CRIMES DE SEITAS,SUA PREVENÇÃO E FORMAS DE COMBATE - MACAU**
*António Marques Baptista

Este trabalho é dedicado a todos aqueles que buscam um mundo mais justo e lutam, com coragem e determinação, para o alcançar, e bem assim à generosa e laboriosa população de Macau.
A.EM.B.
ⅠINTRODUÇÃO
Destinando-se o presente trabalho a ser apresentado em seminário da especialidade, e submetido à apreciação de alguns dos mais ilustres peritos a nível mundial no que respeita ao estudo de matérias directamente relacionadas com a actividade criminal organizada do Sudeste-Asiático, e em particular, aquela cujas raízes se encontram no continente chinês, suas estruturas, índices de operacionalidade e definição de grandeza da ameaça que representam, procurou-se caracterizar de forma genérica a actual situação de Macau e a sua influência na região em que se encontra inserido.
Consciente da importância que este tipo de encontros poderá ter no futuro de um combate, que acreditamos só será eficaz quando coordenado em termos operativos a nível transnacional, por analogia com a transnacionalidade da própria actividade criminal, procurou o seu autor transmitir conhecimentos adquiridos ao longo da sua experiência profissional.
A experiência referida é sustentada na actividade complexa que representa a Direcção de uma Polícia de Investigação Criminal (Polícia Judiciária), cujo principal (não único) objectivo no caso específico de Macau é o combate às Associações Secretas, aqui vulgarmente conhecidas como "Seitas".
Primordial é a definição de objectivos gerais estratégicos de investigação,dotando as estruturas policiais de uma organização capaz de efectuar a destrinça entre os fenómenos provenientes da chamada criminalidade convencional e aqueles cuja génese provém de estruturas organizadas, sem prejuízo da eficácia ou operacionalidade global da Entidade Policial.
É hoje consensualmente aceite pelos Organismos Policiais que combatem a criminalidade organizada em todo o mundo que, mais importante do que centrar o esforço analítico do fenómeno na interpretação de incidentes de forma individual, é a necessidade de concentrar a sua análise na actividade das diversas estruturas das organizações criminosas,procurando assim caracterizá-las.
ⅡPRINCIPAIS SEITAS A ACTUAR EM MACAU: PASSADO RECENTE
Os dois anos que antecederam a data da transferência de soberania de HongKong, foram marcados por um recrudescimento da actividade das organizações criminosas sediadas em Macau, que se repercutiu em vários domínios da vida política, económica e social do Território.
Este facto deveu-se, essencialmente, ao receio de que o reforço das medidas de combate e repressão do crime organizado sediado em Hong Kong - tendo em vista a manutenção do clima de tranquilidade desejado para o período de transição e para o sucesso da política chinesa nos tempos imediatamente subsequentes àpassagem da soberania - pudessem levar as poderosas organizações criminosas, aí estabelecidas, a procurar garantir um espaço de actuação no âmbito dos Casinos de Macau, há muito sob o domínio dos grupos congéneres do Território, fundamentalmente da seita "14K" e da seita "Soi Fong", não subestimando a existência de outras organizações de menor expressão, tais como a "Big Circle" e a "Seng I", asquais num passado recente têm vindo a efectuar pactos pontuais com as duas primeiras, mantendo relações privilegiadas nomeadamente com a seita "14K".
Com efeito, as organizações criminosas que detinham as suas áreas de actuação mais ou menos definidas no âmbito dos Casinos de Macau tomaram medidas no sentido de precaver uma eventual tentativa de implantação por parte dos grupos de crime organizado de Hong Kong, facto que poderia redundar numa perda significativa dos lucros resultantes das actividades paralelas por elas desenvolvidas, bem como da sua influência no tecido sócio-económico de Macau.
A estratégia delineada passava, em 1995, pela constituição da "Associação Macau Quatro Pacíficos" ou "Sei Lun" (constituída pela "14K", "Soi Fong", "Big Circle" e "Seng I"), que, pelas suas características, visava promover uma confluência de interesses entre os diferentes grupos, por forma a criar uma superestrutura financeira e operacional que não só fosse capaz de fazer frente àameaça das seitas de Hong Kong, mas que, ao mesmo tempo, pudesse garantir uma posição de destaque na estrutura paralela ao jogo em Macau para além do período de transição de soberania do Território.
O protagonismo assumido pelos líderes das referidas seitas e dos seus mais directos e activos colaboradores era, só por si, revelador do grau de conflitualidade que tal iniciativa continha em si mesma.
A posterior retirada da seita "Soi Fong" da supramencionada Associação fez sobressair rapidamente a clara tentativa de domínio por parte da seita "14K" - Macau - que, na altura, usufruia de uma poderosa rede de contactos na região próxima de Macau, especialmente centrada na Província de Cantão, facto que, entre outros, lhe conferia um sentimento de impunidade que esteve na génese do aumento dos indíces de violência no Território.
De acordo com informações fornecidas pelos Serviços de Segurança Pública da Província de Guangdong (SSPPG), os cabecilhas dos grupos criminosos da Província de Guangdong mantêm, desde há muito, contactos estreitos com a seitas de Macau, nomeadamente com a "14K" e com a "Soi Fong".
Segundo a mesma fonte, no período que antecedeu a transferência de soberania de Hong Kong, observou-se um aumento significativo da actividade dessas seitas na referida Província, que se manifestou, entre outros factos, no recrutamento de alunos das escolas primárias e secundárias para a constituição de vários grupos ligados àexpansão das actividades do crime organizado de Macau para a referida Província.
