A PRODUÇÃO DE INFORMAÇÕES DE SEGURANÇA NO ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO**
*Rui Carlos Pereira

A Companhia, com modéstia divina, evita toda a publicidade. Os seus agentes, como é óbvio, são secretos... Esse funcionamento silencioso, comparável ao de Deus, provoca toda a espécie de conjecturas... É indiferente afirmar ou negar a realidade da tenebrosa corporação, porque a Babilónia não é outra coisa senão um infinito jogo de acasos.
Jorge Luís Borges, A lotaria na Babilónia, Ficções
Volvidos mais de vinte anos sobre a instauração do regime democrático em Portugal,ainda hoje se questiona a legitimidade, a necessidade e a utilidade da produção de informações de segurança - isto é, de informações tendentes a salvaguardar a segurança interna1 do Estado português. Para além da proverbial desconfiança com que são encarados aqueles que se dedicam a tal actividade2, os próprios conceitos de segurança interna e, por exemplo, de subversão possuem, por razões históricas de todos conhecidas, uma ressonância ideológica suspeita.
E, no entanto, a actividade dos funcionários e agentes de serviços de informações é uma das mais nobres quando colocada ao serviço do Estado de direito democrático.Responsáveis, afinal, pela tutela dos direitos,liberdades e garantias dos cidadãos e pela defesa da própria ordem constitucional democrática, num plano prospectivo de elevada complexidade, eles não aspiram sequer - ou não podem razoavelmente aspirar - ao reconhecimento público. Cabe-lhes,frequentemente, a ingrata tarefa de defender a vítima contra a sua própria vontade.
Por outro lado, o mau uso de conceitos como segurança interna ou subversão não constitui uma fatalidade. Ambos são, na verdade,conceitos relacionais, plenamente respeitáveis no quadro de um Estado de direito democrático. Decisivo é,simplesmente, que eles não sejam manipulados para vigiar, perseguir ou punir aqueles que têm ideias diferentes ou se limitam a exprimilas, seja isolada seja associadamente.
Numa sociedade aberta e num Estado que recolhe, no essencial, a tradição liberal, como é, sem dúvida,o português, a razão de Estado tem como horizonte inelutável a defesa de bens jurídicos. E, sem prejuízo da liberdade relativa de que o legislador goza - por força do mandato democrático que lhe é conferido -, a definição desses bens jurídicos está vinculada à ordem axiológica constitucional. Só os direitos e interesses constitucionalmente tutelados, como, por exemplo, a vida,a integridade moral e física, a liberdade e a segurança, a honra, a reserva da vida privada e o património, constituem justificação bastante para o exercício do poder punitivo estatal, para a acção da polícia e também para a própria produção de informações3. Neste sentido se pode proclamar, parafraseando um conhecido penalista, que a produção de informações de segurança não suprime a liberdade mas,pelo contrário, a cria4.
Naturalmente, as dúvidas suscitadas a propósito dos serviços de informações recaem em Portugal, de modo específico,sobre o Serviço de Informações de Segurança. Na contraposição entre segurança interna e defesa nacional, que se cristaliza na existência de dois serviços de informações - o SIS e o SIEDM,Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e militares5 -, a actividade de produção de informações tendentes a garantir a defesa nacional não suscita especial polémica.
Dois factores essenciais concorrem para explicar tal situação: em primeiro lugar,o SIEDM é, por definição, um serviço projectado para o exterior do território nacional6, por conseguinte, a sua actividade não pode pôr em causa,aparentemente, direitos, liberdades e garantias de cidadãos nacionais; em segundo lugar, o SIEDM é um serviço recente, relativamente pouco conhecidopela opinião pública, que não carrega consigo uma imagem suspeita. Mas quais são então as perguntas mais frequentes formuladas a respeito do Serviço de Informações de Segurança? De forma muito sintética, podemos sistematizá-las do seguinte modo:
a) É mesmo necessário existir um serviço de informações de segurança?
b) A que áreas se deve dedicar?
c) Como se articula a actividade de tal serviço com a investigação criminal?
d) De que meios de actuação se pode socorrer?
e) Que ameaças contra o Estado Português se perfilam na actualidade?
Num país que teve uma longa tradição de polícia política, a existência de serviços de informações é usualmente posta em causa por alguns sectores da sociedade. Para tal contribuem a persistência da memória e também a proverbial ignorância que reina sobre os serviços de informações7, em parte devida à inevitável consagração do segredo de Estado e do sigilo profissional8.
No entanto, se há ensinamento a retirar de uma experiência de polícia política, ele é,evidentemente, a inconveniência de uma confusão entre as actividades de produção de informações, manutenção da ordem pública,investigação criminal e direcção do processo penal9.Com efeito, aquilo que toma uma polícia política um instrumento perigoso é a confusão destas competências, a par da possibilidade de perseguir delitos políticos - delitos que se não confundem com os crimes contra o Estado presentemente previstos na nossa lei penal10, mas resultam antes da denegação de direitos cívicos como os de expressão, reunião, manifestação ou associação.
