BREVE ANÁLISE DA CASUÍSTICA DO SERVIÇO DE MEDICINA LEGAL -1997

*Jorge Leitão Pereira **José Baptista Pereira

RESUMO


  Com base nas actividades do ano civil de 1997, os autores apresentam a casuística do Serviço de Medicina Legal do Centro Hospitalar Conde S. Januário, incidindo especificamente na área tanatológica das mortes de causa violenta. Nesse ano realizaram-se 161 autópsias, sendo 141 autópsias médico-legais e 20 autópsias anatomo-clínicas. Das autópsias médicolegais, 112 (79%) resultaram de morte violenta, de acordo com o diagnóstico médico-legal de suicídio (46.4%),acidente (28.6%) e homicídio (20.5%).

INTRODUÇÃO


  Segundo o enquadramento legal do Território de Macau, sob administração Portuguesa, os serviços médico-legais de apoio aos Tribunais, Forças de Segurança e outras instituições que deles necessitem são prestados pelo Serviço de Medicina Legal do Centro Hospitalar Conde S. Januário (artigo 25.º do Decreto-Lei 29/92/M de 8 de Junho). Toda a legislação posteriormente criada não altera esta situação e, pelo contrário, reforça a importância da participação deste serviço tanto nas áreas do Direito Penal como nas do Direito Civil e do Direito do Trabalho, nomeadamente na avaliação das incapacidades funcionais e do dano corporal de acidentes de viação e de trabalho.
  Ao longo dos últimos anos, as actividades principais do Serviço de Medicina Legal têm sido as seguintes:
  a) Execução dos exames de Clínica Médico-Legal.
  b) Execução dos exames tanatológicos (autópsias).
  c) Declarações/Audições nos Tribunais.
  d) Presença do perito médico nos locais onde ocorrem os factos ou onde os cadáveres sejam encontrados, por solicitação da Polícia Judiciária.
  e) Pareceres ou esclarecimentos da área médico-legal.
  f) Formação médico-legal dos médicos dos Serviços de Saúde de Macau, nomeadamente do Internato Complementar de Medicina Legal.
  g) Colaboração com diversas entidades no âmbito da formação em Medicina Legal, nomeadamente no Curso Superior de Magistratura, na Faculdade  de  Direito  da Universidade de Macau e na Escola de Polícia Judiciária.
  Estas tarefas têm sido desempenhadas pelos autores, peritos médicos dos Serviços de Saúde e do Território de Macau ao abrigo do Decreto-Lei 9/94/Mde 31 de Janeiro.


EXAMES DE CLÍNICA MÉDICO-LEGAL


  Os exames de Clínica Médico-Legal (exames no vivo) foram realizados em diferentes dias de semana, no período da tarde e nos próprios locais em que os processos estavam a ser instruídos e conduzidos: Polícia de Segurança Pública, Polícia Judiciária, Ministério Público,Tribunal de Competência Genérica Tribunal de Instrução Criminal. No ano de 1997, com a transferência do Tribunal de Instrução Criminal e parte dos serviços do Ministério Público para a área dos novos aterrosdo Porto Exterior (NAPE), resultou uma maior dispersão dos serviços médicolegais. Os exames passaram a ser executados todos os dias (uma tarde por semana para cada local), para além do apoio urgente que ? prestado quando solicitado. O Alto Comissariado Contra a Corrupção e a Ilegalidade Administrativa (ACCCIA) e a Polícia Marítima e Fiscal (PMF) solicitaram também exames médico-legais que foram realizados pontualmente e de acordo com as solicitações.
  No ano de 1997 realizaram-se 2187 exames de clínica médico-legal (Quadro I), representando uma ligeira diminuição em relação ao ano anterior. Esta diminuição poderá resultar da entrada em vigor dos novos Código Penal e Código de Processo Penal. Todavia, apesar de terem diminuído os exames médico-legais, a sua complexidade aumentou,exigindo mais tempo para a sua execução.