Simultaneamente, a liderança da seita "14K" pretendeu estender a sua influência aos órgãos políticos do Território, facto que esteve patente nos apoios concedidos a determinadas listas concorrentes às eleições para a Assembleia Legislativa realizadas no decurso do ano de 1996.
Na realidade, tratava-se das últimas eleições sob os auspícios da Administração Portuguesa, cuja legislatura se prolongaria para além de 1999. Neste contexto, observou-se o aparecimento no espectro eleitoral de candidatos com forte poder económico e com grandes interesses empresariais.
Verificou-se, então, a tentativa, por parte de alguns protagonistas sobejamente conhecidos do sub-mundo de Macau alguns directa ou indirectamente ligados ao mundo da exploração paralela do jogo -, de procurar garantir o seu acesso àmáquina política, tendo em vista a transferência de soberania do Território para a RPC.
Na sequência do crescente protagonismo que os líderes dos diferentes quadrantes do crime organizado,principalmente os das seitas "14K" e "Soi Fong", foram assumindo no contexto imediatamente anterior à transferência de Hong Kong, tal como se tem vindo a fazer referência, os anos de 1996 e 1997 foram marcados por um significativo aumento do tipo de criminalidade associada aos grupos criminosos, nomeadamente a agiotagem, cárcere privado, extorsão,homicídios, atentados à bomba, ofensas corporais, etc.
Na base deste aumento, assumiu especial preponderância o agravamento do conflito que envolveu as seitas "14K" e "Soi Fong", logo após a retirada desta da "Sei Lun", com vista à demarcação dos espaços de actuação de cada uma no seio dos Casinos de Macau.

Universidade de Ciências Politícas e Juridícas de Beijing (Zhengfa), RPC.
A referida retirada da seita "Soi Fong" daquele grupo veio alterar a designaçãodo mesmo, passando este a chamar-se "Sam Lun".
Por outro lado, os efeitos do arrefecimento da economia chinesa e a consequente desaceleração do crescimento económico repercutiram-se ao nível das receitas do jogo, o que afectou significativamente a actividade lucrativa das seitas, tendo, neste âmbito,aumentado o potencial de conflitualidade entre elas.
Assim, o grau de conflitualidade atingido veio-se a revelar prejudicial também para os principais intervenientes neste processo, uma vez que originou um afastamento gradual do número de jogadores que habitualmente se deslocava ao território de Macau.
Acresce ainda que a "14K", com o afastamento da "Soi Fong", viu reforçada a sua posição de força no seio da "Associação Macau Três Pacíficos" ("Sam Lun"), facto que, no âmbito do clima de conflitualidade então vivido, se concretizou no aumento de operacionalidade por parte dos grupos sob a sua liderança.
Durante o ano de 1996/1997, verificouse um incremento do tráfico de armas para o Território, bem como dos contingentes de imigrantes ilegais, no seio dos quais os grupos criminosos procediam ao recrutamento de indivíduos para a execução de determinadas tarefas no âmbito da Associação "Três Unidos".
Paralelamente, o tipo de criminalidade inerente às situações de conflitualidade entre várias seitas - nomeadamente no que concerne ao cometimento de homicídios, atentados com recurso a armas de fogo, ofensas corporais e fogo posto - sofreu um aumento considerável.
Na génese desta escalada de actos violentos esteve, mais do que qualquer outra causa, o sentimento de impunidade tantas vezes revelado pelos líderes mais conhecidos das seitas criminosas do Território, assumindo, neste caso específico, os líderes da seita "14K" um papel de elevado destaque.
Tendo em vista a necessidade de sedimentar os seus espaços de actuação face à possibilidade de invasão das seitas sediadas em Hong Kong, e bem assim de definir a correlação de forças a estabelecer no período pós 1999,socorreram-se de uma estratégia constrangedora da actividade policial,que se reflectiu de forma contundente na generalização de sentimentos de insegurança entre a população residente em Macau.
Teve especial destaque neste âmbito o papel dos meios de comunicação social,tanto a nível local como internacional,sendo que a nível internacional a tentativa de repercutir uma alegada incapacidade das autoridades locais para lidar com este problema parecia ser um dos objectivos a atingir.
Determinados sectores da imprensa chinesa e de Hong Kong, claramente conotados com interesses dos conglomerados do crime organizado de Hong Kong, exploraram de forma sensacionalista os acontecimentos vividos em Macau no período de 1996/1997.
A referida mediatização do fenómeno criminal de Macau foi explorada pelas diferentes organizações por forma a fazer recair as responsabilidades do recrudescimento das acções violentas no Território sobre as suas congéneres e sobre a própria Administração Portuguesa.
Neste âmbito, houve um claro aproveitamento dos órgãos de comunicação social por parte de alguns líderes de seitas, nomeadamente da seita "14K", com vista a assumir publicamente o seu protagonismo no mundo do crime organizado em Macau e a proceder a uma simultânea tentativa de branqueamento da sua imagem perante a opinião pública.A este facto não foi certamente alheia a sua capacidade de manobrar junto da referida imprensa, tirando partido, não só da sua bem estruturada teia de influências,mas também da sua considerável capacidade financeira.
Estavam, desta forma, criadas as condições para que a seita "14K" de Macau, exercesse o controlo quase absoluto das actividades subsidiárias do crime organizado, podendo, com efeito,ter daí resultado uma alteração na correlação de forças nunca antes percebida no âmbito dos grupos a operar em Macau.