Ora, quando depois de um compreensível período de nojo, que se estendeu por cerca de doze anos, foram criados o SIRP e, no seu âmbito, o SIS,o legislador português tornou claro que vale entre nós uma distinção firme entre a actividade de produção de informações,a actividade de polícia e a actividade judiciária em geral. Desta forma, o legislador evitou que seja a mesma entidade a escolher os alvos, através da informação prospectiva, a persegui-los,mediante a investigação criminal, e a contribuir para a sua condenação, pela condução do processo. Em suma, é uma perspectiva democrática pluralista,fundamentada, em última instância, no princípio da separação e interdependência de poderes, que recomenda vivamente a dissociação entre a produção de informações e a investigação criminal. E nenhum Estado moderno pode, a pretexto de uma visão garantística extrema, eximirse à produção de informações. Mesmo abstraindo da actividade das autodenominadas Forças Populares 25 de Abril, que definitivamente cessou,Portugal pôde compreender essa necessidade quando foi alvo de atentados terroristas perpetrados por grupos estrangeiros11.

Mas de que matérias se ocupa o Serviço de Informações de Segurança?
Em regime de exclusividade, o SIS está incumbido de produzir as informações tendentes a evitar actos de espionagem,terrorismo, sabotagem e quaisquer outros que atentem contra a segurança interna do Estado, tal como este é configurado constitucionalmente, isto é, do Estado de direito democrático12.
No domínio da inteligência, há quem sustente que o objecto da actividade se estende a todos os domínios vitais para a segurança do Estado e quem,diferentemente, defenda que esse objecto se restringe a determinados domínios normalmente, a espionagem e o terrorismo.
Todavia, é forçoso concluir que a Ordem Jurídica Portuguesa só é compatível com a primeira concepção referida. Com efeito, tanto a Lei Quadro do SIRP como a Lei Orgânica do SIS se referem à defesa da segurança interna contra quaisquer actos que pela sua natureza a possam pôr em causa. Assim, são claramente abrangidos os modernos fenómenos de criminalidade organizada e transnacional, que constituem primordial preocupação comum dos Estados Europeus.
Com efeito, desenha-se hoje uma reorientação estratégica dos serviços de informações europeus,ditada essencialmente porduas razões: o fim da guerra fria e a internacionalização do crime, que é favorecida pelo desaparecimento de fronteiras estatais no seio da União Europeia13.
Uma correcta reordenação requer uma criteriosa ponderação dos modernos perigos para as sociedades democráticas, a cargo dos respectivos governos.Isoladamente, os serviços de informações podem incorrer no erro de supor que as ameaças àsegurança interna dos Estados são imutáveis, menosprezando as transformações verificadas ao nível da configuração dos blocos políticos,económicos e militares. Ou, em alternativa, podem ceder à tentação do casuísmo, respondendo a impulsos erráticos, inspirados pelos media ou por circunstâncias conjunturais.
Além disso, a reorientação estratégica há-de ser forçosamente associada a uma conjugação de esforços ao nível da União Europeia. Sem prejuízo da independência dos Estados e da autonomia dos respectivos serviços de informações e a nova fronteira comum da Europa requer partilha de informações e um certo nível de uniformização (à semelhança da que conduziu, no plano policial, à criação da Europol). Em suma, o aprofundamento político da União Europeia parece postular, num horizonte mais ou menos próximo, a criação de uma Eurintel ou Eurinfor.
No que respeita a Portugal, esta projecção não pode ignorar, todavia, os especiais laços estabelecidos com os países lusófonos. Também no plano das informações esses laços - concretizados em significativos fluxos migratórios, a que pode surgir associada a criminalidade organizada - impõem uma colaboração estreita entre os serviços. A recente criação de um Forum de Informações Lusófono, que integra os serviços de informações com competências em matéria de segurança interna daqueles países, pretende corresponder a esta necessidade.
A circunstância de se atribuir ao SIS um regime de exclusividade na produção de informações em matéria de segurança interna nada tem, por seu turno, de ocasional. É preocupação do legislador rodear a actividade de produção de informações das necessárias cautelas e submetê-la a modos de fiscalização eficazes14. Deste modo se compreende que o SIS seja tutelado pelo PrimeiroMinistro através do Ministro da Administração Interna15 e que a sua actividade seja fiscalizada por uma comissão de magistrados do Ministério Público dependente do Procurador-Geral da República16 e por um conselho de três personalidades eleitas pela Assembleia da República17.

A definição do objecto da actividade dos serviços de informações coloca desde logo um problema de delimitação de competências em relação à actividade de polícia. Este problema ganha especial acuidade quando se pensa, justamente, em fenómenos de criminalidade organizada e transnacional:no âmbito do tráfico de drogas e de armas, do branqueamento de capitais e da imigração clandestina,por exemplo, existe uma competência irrecusável das polícias em geral, e em particular da Polícia e do Serviço de estrangeiros e Fronteiras18.
Como se conjuga esta competência com a competência do SIS?
Para utilizar uma imagem expressiva,dir-se-á que a actividade de informações está para a investigação criminal tal como os crimes de perigo estão para os crimes de dano19. Em substância, a actividade de informações constitui uma antecipação da tutela do Estado de direito democrático relativamente à investigação criminal.Antecipação que é norteada, sem dúvida,pelo conhecido aforismo segundo o qual mais vale prevenir do que remediar.
Concretizando esta ideia, poderá adiantar-se que ao SIS cabe, em matéria de tráfico de droga, por exemplo, produzir informação prospectiva sobre os países de origem, as rotas utilizadas, os mercados,o modusfaciendi e as conexões dos cartéis com a comunidade financeira. Não compete já ao SIS investigar os crimes concretos, tarefa que é atribuída à Polícia Judiciária. Sem embargo, se no exercício da sua actividade o SIS se inteirar da prática de algum crime, deve comunicá-lo imediatamente à sautoridades competentes para instauração do procedimento criminal, salvo se, por razões de interesse nacional, o PrimeiroMinistro determinar expressamente o protelamento da referida comunicação20.