EXAMES TANATOLÓGICOS


  Os exames tanatológicos ou autópsias são habitualmente realizados no Serviço de Medicina Legal do Centro Hospitalar Conde S. Januário (CHCSJ). As autópsias anatomo-clínicas foram realizadas pêlos médicos especialistas do Serviço de Anatomia Patológica do mesmo Hospital. Todas as outras foram realizadas pelos dois peritos médicos do Serviço de Medicina Legal (SML), com a colaboração dos dois médicos internos do serviço em processo de formação.
  No ano de 1997, realizaram-se 161 autópsias, sendo 141 autópsias médicolegais e 20 autópsias anatomo-clínicas (Quadro II).
  De acordo com a legislação em vigor em Macau, "compete ao Corpo de Polícia de Segurança Pública e à Polícia Marítima e Fiscal, nas respectivas áreas de jurisdição, promover junto do Hospital Conde S. Januário, à remoção para a respectiva morgue dos restos mortais de cidadãos encontrados sem vida a) fora dos domicílios b) dentro dos domicílios, desde que exista suspeita de crime ou desconhecimento de causa de morte" (Decreto Lei 47/85/M de 15 de Junho). No entanto, o mesmo Decreto Lei refere, no ponto 3 do artigo 14.o, que tal remoção "só pode ser promovida depois de ter comparecido no local a autoridade da Polícia Judiciária".
  A maior parte dos óbitos que ocorrem nos domicílios, mesmo quando resultem de doença crónica ou terminal, não possui Certificado de Óbito. A autoridade policial que toma conta da ocorrência interpreta estes casos como "morte de causa desconhecida" e solicita a intervenção da Polícia Judiciária (Decreto Lei 47/85/M de 15 de Junho).Sem mais esclarecimentos, o Ministério Público ordenaria a autópsia médico-legal. Desde 1992 que o Serviço de Medicina Legal colabora com a Polícia Judiciária e com o Ministério Público na observação dos cadáveres nesta situação, de forma a efectuar o diagnóstico diferencial entre morte de causa natural e morte violenta, para além da emissão do necessário Certificado  de Óbito após análise dos dados clínicos disponíveis. A recolha destes elementos, associados à informação reunida pela Polícia Judiciária, permite que o Magistrado do Ministério Público disponha de mais dados que o ajudem na decisão de ordenar ou dispensar a autópsia médico-legal. Desta forma se evita a execução de alguns exames, juridicamente desnecessários, contrários às tradições culturais e religiosas da população chinesa.
  No ano de 1997, o Serviço movimentou 890 corpos, tendo sido ali certificados 384 óbitos e dispensados de autópsia pelo Ministério Público 223 (Quadro III).



MORTES POR CAUSA VIOLENTA


  Nem todos os corpos resultantes de morte violenta foram submetidos a autópsia. Alguns casos de suicídio e acidente (31) foram dispensados pelo Ministério Público,provavelmente por se haver considerado que o exame nada adiantaria para o esclarecimento do caso. Nestes últimos quatro anos, as mortes de causa violenta variaram entre 8.2 e 8.7% do total de óbitos do Território de Macau, com excepção do ano de 1996, em que essa percentagem foi somente de 5.5%. Na análise das mortes de causa violenta ou não natural (autopsiadas e dispensadas)destaca-se a dominância do número de suicídios durante os últimos dez anos (QUADRO IV).
  Ao longo dos últimos dez anos, o suicídio foi sempre de predomínio masculino (56.6% em 1997). No ano de 1997, e comparativamente a 1996,aumentaram os suicídios (27.6%), os homicídios (60%) e os acidentes não especificados (35.9%), tendo diminuído os casos fatais de acidentes de trabalho e de viação.
  No quadro V comparam-se os diferentes métodos utilizados nos casos de suicídio em que se realizaram autópsias, ao longo destes últimos anos. Verifica-se que o enforcamento e a precipitação se mantiveram nestes últimos dez anos como os dois modos de suicídio mais frequentes (79.6% do total de suicídios contabilizados nos dez anos).

CONCLUSÃO


  Nesta análise muito sumária da casuística do Serviço de Medicina Legal referente ao ano de 1997, e comparativamente aos anos anteriores, concluimos que haverá tendência para o aumento de mortes de causa violenta (suicídios, homicídios e acidentes), mesmo que a população não aumente ou tenha ligeiro acréscimo. Esta é uma tendência comum nas sociedades em mudança ou em desenvolvimento.Macau terá dificuldade em afastar-se da regra porque sofre a inevitável influência da crise económica asiática e da transição governativa, com as múltiplas repercussões sociais e económicas.
  É de se prever, também, que o número de exames de clínica médico-legal aumente, face a esta conjuntura, nos próximos dois anos.
  Justifica-se, portanto, a atribuição de maiores recursos (humanos e materiais)aos serviços médico-legais, principalmente no apoio do diagnóstico laboratorial em toxicologia.



  */** Peritos Médico-Legais Serviço de Medicina Legal Centro Hospitalar Conde S. Januário (S.S.M.).
  * Responsável do Serviço de Medicina Legal.