Foi, de facto, neste contexto, e após se ter revelado uma hegemonia clara por parte do referido grupo, que foi planeada e executada uma série de atentados no Território visando alvos próximos da Administração Portuguesa, e que culminaram nas tentativas de homicídio do - Tenente Coronel Manuel Apolinário - Director da Inspecção e Coordenação de Jogos - do Dr. Lourenço NogueiroProcurador da Républica - e do Director da Polícia Judiciária de Macau.
O recurso a este tipo de atentados de cariz terrorista, em que o uso da violência atingiu níveis nunca antes observados em Macau no contexto das acções comummente perpetradas pelas organizações criminosas, serviria, não só para sedimentar posições de força no que respeita a outros grupos a actuar em Macau, ou que o perspectivassem fazer,mas, simultaneamente, para demover as autoridades locais de quaisquer acções que contra esses grupos pudessem vir a ser accionadas.
ⅢA NOVA ORDEM DO CRIME ORGANIZADO EM MACAU
Embora a actividade policial se tenha pautado, em termos práticos, pela obtenção de resultados concretos no âmbito do combate ao crime organizado,são patentes na realidade hoje vivida em Macau as dificuldades em debelar a capacidade de reacção e de adaptação das estruturas criminosas.
Para além de contarem com um número considerável de membros, estas Associações mantêm graus de coesão interior que se prendem mais com aspectos culturais e civilizacionais do que com a emergência do fenómeno de natureza criminal propriamente dito.
Assim, apesar de as actuais organizações criminosas de origem chinesa já pouco terem a ver com as sociedades secretas que lhes deram origem, seja ao nível dos princípios e objectivos seja ao nível da própria configuração dos grupos, ainda hoje as seitas que operam em Macau são fortemente marcadas por códigos de pertença que, na sua maioria, se revestem de princípios de secretismo, honra e vingança, factores que constituem sérios obstáculos à investigação policial;paralelamente, a orgânica dos grupos e a excessiva hierarquização de funções,que se estende da base até ao topo da organização, permitem níveis de eficácia consideráveis no que respeita aos objectivos criminosos das referidas organizações.
Alguns especialistas em alta criminalidade organizada não hesitam em afirmar que as seitas chinesas constituem,quando comparadas com as mafias russas ou mesmo com outras organizações criminosas, um fenómeno muito mais difícil de combater devido ao forte controlo que aquelas exercem não só no interior do grupo como na sociedade envolvente. O recurso permanente àextorsão e à ameaça são aspectos que proporcionam em larga medida o estabelecimento de laços quase vitalícios entre o indivíduo, a sua estrutura familiar e a organização.
Por outro lado, a imagem negativa que uma parte da sociedade chinesa tem do papel desempenhado pela polícia, este muitas vezes conotado com a alegada prática de torturas e/ou com a alegada supressão de direitos, em nada beneficia a relação e a cooperação das comunidades chinesas residentes no estrangeiro ou nos territórios das Regiões Administrativas Especiais com as instâncias judiciárias e policiais, sujeitas,nestes casos, a uma moldura legal de há muito consentânea com os princípios de um estado democrático.
Com efeito, a prisão de um líder de uma associação secreta, tal como sucedeu com a detenção do alegado líder da seita "14K", em Macau, apesar de ter constituído um forte ataque às pretensões de ascensão, e domínio por parte da seita, não impediu que a referida associação mantivesse índices de operacionalidade bastante elevados,facto a que não é estranha a existência de uma estrutura bastante hierarquizada assente em vultuosos interesses financeiros e tendo como substrato a realidade cultural e política a que se fez referência.
Mas o significado daquela detenção extravasa a questão da liderança da Associação e a dinâmica inerente ao funcionamento das suas actividades, em virtude de este facto ter tido repercussões ao nível dos diferentes grupos de crime organizado actuantes no Território,podendo mesmo dizer-se que actualmente, começam a emergir sinais de alterações quer ao nível das estruturas de liderança dos diferentes grupos quer ao nível do "modus operandi".
No que concerne às alterações percebidas no topo das organizações, no decorrer do segundo semestre de 1998 observou-se o seguinte:
·Perante a necessidade de redimensionar o papel que cabia ao líder então preso, a seita "14K" viu-se sob o comando operacional de elementos da extrema confiança daquele, que asseguravam a continuidade da sua liderança.
Este facto tornou-se possível graças a duas ordens de factores. O primeiro prende-se com a existência de uma rede de apoio (previamente existente) que se estendia até ao interior do próprio estabelecimento prisional, a qual facilitou o contacto do referido líder com o exterior,por forma a garantir a continuidade do seu comando operacional. Neste âmbito prevalecem os contactos telefónicos ou o recurso a aparelhos de recado, bem como a utilização das visitas para a passagem de mensagens para o exterior.
Registe-se, por outro lado, que dentro do estabelecimento prisional a existência de um número considerável de indivíduos presos pertencentes ao seu grupo potencia os actos de coacção e de intimidação aos próprios guardas prisionais, o que, de certa forma, se repercute no grau de permeabilidade visível no sistema prisional.
O segundo decorreu da existência de um grupo de operacionais capaz de assumir, sem causar desequilíbrios internos, a continuidade dos desígnios da organização. Neste contexto, foi essencial a presença de um indivíduo que, desde há muito tempo, gozava da confiança do líder, tendo revelado uma capacidade notória no planeamento das principais actividades operacionais da seita.
A passagem de alguns elementos afectos a estas associações pelos quadros de investigação da Polícia Judiciária e das Forças de Segurança de Macau permitiu, ao mesmo tempo,adquirir um bom grau de conhecimentos sobre o modo de actuação e sobre o próprio funcionamento das instituições policiais, o que, sem dúvida, serviu para alterar significativamente o "modus operandi" das organizações.