Por outro lado, convirá ainda acrescentar, para elidir a ideia de que as informações se dirigem exclusivamente aactividades de contra-espionagem e contraterrorismo, que tanto estas actividades como quaisquer outras que atentem contra a segurança interna constituem ilícitos criminais, tipificados no Código Penal Português21. Assim, o que distingue a actividade dos serviços de informações da acção de polícia de investigação criminal é apenas,inexoravelmente, a fase do processo em que se situa a respectiva intervenção.
A actividade do Serviço de Informações de Segurança é tipicamente preventiva e destina-se a identificar ameaças contra o Estado de direito democrático que ainda não ganharam os contornos suficientes para justificarem uma intervenção policial ou a instauração de um processo criminal.parece-me inteiramente correcto,atendendo a essa precocidade da actuação do SIS, afirmar que a produção de informações constitui um instrumento da definição da política criminal do Governo.
Não significa isto, porém, que o SIS se deva dispersar, ocupando-se indiscriminadamente de todos os fenómenos que possam originar ilícitos criminais. A fragilidade dos recursos de que os serviços de informações dispõem obriga-os a um esforço de contenção. Um serviço de informações correctamente orientado deve definir com desejável clarividência, em cada momento, as principais ameaças emergentes22.
A quarta questão enunciada inicialmente - e que não é,garantidamente, menos complexa do que as anteriores - respeita aos meios de actuação de que se pode socorrer o SIS.
Na verdade, a Lei Orgânica do SIS proclama, sem margem para dúvidas, que a produção de informações não pode pôr em causa os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos23. Os funcionários e agentes do SIS não podem praticar quaisquer actos cautelares ou de polícia,incluindo revistas, buscas e intercepções de comunicações, e não podem aplicar medidas de coacção ou de garantia patrimonial próprias do processo penal24.Todas estas limitações impõem, de imediato, uma interrogação óbvia: de que modo se dedicam, afinal, os funcionários e agentes do SIS à recolha de informações?
Ao assegurar o respeito pelos direitos,liberdades e garantias, a lei Orgânica do SIS não recusa a possibilidade de desenvolver acções de seguimento àdistância, por exemplo, quando tal se revelar necessário para evitar atentados contra o Estado de direito democrático. Tão pouco obsta a que, em certas circunstâncias, que não violem a esfera da intimidade, se proceda a filmagens em lugares públicos. E muito menos se opõe a que haja contactos pessoais com fontes voluntárias de informação. Em todas estas situações, desde que se obedeça aos critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade, consagrados no artigo 18º, n.º 2, da Constituição, os agentes e funcionários do SIS podem actuar. Tal como podem deter criminosos em flagrante delito, à semelhança de qualquer cidadão comum, quando não for possível recorrer a órgãos de polícia ou a autoridades judiciais25.
O que a lei acautela, decisivamente, é a perversão que consistiria em os agentes e funcionários do SIS praticarem actos da competência das polícias ou das autoridades judiciais. É esse,essencialmente, o sentido da proibição da prática de actos ofensivos de direitos,liberdades e garantias dos cidadãos26. Para além disto, importa observar que a maioria das notícias recolhidas pelos serviços de informações dos Estados democráticos resulta hoje de uma pesquisa orientada para fontes abertas. Os órgãos de comunicação social e a Internet constituem presentemente uma fonte inesgotável de informações acessíveis a qualquer cidadão.Porém, nem todos os cidadãos possuem os meios para analisar convenientemente essas informações e lhes conferir utilidade.Para dar um exemplo ilustrativo do que acaba de se afirmar, basta recordar apenas que, muito recentemente, uma rede de pedófilos foi detectada pelas autoridades francesas através de pesquisas na Internet.
Para terminar, importa fazer uma referência abreviada às ameaças estratégicas contra a segurança interna do Estado português que se perfilam no horizonte.
No âmbito da espionagem, será ilusório supor que a actividade de serviços estrangeiros hostis desapareceu com o fim da guerra fria. Na realidade, ela sofisticouse em meios e associa hoje aos tradicionais objectivos político-militares finalidades económicas e tecnológicas, o que impeliu o Congresso dos Estados Unidos da América a redefinir, num passado recente,o crime de espionagem27.
No que respeita ao terrorismo, apesar da ausência de uma actividade doméstica, que se extinguiu com a cessação da actividade das Forças Populares 25 de Abril, existe um perigo latente proveniente de grupos terroristas internacionais ou que actuam em países vizinhos. O terrorismo de inspiração fundamentalista islâmica constitui, em especial, um desafio estratégico para a Europa Ocidental. Com efeito, as incertezas recorrentes quanto ao futuro de Marrocos e da Turquia desenham um quadro altamente preocupante para a União Europeia.
Por outro lado, em matéria de criminalidade organizada transnacional é evidente o perigo representado pelo tráfico de droga, pelo branqueamento de capitais e pelo tráfico de armas de destruição em massa, muito frequentemente patrocinados por cartéis, mafias, tríades e outras associações criminosas que dispõem deconsideráveis meios para se eximirem àperseguição das autoridades28. Ao Estado Português interessa acompanhar atentamente a actuação dos cartéis e das mafias, mas também das tríades, dada a sua implantação no território de Macau,cujos residentes possuem, em muitos casos, a nacionalidade portuguesa.
