falta de contactos com o exterior e a instrumentalização que certas religiöes - em especial, o confucionismo - estão a ser alvo, por parte do poder político, para "preservar a ordem social" (pág. 29), são árduos problemas que confrontam todas as religiões na China. Para poderem resistir os enorm'issimos obstáculos, perseguições e vicissitudes impostos pelo regime, o autor opina que: "só uma inculturação séria", isto é, uma "sinizaç~ao", e um "diálogo interreligioso - nos planos cultural e ético", na perspectiva proposta pelo teólogo Hans Küng, entre as diversas religiões permitirá a sua sobrevivência.
  Os objectivos a que o autor se propôs no início do trabalho-o de:"alertar o leitor ocidental, de uma maneira geral pouco informado sobre o que se passa na China nesta matéria, para a situação em que vivem actualmente muitos milhöes de homens e mulheres neste enorme país. Sobre as lutas que travaram para difundir ou apenas conservar a sua fé, e os inegáveis progressos conseguidos na última década [1980], apesar dos inúmeros obstáculos ainda existentes" (pág. 7) - foram amplamente alcançados.
  Muit'issimo bem organizado, este livro está dividido em doze capítulos e várias subsecç~oes, o que permite uma consulta rápida e directa. O uso metódico de várias fontes de informaç~ao, tanto directas como indirectas, e o trabalho de campo, devidamente anotadas nas notas de rodapé, os avisos sobre a veracidade das estatísticas do governo chinês e aadvertência à comunicação social ocidental de que éé incorrecto apelidar a Igreja "Patriótica" como tal, mas sim como "Igreja Pública", devido a que aceita submissa e voluntáriamente as directivas do poder político, contribuem decisivamente para classificar esta obra como um trabalho sério a ser lido com grande atenção, tanto pelo público em geral como por sinólogos. De grande interesse são, também, as excelentes notas bibliográficas sobre as obras mais importantes citadas ao longo do texto. A apresentação gráfica deste livro é excelente, com mais de meia centena de fotografias a cores, que contribuem decisivamente para o seu enriquecimento global.
  Moisés Silva Fernandes
  University of Manitoba, Canadá