Desta forma, foi notório o reforço das medidas de contravigilância, bem como um maior cuidado na preparação dos atentados ocorridos, a maioria deles com recurso a técnicas mais sofisticadas e a explosivos de maior potência.
Por outro lado, a opção por alvos previamente seleccionados, tendo em vista o ultraje das instituições judiciais e judiciárias, bem como a intimidação das autoridades directamente ligadas ao combate da criminalidade organizada,procede das alterações introduzidas na estratégia dos grupos, o que de certa forma se pode comprovar pelo recair das suspeitas de autoria moral da maioria dos crimes cometidos sobre elementos pertencentes à seita "14K" ou que a ela se encontram ligados por pactos préestabelecidos com outras organizações criminosas, nomeadamente com as seitas "Big Circle" e "Seng I".
A prisão de mais alguns membros da seita "14K", todos alegadamente pertencentes ao comando da organização, veio alterar novamente a estrutura até aí conhecida pela Polícia.
Actualmente estão ainda por definir os contornos do actual esquema de liderança, melhor dizendo, da estrutura de apoio no exterior que assegura a continuidade do comando do alegado líder actualmente detido, porque, na realidade, os indícios apontam para o facto de a organização continuar a ser monotorizada a partir de um núcleo actualmente preso, ou ausente de Macau por razões estratégicas.
Tem-se conhecimento de que parte dos potenciais alvos de investigações policiais (alguns deles actualmente com mandados de captura pendentes) se encontram desde há muito tempo fora do Território, recuados em países da região nos quais contam com estruturas de apoio que lhes asseguram a protecção necessária.
Concretamente, foram recolhidas informações de que os mesmos estariam por detrás de alguns dos atentados ocorridos em Macau.
Para estas acções, estes indivíduos procederão ao recrutamento de indivíduos oriundos da Província de Guangdong, local onde, nomeadamente,a seita "14K" possui um campo considerável de actuação.
Actualmente, a polícia desenvolve um amplo esforço de pesquisa e de acompanhamento das actividades destes indivíduos em Macau, tendo constatado,no decorrer das suas operações e no tratamento da informação recolhida, que esses indivíduos, embora se registem indícios de que se mantêm activos enquanto membros da seita "14K", se rodearam de medidas de segurança que têm dificultado sobremaneira o trabalho da polícia.
Estas medidas passaram inclusivamente pela alteração de rotinas, pela mudança de residências e viaturas e pelo uso de meios de comunicação sob cobertura de outros indivíduos.
Note-se que o esforço de pesquisa e o trabalho de recolha de informações por parte das forças de segurança no período que antecedeu a detenção de alguns dos principais líderes de seitas em Macau permitiu abarcar um amplo conhecimento sobre a composição dos diferentes grupos, seus locais de implantação e actuação e suas estruturas de apoio, elementos que se revelaram basilares para a prossecução das acções policiais levadas a cabo nos últimos três anos.
Hoje em dia, atendendo às alterações verificadas nos diferentes grupos,especialmente no seio da seita "14K",vêem-se as polícias forçadas a colmatar as lacunas que entretanto surgiram na grelha de informações sobre a qual se estrutura o combate ao crime organizado.
·Em consequência das acções policiais levadas a efeito nestes últimos três anos em Macau, das quais resultou também a detenção de cerca de 160 elementos conotados com a seita "Soi Fong", a estrutura de topo desta organização apresenta profundas alterações no que respeita à sua liderança, pelo menos nos moldes em que era conhecida.Durante o acompanhamento das actividades dos mais importantes líderes da seita "Soi Fong" no ano de 1998,observou-se que o conjunto de razões que esteve subjacente às alterações verificadas no topo da liderança decorre de dois factores resultantes da conjuntura política do Território. Por um lado, a projecção dada à política de combate ao crime organizado, que extrapolou sobremaneira o empenho das autoridades portuguesas, tendo merecido,concomitantemente, destaque na agenda política das relações entre o Estado Português e o Estado Chinês.
A assumpção pública do compromisso do Estado Chinês no que concerne à sua cooperação no combate ao crime organizado, aliada ao resultado do caso "Big Spender", constituiu para alguns sectores do crime organizado um sinal inequívoco da vontade de Pequim em moderar os efeitos na segurança das actividades delituosas das seitas.
Neste contexto, a prisão do alegado líder da seita "14K" assume contornos decisivos.
Em Março de 1998, chegaram ao N.A.I.(Núcleo de Análise de Informação da Polícia Judiciária) informações que apontavam para a possibilidade de se verificar uma alteração de fundo na estrutura directiva da seita "Soi Fong",que se prendia com a eventual ascensão de um novo líder.
Com efeito, após a tentativa fracassada de constituição da "Associação dos Quatro Unidos" e a prisão do alegado líder da seita "14K", assistiu-se a um sensível decréscimo do protagonismo do líder da seita "Soi Fong", quase sempre associado ao seu alegado projecto de emigrar para o Canadá (um dos destinos privilegiados pelos membros desta seita,uma vez que aparentemente possuem naquele país uma forte rede de apoio).
Contudo, a análise integrada dos factos que chegaram ao conhecimento da polícia nos últimos meses permite inferir que até aqui se manteve inalterável a estrutura deliderança, existindo no entanto indícios de que actualmente já estarão a emergir novos líderes operacionais no âmbito da referida Seita.