Finalmente, no domínio residual dos restantes actos que atentam contra o Estado de direito democrático merecem ainda destaque todos os movimentos que promovem a violência, tenham inspiração xenófoba, religiosa, política ou desportiva.Skinheads e hooligans, em especial, são elementos agressivamente anti-sociais,com tendência para o agrupamento quase espontâneo, o que dificulta um acompanhamento da sua actividade com um sentido prognóstico.
A todos estes perigos está forçosamente atento um serviço de informações cuja finalidade precípua é a defesa do Estado português, compreendendo a sua localização num contexto internacional em que se avolumam os perigos resultantes do fundamentalismo integrista islâmico e da fragmentação dos antigos Estados do bloco de leste.
* Director-Geral do Serviço de Informações de Segurança.
** O presente texto reproduz sem alterações relevantes a conferência proferida pelo autor no dia 27 de Março de 1998, na Universidade Lusíada do Porto, no âmbito de um seminário sobre "Informações e Segurança Interna", presidido por Sua Excelência o Ministro da Administração Interna. Tratou-se de uma realização pioneira - promovida por iniciativa da Senhora Drª Branca Martins da Cruz - que associou académicos e responsáveis institucionais pelos vários serviços e forças de segurança, com evidentes vantagens para todos eles.
Notes:
1 O conceito de segurança interna, expressamente utilizado pelo legislador constitucional a propósito da definição das funções da polícia (artigo 272º, n.º1), constitui um corolário do direito á segurança, concebido como direito fundamental intimamente associado ao direito à liberdade (artigo 27º,n.º 1, da Constituição).
2 Também no jargão português são altamente pejorativas expressões como bufo e chibo, que, na linguagem de certas culturas criminosas,designam os que colaboram com as polícias ou os serviços de informações. Em contraposição, a imagem idílica e aventureira de James Bond filia-se numa ideia de paixão, exaltação de sentimentos e euforia perante o risco e o perigo, que nos aproxima da ideia de jogo (cfr. Alain Dewerpe, Espion. Une anthropologie historíque du secret d' État contemporain, 1994, p. 357) ou do Grande Jogo a que se referia Rudyard Kipling em Kim (trad. port. de Maria Madalena Esteves, Ed. Europa-América, s.d., p. 231).
3 É o artigo 18º, n.º 2, da Constituição que consagra este princípio de contenção do direito sancionatório público e também da actividade de polícia e da própria produção de informações, ao estatuir que as restrições de direitos, liberdades e garantias se têm de confinar ao mínimo necessário para salvaguardar outros direitos e interesses constitucionalmente tutelados.
4 Foi Hans-Heinrich Jescheck que afirmou, com inteiro rigor, que o direito penal não só impõe limites à liberdade, mas também cria liberdade - Lehrbuch des Strafrechts. Allgemeiner Teil, 4ª ed., 1988, p. 3.
5 Originariamente, o legislador contemplou a existência de três serviços de informações - o SIS, o SIED (Serviço de Informações Estratégicas de Defesa) e o SIM (Serviço de Informações Militares) - que colocou na dependência do Primeiro-Ministro, e não do Presidente da República, como se chegou a alvitrar. Neste desenho inicial influíram, evidentemente, a natureza semipresidencial do regime e o receio de concentração de poderes num só serviço de informações. Na realidade, porém, apenas o SIS e a DINFO (Divisão de Informações Militares) viriam a ocupar o espaço destinado à produção de informações. Com efeito, a extinção do Serviço Director e Coordenador de Informação (SDCI), operada pelo Decreto-Lei n.º 385/76, de 21 de Maio, levaria à criação da Divisão de Informações do EstadoMaior-General das Forças Armadas (DINFO). Mais tarde, o artigo 12º do Decreto-Lei n.º 48/93, de 26 de Fevereiro, criaria, no âmbito do Centro de Operações das Forças Armadas (CORAR), a Divisão de Informações Militares (DIMIL). A DINFO seria extinta pelo DecretoLei n.º 158/98, de 6 de Junho.
Foi a Lei n.º 4/95, de 21 de Fevereiro, que procedeu a um reagrupamento, prevendo apenas dois serviços de informações - o SIS e o SIEDM -, a par de uma Divisão de Informações Militares (a actual DIMIL). Há, no entanto, vários modelos alternativos: por exemplo,em Espanha, um só serviço (o CESID) produz todas as informações, possuindo competências internas e externas; outro tanto passou a suceder recentemente na Holanda, que possuía dois serviços. Também em Portugal se pode questionar se não seria mais racional - em termos de custos e eficácia - haver apenas um serviço de informações, dotado de um departamento externo, a par de uma divisão de informações militares. Com efeito, o espectro totalitário e o perigo de perversão dos Serviços - que constituíram, seguramente,a ratio essench da pulverização - parecem hoje definitivamente arredados.
6 Cfr. o artigo 19º, n.º 1, da Lei Quadro do SIRP, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 4/95, anteriormente citada, e, num âmbito mais vasto, o conceito de defesa nacional esboçado no artigo 273º, n.º2, da Constituição.
7 Os serviços de informações confrontam-se com duas exigências que formam um paradoxo e encontram as suas raízes políticas na formação de uma opinião pública e no conceito de Estado-Nação: a exigência de revelação e a exigência de abolição dos seus segredos.É a lógica de transparência liberal, céptica quanto ao poder e desconfiada da existência de uma parte oculta da política, que coloca tais exigências. Cfr. Alain Dewerpe, op. cit., p. 269.