Por outro lado, os principais suportes de liderança no seio desta associação retiraram-se estrategicamente do território de Macau, devido à acção policial,denunciando, contudo, estarem para tal preparados, e encontrando-se desde há algum tempo empenhados na constituição de estruturas de apoio no exterior.
A retirada súbita destes indivíduos não obedeceu a nenhum planeamento interno,tendo provavelmente sido determinada por questões relacionadas com as suas actividades delituosas.
A proximidade da transferência de soberania, associada à emergência de novos actores no submundo do jogo,bem como a incerteza relativamente ao procedimento das autoridades chinesas face aos casos de detenção por associação criminosa, poderão igualmente estar na base da decisão destes indivíduos da saída temporária do Território.
Para esta situação concorre também, de forma decisiva, a questão da proximidade da transferência de soberania de Macau,bem como a ingerência de novos protagonistas na gestão de conflitos e de interesses em torno dos lucros provenientes das actividades controladas pelas seitas, tendo em vista a definição de estratégias para o período pós-1999.
São, por outro lado, elementos a ter em conta na análise daquilo a que se chamou a "nova ordem" do crime organizado em Macau os interesses conflituantes no que diz respeito àrenegociação do contrato de exclusividade do jogo, que terá lugar no ano 2001.
Tanto a emergência de novos candidatos como o realinhamento de forças políticas em torno dessa questão sujeitarão, obrigatoriamente, os responsáveis a pressões levadas a cabo por actores do mundo criminal que sedimentaram a sua actividade mais lucrativa no seio dos casinos do Território,e que pretendem manter os seus espaços de actuação ou mesmo, no caso dos grupos subsidiários das seitas de HongKong, proceder à conquista de novos espaços.
Simultaneamente, os efeitos da prolongada crise económica e da lenta recuperação da economia de Macau têm tido reflexo directo nas fontes de receita destes grupos, admitindo-se por isso, a curto prazo, a diversificação de fontes de receita por parte dos mesmos.

ⅣCOMBATE
Neste capítulo, pretende-se dar conta das linhas orientadoras que nortearam a política de segurança levada a efeito pela Administração do Território face ao agravamento dos índices da criminalidade violenta, observado no período compreendido entre os anos de 1995/1997, e à tentativa de subversão e descrédito do papel das instituições responsáveis pelo garante da tranquilidade e segurança da população.
Em virtude da visibilidade pública assumida pela liderança da "14K", o território de Macau foi sucessivamente alvo de notícias, veiculadas quer na imprensa nacional quer na internacional,que enfatizavam de forma sensacionalista as precárias condições de segurança,quadro quase sempre associado àinoperacionalidade das Forças de Segurança e à generalização dos sentimentos de impunidade por parte dos líderes das associações criminosas.
a) Ameaça à credibilidade das instituições/acção policial
Tal como foi referido anteriormente, a posição das autoridades portuguesas, no que dizia respeito aos níveis de eficácia no combate ao crime organizado, foi ficando fragilizada a partir do final dos anos 80, tendo-se agravado esta situação com o recrudescimento das actividades dos grupos criminosos, tendo em vista a aproximação da data de transferência de soberania para Hong Kong.
Dever-se-á salientar neste âmbito que, em termos puramente públicos, não era credível que as polícias locais, e em particular a Polícia Judiciária,possuíssem estruturas suficientementecoesas que permitissem levar a cabo um combate eficaz às organizações historicamente sedimentadas nesta área,cujo espectro criminal se estende aos ruais diversos sectores das sociedades local e regional - assumindo principal destaque neste âmbito a R.P.C. e Hong Kong.
Consciente desta realidade, mas simultaneamente alheia a todo um rol de críticas que se faziam sentir amiúde, a Polícia Judiciária iniciou, em finais de 1993, a criação de uma estrutura de informações que visava prosseguir um trabalho sistemático de recolha,tratamento e análise de informação, por forma a permitir um acompanhamento continuado do fenómeno do crime organizado, e bem assim, proceder a uma avaliação global e interdisciplinar das múltiplas facetas de que se reveste tão complexo processo de natureza criminal.
Os resultados das análises produzidas no âmbito da referida estrutura de informações têm por objectivo subsidiar de forma directa e concertada o trabalho desenvolvido pelos departamentos de investigação, bem como o dos sectores operacionais.
Por outro lado, o desenvolvimento do trabalho da referida estrutura, em virtude da sua natureza e objectivos, tem sido marcado por uma dinâmica inerente àprópria versatilidade da realidade criminal,sem, contudo, abandonar uma estratégia de análise assente em pressupostos de natureza estrutural da evolução contínua dessa mesma realidade.
No que respeita à operacionalidade da.própria Polícia Judiciária, foi criado em 1996 o chamado Grupo Operacional (ou Grupo de Operações Especiais), o qual tem por finalidade prestar um apoio efectivo, ao Departamento que tem a seu cargo a investigação dos Processos relacionados com o crime organizado.Este grupo conta actualmente com cerca de 30 homens, e tem vindo a ser alvo de acções de formação pontuais, sempre tendo em vista o incremento da sua capacidade operacional, apresentando hoje elevados índices de eficácia e profissionalismo.
Simultaneamente, e no que respeita aos últimos três anos, foram adoptadas de forma decidida, pela Polícia Judiciária,medidas que visaram uma reestruturação dos seus quadros de investigação, com o objectivo de acautelar eventuais desvios no cumprimento de funções por parte dos intervenientes no processo de investigação.