8 Segredo de Estado e sigilo profissional distinguem-se, conceptualmente, na base de o primeiro possuir uma dimensão objectiva e o segundo se formular no plano subjectivo.O segredo de Estado, consagrado nos artigos 32º da Lei Quadro do SIRP (Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro, alterada pelas Leis n.º4/95, de 21 de Fevereiro, 15/96, de 30 de Abril, e 75-A/97, de 22 de Julho) e 9º, n.º 2, da Lei Orgânica do SIS (Decreto-Lei n.º,225/85, de 4 de Julho, alterado pelos Decretos -Lei n.º 369º/91, de 7 de Outubro, e 245/95, de 14 de Setembro), resulta da classificação das actividades e documentos produzidos pelo SIS. Já o sigilo profissional, prescrito pelos artigos 33º, n.os 1 e 3, da Lei Quadro do SIRP e 9º, n.º 3, da Lei Orgânica do SIS, é configurado como um verdadeiro dever funcional, a que estão obrigados todos os funcionários e agentes.
Observe-se ainda que o regime do segredo de Estado é reforçado em relação ao do segredo profissional em geral: a invocação do segredo de Estado só pode ser afastada - e o funcionário ou agente compelido a prestar depoimento perante uma autoridade judicial -se o Governo, através do Primeiro-Ministro (cfr. o artigo 33º,n.º2, da Lei Quadro do SIRP) ou do Ministro da Justiça (cfr. o artigo 137º, n.º3, do Código de Processo Penal), o não confirmar; já no caso do segredo profissional se dá a última palavra no poder judicial,que pode concluir pela ilegitimidade da sua invocação ou, perante invocação legítima, pode determinar a sua quebra, por reconhecer um interesse conflituante superior (artigo 135º,n.os 2 e 3 do Código de Processo Penal). Nem o próprio segredo religioso, inderrogável à luz do princípio da prevalência do interesse conflituante superior, beneficia do regime do segredo de Estado, uma vez que a autoridade judicial perante a qual é invocado pode concluir pela ilegitimidade de tal invocação (artigo 135º, n.º4, do Código de Processo Penal).
9 Na verdade, os organismos que, até ao 25 de Abril de 1974, exerciam competências de produção de informações possuíam igualmente funções de investigação criminal - designadamente, de investigação da criminalidade política -, funções policiais e mesmo funções de controlo fronteiriço e de estrangeiros.Assim, por exemplo, o Decreto-Lei n.º 23 995, de 12 de Junho de 1934, atribuía à PVDE competência para controlar a actividade dos engajadores de emigrantes clandestinos e a circulação de passaportes falsos. Depois, o Decreto-Lei n.º 24 112, de 29 de Julho de 1934, criava na PVDE uma Secção de Presos Políticos e Sociais, especialmente destinada ao controlo da criminalidade política.Mais tarde, o Decreto-Lei n.º 35 046, de 22 de Outubro de 1945, criava a PIDE, atribuindo-lhe, entre outras, funções respeitantes à emigração, licenciamento de agências de passagens e passaportes, permanência e trânsito de estrangeiros e controlo de fronteiras (artigo 3º). Para além destas funções - qualificadas como administrativas -, a PIDE exercia competência em matéria de repressão criminal (artigo 4.º). A transformação da PIDE em Direcção-Geral de Segurança (DGS), operada pelo Decreto-Lei n.º 368/72, de 30 de Setembro, não alterou este quadro geral de competências.
10 A sistematização do Código Penal reflecte com muita nitidez a natureza liberal ou autoritária do Estado. Assim, o Código Penal Português de 1852-86 previa na sua parte especial, sucessivamente, os crimes contra a religião, contra o Estado, contra a sociedade e contra as pessoas. Diferentemente, o Código Penal de 1982 prevê logo em primeiro lugar os crimes contra as pessoas e apenas em último lugar os crimes contra o Estado. Por outro lado, para além de dar o primado a bens jurídicos pessoais - orientação que foi reforçada pela reforma penal de 1995 -, o legislador não contempla em sentido nenhum delitos de opinião. Na verdade, os crimes contra o Estado requerem sempre a prática de actos lesivos das instituições democráticas (cfr. os artigos 308º e ss. do Código Penal).
11 Em 10 de Abril de 1983, Issam Sartawi, dirigente da OLP, foi alvo de um atentado mortal, em Montechoro, quando participava numa reunião da Internacional Socialista. Em 27 de Julho de 1983, o grupo terrorista arménio ASALA desencadeou um atentado terrorista contra a Embaixada da Turquia em Lisboa, de que resultaram vários mortos e feridos.Os recentes atentados contra embaixadas norte-americanas em África ilustram a acrescida mobilidade dos grupos terroristas, que parecem escolher agora alvos menos seguros, desinteressando-se da sua localização (de resto, relativamente indiferente, dada a omnipresença dos media).
12 O SIS não é o único serviço de informações existente em Portugal. Para além dele existe o SIEDM, que está incumbido da produção de informações que contribuam para a salvaguarda da independência nacional, dos interesses nacionais, da segurança externa do Estado português, para o cumprimento das missões das Forças Armadas e para a segurança militar (artigo 2º, n.º 1, do DecretoLei n.º 254/95, de 30 de Setembro).