Na sequência destas medidas, durante o período compreendido entre 1996 e 1998 foram alvo de processo disciplinar e subsequente afastamento das forças policiais diversos funcionários da carreira de investigação, sendo que alguns destes mantinham relações comprometedoras com indivíduos pertencentes às estruturas de comando das organizações criminosas locais.
Ainda no contexto do reforço da acção policial, cabe referir que foram incrementadas as capacidades de intervenção dos sectores técnicooperativos das forças policiais, tendo daí resultado uma maior dinâmica das acções de prevenção nas áreas geográficas e espaços públicos de diversão e jogo, os quais, pela sua natureza, constituem o local privilegiado da actuação dos grupos criminosos.
Toda a dinâmica anteriormente referida,no que respeita à actuação das forças policiais e da Polícia Judiciária em particular, foi sustentada na sua génese pelo empenhamento efectivo demonstrado por parte do poder executivo e da própria Assembleia Legislativa, a qual aprovou a Lei da Criminalidade Organizada (Lei nº6/97/M, de 30 de Julho), revogando assim a anterior lei existente (Lei nº 1/78/M, de 4 de Fevereiro), a qual se apresentava algo desajustada em relação a uma ameaça crescente e isenta de formalismos burocráticos.
Das alterações provocadas pela entrada em vigor da Lei nº 6/97/M, de 30 de Julho, deve-se salientar desde logo a introdução de um regime especial (artº 5º),o qual prevê a possibilidade de atenuar,substituir por pena não privativa da liberdade, ou dar lugar a dispensa de pena,quando os arguidos impeçam ou se esforçem seriamente por impedir a continuação da associação ou sociedade secreta. Este regime especial, que vigora a partir da entrada em vigor desta nova lei, prevê a possibilidade de se contar com a "colaboração" de um "arrependido" no decurso das investigações, factor que poderá vir a revelar-se preponderante na conclusão das mesmas.
Por outro lado, foi criado um departamento específico dentro do próprio Ministério Público, denominado N.I.C. (Núcleo de Investigação Criminal),ao qual ficou atribuída a competência exclusiva de lidar com todos os processos que respeitem à criminalidade organizada, passando desde então as forças policiais a beneficiar de um interlocutor privilegiado junto daquela Instituição.
Já no decorrer de 1998, foi publicada a nova Lei Orgânica da P.J. (Decreto-Lei nº27/98/M,de 29 de Junho), a qual atribui no seu artº 5º g), à Polícia Judiciária a competência exclusiva da investigação,entre outros, dos crimes de associação criminosa ou de associação ou sociedade secreta, evitando assim a possibilidade da existência de dispersão de informação neste âmbito.
b) Resultados obtidos
A recolha e tratamento integrado do manancial de informação existente sobre a constituição e a actividade dos grupos criminosos locais permitiu à Polícia Judiciária desencadear, em Abril de 1997,aquela que foi considerada a primeira grande operação contra o crime organizado em Macau, na sequência da qual foram realizadas buscas simultâneas às residências dos alegados líderes e deoutros membros com posições de destaque nas duas das principais associações secretas locais então em conflito, a "14K" e a "Soi Fong".
Esta operação constituiu, então, a resposta inequívoca da Polícia Judiciária a uma série de ocorrências violentas, que se sucediam quase diariamente, resultante da escalada do conflito entre os dois grupos acima referidos, e que se repercutia na generalização de sentimentos de insegurança na comunidade local.
A realização das buscas aos locais previamente definidos pela Polícia Judiciária foi autorizada judicialmente,com base nos seguintes pressupostos:
·Existência de um conflito violento entre as seitas "14K" e "Soi Fong";
·Entrada no Território de armamento de guerra;
·Agravamento do conflito e aumento do risco de atentados contra elementos da Administração do Território;
·Realização de reuniões periódicas na residência de determinados líderes;
·Posse de armamento por parte dos seguidores de ambas as seitas.
No decurso das buscas foi apreendida diversa documentação, mais tarde sujeita a investigação no Núcleo de Análise e Informação, que continha matéria incriminatória, fundamentalmente aquela que dizia respeito a aspectos relacionados com a contabilidade da seita "14K".
O dito conjunto de documentos ainda hoje suscita algumas dúvidas de interpretação, devido ao facto de ser bastante complexo na forma como se apresenta, o que só contribui para a convicção de estarmos perante uma contabilidade singular, cuja estrutura não apresenta paralelo com nenhum outro modelo contabilístico.
Em termos de resultados, esta acção obrigou à retirada temporária de alguns dos principais elementos daquelas duas seitas, que procuraram refugiar-se fora do Território de Macau, designadamente em países da região que se têm configurado como verdadeiros paraísos para o recuo de indivíduos conotados com organizações criminosas típicas da região da Ásia Oriental.
Com a implementação da nova política de combate ao crime organizado,incentivada e apoiada pelas diversas instâncias governamentais e judiciais, era previsível que ocorressem diversas acções de retaliação por parte dos grupos criminosos, atendendo a que os mesmos se regem por códigos de honra e vingança que desencadeiam, na maioria das vezes,acções violentas, normalmente dirigidas a alvos previamente determinados.Neste contexto, foram cometidos diversos atentados que visaram indivíduos directamente ligados à Administração do Território.
Estas acções atingiram o seu ponto mais alto, já no decorrer do ano de 1998, com a realização de um atentado contra o actual Director da Polícia Judiciária, o qual visava, de acordo com o resultado dos exames periciais, a eliminação do mesmo.
O facto de o Director da Polícia Judiciária ser a "face visível" de um combate desencadeado pelas forças de segurança locais aos principais grupos de crime organizado a actuar em Macau, e bem assim aos seus líderes, tornou-o um alvo privilegiado dos mesmos.
Também aqui a Polícia Judiciária revelou capacidade de resposta - a qual,de resto, era exigida não só pelos responsáveis da Administração do Território mas também por diversos sectores da comunidade local -,desencandeando de imediato acções que desde então conduziu ao Estabelecimento Prisional de Coloane grande parte dos elementos da cúpula da Associação Secreta "14K", incluindo o seu alegado líder.
No decurso do ano de 1998, foram alvos de mandados de captura outros membros pertencentes à mesma Associação,actualmente ausentes de Macau, tendo-se ainda procedido à detenção dos alegados líderes das seitas "Seng I" e "Big Circle".
Actualmente ainda se encontram em curso diversas operações visando não só a obtenção de melhor prova1 nos processos já em curso, como a indiciação de outros elementos identificados pela P. J.como pertencentes às estruturas de comando das organizações criminosas locais.

c) Políica de cooperação
O potencial de criminalidade existente no Território extravasa as suas fronteiras,dada a extensão e as ramificações que este fenómeno adquire no plano internacional.
Naturalmente que a existência da indústria do jogo, um dos pilares estruturantes da economia de Macau, constitui um forte estímulo à presença de grupos criminosos, muitos deles com fortes ligações a associações sediadas noutros países da região.
Por seu turno, os membrosdas organizações criminosas têm atrás de si um aparelho mais ou menos sofisticado,capaz de os proteger da acção das entidades com competência em matéria de investigação dos crimes por eles cometidos, garantindo-lhes uma considerável margem de manobra face às referidas entidades.
Além disso, o relacionamento dos grupos criminosos com a actividade do jogo em Macau envolve cumplicidades de vária ordem, entre as quais se destaca o conhecimento tácito da prática de agiotagem e de angariação de jogadores com recurso a diversas formas de aliciamento.
A esta situação acrescem os riscos inerentes às particularidades geográficas do Território e às dificuldades de controlo das fronteiras terrestres e marítimas através das quais se regista a entrada de consideráveis fluxos de imigrantes ilegais.
Este facto constitui, com efeito, um óbice à eficácia da investigação policial,que, não raras vezes, se defronta com dificuldades ao nível da definição da autoria material de determinados crimes,principalmente aqueles que são cometidos por indivíduos recrutados em determinadas províncias chinesas e que se deslocam ilegalmente ao Território.
De acordo com as estatísticas fornecidas pelo Gabinete Coordenador de Segurança,a média mensal de imigrantes ilegais entrados no Território no ano de 1997 foi de cerca de 420 indivíduos. Na maioria dos casos, as entradas foram efectuadas pelos Portos Interior e Exterior com recurso a barcos, sendo a maioria dos imigrantes provenientes da RPC.
Em virtude das consequências deste fenómeno ao nível da segurança e da própria economia do Território, têm sido,ao longo destes últimos anos, envidados esforços no sentido de reforçar a cooperação entre as Forças de Segurança e as suas congéneres da região,designadamente com as autoridades das províncias chinesas e de Hong-Kong.Com efeito, na sequência deste reforço de cooperação observou-se um controlo mais efectivo do espaço fronteiriço de Macau.
No que respeita exclusivamente àcooperação com as autoridades chinesas,esta desenvolve-se no âmbito mais lato da política governamental chinesa, que se tem pautado por demonstrar publicamente o interesse em estreitar os canais de cooperação com as autoridades do Território, com o intuito de minorar os efeitos, em termos de segurança, das estruturas de apoio criadas, ao longo de anos, nas províncias chinesas mais próximas de Macau e que garantiam as ligações entre os grupos criminosos sediados na RPC e os que operam em Macau.
Neste contexto, a campanha contra a corrupção, uma das linhas orientadoras da actual política chinesa, reforçada no XV Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC), tem servido para desmantelar a rede de contactos que determinados sectores do crime organizado mantinham em diversas estruturas no interior da R.P.C., mais concretamente na Província de Guangdong.
Concretamente no que respeita às medidas de cooperação com as autoridades de Macau, sobressaem as medidas tomadas no âmbito do reforço de vigilância nas fronteiras com a Província de Guangdong.
No decurso do ano de 1998, foram colocados novos efectivos da polícia fronteiriça chinesa em Zhuhai, em pontos estratégicos para o combate à actividade das redes de imigração ilegal e à entrada de criminosos a soldo das seitas que operam no Território.
Paralelamente, a Polícia da Província de Guangdong levou a efeito, no mês de Setembro, uma campanha anti-crime da qual resultou a detenção de cerca de 290 000 indivíduos suspeitos da prática de crimes e o desmantelamento de cerca de 6000 bandos criminosos, incluindo 115 organizações criminosas (números divulgados pela imprensa local).
Ainda em resultado deste esforço de cooperação, são de assinalar todas as tentativas feitas no sentido de tornar mais céleres os canais de troca de informações entre os órgãos responsáveis pelas respectivas áreas de segurança.
Para além do estreitamento de contactos com as autoridades da RPC, a Polícia Judiciária tem alargado o âmbito da colaboração, no tocante a matérias relacionadas com as actividades subsidiárias do crime organizado, a HongKong, bem como a outros países da região.
A cooperação com outros países,designadamente com a Tailândia, Taiwan,Cambodja e Vietname, tem vindo a ser intensificada, e será no futuro de extrema importância, uma vez que aqueles países constituem por tradição destinos privilegiados para o recuo de criminosos e para o desenvolvimento de determinadas actividades ilícitas que se repercutem na segurança do Território de Macau,nomeadamente o tráfico de armamento e de estupefacientes.