A articulação entre os dois serviços é feita no âmbito de uma Comissão Técnica que integra, para além dos Directores-Gerais dos Serviços, um Secretário-Geral (cfr. os artigos 21º e 22º da Lei Quadro do SIRP). Em substância, essa Comissão Técnica constitui um secretariado permanente do Conselho Superior de Informações, órgão de composição alargada, que é presidido pelo PrimeiroMinistro e integra os Vice-Primeiros Ministros (se os houver), os Ministros de Estado e da Presidência (se os houver), os Ministros da Defesa Nacional, da Administração Interna, da Justiça, dos Negócios Estrangeiros e das Finanças, os Ministros da República para as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, os Presidentes dos Governos Regionais dos Açores e da Madeira e o Chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, para além dos membros da referida Comissão Técnica.
O SIS, dada a sua especial natureza - é o único serviço que, simultaneamente, tem responsabilidades em matéria de informações e de segurança -, integra ainda o Conselho Superior de Segurança Interna, órgão igualmente presidido pelo Primeiro-Ministro, de que fazem ainda parte os Vice-Primeiros-Ministros e os Ministros de Estado (se os houver), os Ministros da Administração Interna,da Justiça e das Finanças, os Comandantes-Gerais da Guarda Nacional Republicana e da Polícia de Segurança Pública, o DirectorGeral da Polícia Judiciária, o Director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, os responsáveis pelos Sistemas das Autoridades Marítima e Aeronáutica e o Secretário-Geral do Gabinete Coordenador de Segurança. Este Gabinete Coordenador de Segurança é composto pelos Comandantes-Gerais e pelos Directores-Gerais das Forças e dos Serviços de Segurança e pelos responsáveis pelos Sistemas das Autoridades Marítima e Aeronáutica, sendo presidido pelo Primeiro-Ministroou, mediante delegação, pelo Ministro da Administração Interna (cfr. os artigos 10º a 13º da Lei n.º 20/87, de 12 de Junho - Lei de Segurança Interna).
Repare-se, por outro lado, que o SIS é um organismo de âmbito nacional. A Portaria n.º 1015/89, de 23 de Novembro, criou as delegações do SIS no Porto e nas Regiões autónomas dosAçores e da Madeira. Mais recentemente, a Portaria n.º 1175/97, de 18 de Novembro,criou a delegação de Faro. A existência de delegações regionais do SIS concretiza na prática a ideia de que o SIS é um serviço de vocação nacional, cuja competência territorial coincide com o espaço sujeito aos poderes soberanos do Estado português (artigo 6º,n.º 1, da respectiva Lei Orgânica). Por outro lado, a existência de delegações regionais é um sinal de que as actividades do SIS não se resumem à produção de estudos ou trabalhos de natureza eminentemente teórica; as delegações regionais revelam que o Serviço possui uma actividade operacional de recolha de informações, que se materializa no desenvolvimento de acções no terreno à escala nacional.
Observe-se ainda que, nos termos do artigo 7º da Lei orgânica do SIS, as entidades públicas possuem um dever de colaboração com o Serviço, facultando, em especial, os elementos de informação que à missão do SIS sejam tidos como essenciais. De acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, esse dever assume uma forma particularmente intensa ou qualificada no que se refere às forças e aos serviços de segurança previstos na legislação de segurança interna, que estão obrigados, nos termos das orientações definidas pelas entidades competentes, a facultar ao SIS, a pedido deste, as notícias e os elementos de informação de que tenham conhecimento,directa ou indirectamente relacionados com as matérias que constituem o objecto das atribuições do Serviço. Existe um órgão com a incumbência de estudar os mecanismos necessários para efectivar o dever de colaboração (Conselho Consultivo), que é presidido pelo Ministro da Administração Interna e integra o Director-Geral e os Directores-Gerais-Adjuntos do SIS, bem como os responsáveis pelos restantes serviços e forças de segurança (artigos 12º e 13º da Lei Orgânica do SIS). Alguns diplomas recentes vieram concretizar este desiderato de cooperação entre o SIS e outras entidades públicas. Assim, por exemplo, o artigo 40º , n.º 3, do Decreto-Lei n.º244/98, de 8 de Agosto, determina que carece de consulta prévia ao SIS a concessão de visto por razões de segurança nacional ou em cumprimento dos mecanismos acordados no âmbito da política europeia de segurança comum; o artigo 7º, alínea e, da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, permite o acesso do SIS, entre outros, à informação sobre identificação criminal; por fim, o artigo 3º, n.º1, alínea f, do Decreto-Lei n.º 322/98, de 28 de Outubro, determina que a Comissão Nacional de Facilitação e de Segurança (FAL/SEC) integrará um representante permanente do SIS; nos termos do artigo 7º , n.º 1, alínea e, daquele diploma, as comissões aeroportuárias de facilitação e de segurança integrarão igualmente representantes do SIS.
13 Num documento do M15 (British Security Service) acessível ao público, apresenta-se um gráfico deveras elucidativo, representando os gastos com as diversas ameaças contra a segurança interna: entre 1990 e 1998, o montante atribuído à contra-espionagem desceu para menos de metade; a contra-subversão deixou praticamente de ser financiada; pelo contrário, a luta contra a criminalidade organizada viu o seu orçamento quase triplicar; maior ainda foi o retorço do investimento no contraterrorismo doméstico, que é explicável pela actividade do IRA (e que, atendendo ao processo de paz, deverá sofrer no futuro uma inflexão sensível) - cfr. M15. The Security Service,3ª ed., 1998, p. 12.