Esta situação, entre outros motivos,permite que determinados indivíduos procurados pela polícia e pertencentes,muitas vezes, às estruturas de comando das organizações criminosas encontrem as condições ideais para exercer, a partir do estrangeiro, o comando operacional das seitas a que estão ligados.
Assim, a acção das Forças de Segurança confronta-se com uma série de vicissitudes que limitam sobremaneira os resultados práticos do combate a este tipo de criminalidade, sendo certo que a Administração Portuguesa em Macau,através das suas polícias, tem vindo a mostrar coragem e determinação para enfrentar um problema que, sendo milenar, pode, contudo, ser reduzido a uma dimensão controlável.
ⅤCONCLUSÃO
O combate à criminalidade organizada,nomeadamente de raiz oriental,representa actualmente um dos maiores desafios às autoridades policiais de todo o globo.
A sofistificação de meios, a disponibilidade financeira, os sistemas de angariação de novos membros para as associações - que permite dotar as diversas organizações de um número indeterminado de efectivos -, a teia de influências criada nos diversos sectores da sociedade civil, se por um lado têm facultado às organizações criminosas formas de actuação cada vez mais diversificadas e céleres, têm vindo, na mesma proporção, a dificultar a actividade policial no combate às mesmas.
Assim sendo, o combate às sociedades secretas com esta tipologia requer, por parte das autoridades, capacidade de adaptação ao fenómeno, sendo que este se encontra em permanente mutação,exigindo assim um esforço suplementar por parte das diversas entidades policiais no sentido de, em conjunto, criarem não só estruturas adequadas, mas também,juntamente com o poder político,condições para a implementação, a médio prazo, de valores sociais que travem a expansão demográfica do universo deste tipo de associações.
A referida capacidade de adaptação encontra-se dependente de factores distintos, que só uma vez conjugados poderão conduzir aos êxitos que se pretendem obter neste âmbito.
Assim:
·Consciencialização da sociedade - Na sociedade actual foi criada, em torno da imagem do membro de seita e dos seus líderes, uma auréola de poder e quase impunidade, directamente associada ao poder económico e pessoal, muitas vezes utilizado de forma subversiva e ostensiva.
É essencial encontrar formas que levem à alteração destes valores, principalmente junto da juventude.
Contributo decisivo para esta alteração,no que às organizações policiais respeita,será a apresentação de resultados práticos na área da investigação, provocando assim o desmantelamento de determinados grupos e a detenção dos seus membros e líderes, explorando os seus sucessos nesta área através da mediatização do "fenómeno policial". Sabendo-se de antemão que este nunca constituiu preocupação primordial junto das instituições policiais, estou em crer que a mesma poderá futuramente tornar-se um contributo importante para a criação de uma mentalidade diferente junto das camadas mais jovens das comunidades chinesas.
Paralelamente, deverá constituir uma das principais preocupações das autoridades o rastreio de actividades indiciadoras do culto das associações secretas junto das camadas mais jovens.
·União de esforços - Actualmente, às autoridades policiais exige-se a apresentação de resultados num curto espaço de tempo, nomeadamente por parte da sociedade civil, a qual, perante o cenário actual da criminalidade, reclama elevados níveis de segurança no meio em que se encontra inserida.
Às autoridades policiais caberá a obrigação de desenvolver estruturas que,paralelamente às respostas imediatas, as quais são por inerência da sua responsabilidade, possam efectuar uma ponderada análise dos diversos fenómenos criminológicos que a rodeiam,com vista a uma compreensão das manifestações criminais mais consentânea com uma realidade globalizante do contexto criminal.
Obviamente, tratando-se de estruturas complexas e difíceis de circunscrever fisicamente, já que se dispersam por áreas geográficas distintas, e dentro da mesma área por diferentes países e regiões,também a análise do fenómeno, e consequentemente o seu combate com sucesso, só serão possíveis, a médio prazo,existindo uma cooperação efectiva entre as diversas autoridades policiais.
Esta cooperação, que se inicia com a criação de canais de troca de informação,terá por objectivo final a execução de acções conjuntas, ou simultâneas, capazes por si só de provocar o desmoronamento de estruturas operacionais ou de financiamento das organizações criminosas.
Este objectivo, difícil de atingir, pela complexidade de meios que envolve e pela sua evidente morosidade de execução, deverá no entanto pautar futuras acções policiais.
Finalmente, devemos estar conscientes de que o combate a este tipo de associações, é um combate permanente,uma vez que se tratam de organizações cuja tradição e enraizamento social, no extremo oriente, é secular, não se prevendo que possam vir a ser extintas (outras surgirão certamente), cabendo assim às entidades policiais exercer um controle efectivo das mesmas por forma a minorar tanto quanto possível o seu "poder" e o seu impacto nos índices de segurança das populações.
A importação de criminalidade, no que respeita a Macau, resulta muitas vezes num parco índice de eficácia, no que respeita à definição de autorias materiais de determinadas acções, no entanto a sua quase totalidade está definida em termos informativos no que respeita à sua autoria moral, continuando sempre a Polícia Judiciária a procurar recolher prova suficiente que permita processualmente desenvolver com êxito as suas investigações.
*Director da Policia Juduciària de Macau.
**Palestra apresentada na Universidade de Ciências Politicas e Jurídicas de Beijing, (Zhengfa), RPC,em 12 e 13 de Junho de 1999,com a presença de especialistas em crime organizado da Rússia, EUA, Japão, Hong Kong,RPC, Taiwan e Macau.