Note-se, no entanto, que a figuração da produção de informações como actividade prévia e instrumental da perseguição penal não constitui, propriamente, uma novidade. Em Portugal, já o Título LXXIII do Livro I das Ordenações Filipinas atribuía aos Quadrilheiros - de certo modo, oficiais de informações ao serviço do Rei - a missão de detectarem crimes para os comunicarem às Justiças. Curiosamente,ainda hoje se utiliza na linguagem popular a palavra quadrilheiro para designar, depreciativamente, a pessoa com propensão para a maledicência ou a intriga.
14 Tradicionalmente, os serviços de informações são objecto de mecanismos de fiscalização especialmente eficazes, nos Estados democráticos, porque lhes são conferidos vastos poderes para protegerem as liberdades dos cidadãos e a própria democracia (cfr.,sobre este ponto, Laurence Lustgarten e lan Leigh, In From the Cold. National Security and Parlamentary Democracy, 1994, p. 363).Em matéria de serviços de informações, um certo desequilíbrio garantístico pode surgir quando as competências dos serviços são restringidas a uma expressão mínima e os poderes de fiscalização, pelo contrário, são exacerbados. Em tal hipótese, um Estado corre o risco de estar a gastar em vão o dinheiro dos contribuintes, porque naturalmente os respectivos serviços de informações tenderão a revelar-se ineficazes.
15 Cfr. o artigo 1º , n.º 1, da Lei Orgânica do SIS.
16 Cfr. o artigo 26º da Lei Quadro do SIRP.Recentemente, a publicação da Lei n.º 67/98, de 16 de Outubro (Lei de Dados Pessoais), veio criar algumas dúvidas na opinião pública sobre a competência para a fiscalização dos centros de dados dos serviços de informações. Contudo, o artigo 4º , n.º 7, salvaguarda o disposto em normas especiais em matéria de segurança do Estado e o artigo 11º , n.º 2, determina que o direito de acesso a dados pessoais é exercido através da Comissão Nacional de Protecção de Dados ou de outra autoridade independente a quem a lei atribua a verificação. De tais normas, em conjugação com a contida no artigo 26º , n.º 1, da Lei Quadro do SIRP, que atribui competência fiscalizadora exclusiva à comissão de magistrados do Ministério Público, e que não foi revogada, parece pois resultar que é esta última comissão a única com competência para fiscalizar aqueles centros de dados.
17 Vide o artigo 7º da Lei Quadro do SIRP.
A circunstância de se exigir uma maioria de dois terços dos deputados presentes torna difícil a eleição do Conselho de Fiscalização,como a experiência tem revelado. A Lei n.º 75-A/97, anteriormente citada, veio introduzir um factor de flexibilidade na eleição, ao admitir que ela se processe por lista nominal ou plurinominal, consoante for um ou mais o número de mandatos a preencher. Por seu turno,a composição restrita parece ter em vista a necessidade de preservar o segredo de Estado, que seria mais facilmente posto em crise por um Conselho de Fiscalização com um elevado número de membros.
18 Observe-se que o artigo 4.º , n.º 1, alínea a, do Decreto-Lei n.º295-A/90, de 21 de Setembro, determina que se presume deferida àPolícia Judiciária, em todo o território, a competência exclusiva para a investigação do crime de tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas. Por seu turno, o artigo 2º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 81/95, de 22 de Abril, determina que cabe especialmente à Polícia Judiciária a prevenção da introdução e do trânsito pelo território nacional de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas (alínea a)e a prevenção da constituição de redes organizadas de tráfico interno dessas substâncias (alínea b).
Por seu lado, o artigo 2º do Decreto-Lei n.º 440/86, de 31 de Dezembro, dispõe que, entre as atribuições do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, se conta a vigilância e fiscalização, nas fronteiras terrestres, marítimas e aéreas, do embarque e desembarque de estrangeiros,impedindo a passagem a indivíduos indocumentados ou em situação irregular (alínea a).
19 Os crimes de perigo atingiram uma importância significativa após a Segunda Guerra Mundial, explicável, sumariamente, pela complexidade atingida nos domínios dos transportes e da produção e comercialização de bens. A previsão destes crimes constitui uma antecipação da tutela penal dos bens jurídicos (cfr. Rui Pereira, O dolo de perigo, 1995, pp. 22-23).
20 Vide o artigo 32º, n.º 4, da Lei Quadro do SIRP.
21 O crime de espionagem está previsto no artigo 317º do Código Penal, sendo punível com pena de prisão de 3 a 10 anos. Se o agente praticar tal crime violando dever especificamente imposto pelo estatuto da sua função ou serviço ou da missão que lhe foi conferida (é o caso, nomeadamente, de um crime de espionagem praticado por um funcionário ou agente do SIS) a pena eleva-se para 5 a 15 anos de prisão (artigo 317º , n.º 2). O crime de espionagem é classificado como crime contra a independência e a integridade nacionais,no âmbito dos crimes contra o Estado.
Por seu lado, o crime de terrorismo é previsto pelo artigo 301ºdo Código Penal. No artigo 300º, prevê-se também o crime de organizações terroristas, que é concebido como incriminação autónoma de actos preparatórios de outros crimes, incluindo a promoção ou fundação,adesão ou apoio à organização, desde logo puníveis com pena de prisão de 5 a 15 anos (art.º 300º, n.º 1). Estes dois crimes são configurados como crimes contra a vida em sociedade e, especificamente, contra a paz pública (sobre o crime de organizações terroristas,cfr. Figueiredo Dias, As Associações Criminosas no Código Penal Português de 1982 (artigos 287º e 288º), 1988, p. 76 e ss.
22 O plano anual de actividades do SIS é aprovado pelo Primeiro-Ministro ou, mediante delegação deste, pelo Ministro da Administração Interna (artigo 10º, n.os1, alínea a, e 3, da Lei Orgânica do SIS) e deve indicar as áreas prioritárias de actuação do Serviço. Ao Conselho Superior de Informações compete apresentar propostas sobre as actividades a desenvolver (artigo 18º, n.º 4, alínea c), da Lei Quadro do SIRP).
23 Cfr. o artigo 3º, n.º 1.
24 Vide o artigo 3º, n.º 2, da Lei Orgânica do SIS.
25 Cfr. o artigo 255º, n.º 1, alínea b, do Código de Processo Penal.
26 Havendo na Europa Ocidental vários serviços que reúnem competências de polícia e de produção de informações, parece efectivamente preferível a dissociação clara de ambas. Porém, deve frisar-se que mesmo os serviços dos Estados democráticos estrangeiros que não possuem competências policiais podem interceptar comunicações, mediante autorização judicial ou do próprio Governo. Em Portugal,tais intercepções só podem ser efectuadas em matéria de processo criminal, por força da própria Constituição (artigo 34º, n.º 4). Por outro lado, o Código de Processo Penal faz depender a intercepção de mandado ou autorização de juiz (artigos 187º e 190º) e a Lei de Segurança Interna atribui à Polícia Judiciária competência exclusiva para realizar as intercepções (artigo 18º). No entanto, é duvidoso que tal regime seja eficaz em matérias sensíveis de terrorismo e espionagem internacionais, relativamente às quais são evidentes as dificuldades probatórias e de perseguição penal (até porque as informações são, frequentemente, transmitidas por serviços estrangeiros ao abrigo de cláusulas de incomunicabilidade a terceiros). Nestes casos, a alternativa consistiria em admitir as intercepções fora do processo criminal, mas com dependência de autorização judicial (que poderia ser concedida, por exemplo, por um conselho de juízes especificamente constituído para o efeito), a qual garantiria a incolumidade da reserva da vida privada.
Uma outra competência frequentemente atribuída aos serviços de informações é a protecção de titulares de órgãos de soberania ou de altos dignitários do Estado, dada a circunstância de constituírem alvos preferenciais de atentados terroristas (cuja prévia detecção é, precisamente, competência daqueles serviços). Para dar um exemplo à escala portuguesa, pode adiantar-se que esta solução é perfilhada pela Bélgica.
Outra questão controversa que com frequência é suscitada a propósito da actuação dos serviços de informações é a da admissibilidade do recurso ao homem de confiança. Na Ordem Jurídica Portuguesa, a figura do homem de confiança apenas é prevista, em sede de processo penal, no âmbito do tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas (artigos 59º e 59º-A do DecretoLei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com a redacção que lhes foi dada pela Lei n.º 45/96, de 23 de Setembro) e da corrupção e criminalidade económica e financeira (artigo 6º da Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro). Em ambas as hipóteses é requerida a autorização prévia ou a validação posterior pela autoridade judiciária competente e a actuação material ou o controlo da Polícia Judiciária (o que significa,exactamente, que homem de confiança tanto pode ser um funcionário ou agente como um informador desta polícia). Em regra, o recurso ao homem de confiança está proscrito noutros domínios, por consubstanciar um método proibido de prova (artigo 126º, n.º2, alínea a, do Código de Processo Penal). Para além disso, mesmo nos domínios em que é legalmente previsto, o homem de confiança apenas se deve utilizar ao serviço de finalidades preventivas e não repressivas (cfr. Walter, Repressive und präventive Verwertung tagebuchartger Aufzeichnungen, StV, 1990, p. 175 e ss., e Costa Andrade, Sobre as proibições de prova em processo penal, 1992,pp. 232-25). Numa outra perspectiva, também é de recusar, em regra, o recurso ao agente provocador, sendo apenas de admitir a utilização do agente infiltrado. Só quanto a crimes graves e em situações de elevada fungibilidade se concebe, a título excepcional,a intervenção do agente provocador (cfr. Claus Roxin, Strafverfahrensrecht, 20ª ed., 1987, p. 125 e ss.). É neste contexto que se compreende que o artigo 59º do Decreto-Lei n.º 15/93 permita ao homem de confiança a aceitação de droga (cfr. Rui Pereira, O consumo e o tráfico de droga na lei penal portuguesa, Revista do Ministério Público, n.º 65 (1996), pp. 74 a 76). De tudo isto não se poderá inferir,todavia, que os serviços de informações, fora, naturalmente, do processo criminal, jamais poderão usar o homem de confiança. Em termos valorativos e sistemáticos, apenas se deverá concluir que os serviços de informações só se poderão socorrer desse meio em casos de grave ameaça contra a segurança interna, sem envolver nunca a provocação ao crime e, obviamente, sem possibilidade de transporte de prova para o processo criminal.
27 Cfr. o Economic Espionage Act de 11 de Outubro de 1998, Public Law, 104-294.
28 Jean Ziegler assinala a existência de uma deficiência imunitária de que padecem os Estados democráticos modernos para fazerem frente ao crime organizado, cuja principal causa seria a globalização da econonomia mundial, favorecida pela queda do Muro de Berlim,pela desintegração da União Soviética e pela parcial criminalização do aparelho burocrático da China (cfr. Les seigneurs du crime.Les nouvelles mafias contre la démocratie, 1998, pp. 27 a 42).