CONCORRÊNCIA DESLEAL

*Isabel Tomás


Introdução


  OInstituto da Concorrência Desleal implica um sistema económico baseado na livre empresa, mais concretamente uma economia de mercado.
  O liberalismo económico e a livre concorrência, sem entraves nem limitações, teve como consequência uma maior atenção e até mesmo intervenção dos poderes públicos. A progressiva intervenção destes poderes, no âmbito desta matéria, possibilitou o desenvolvimento dogmático jurispru-dencial e legislativo do Instituto da Concorrência Desleal.

A Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial


  AConvenção da União de Paris de 1883 não continha, na sua versão originária, qualquer disposição relativa à Concorrência Desleal. Somente na revisão de Bruxelas (1900) foi introduzido o art.º 10º bis, relativo à paridade de tratamento de todos os nacionais dos Estados unionistas na protecção contra a Concorrência Desleal.
  A Convenção da União de Paris foi publicada em Portugal, pelo Decreto n.º 22/75, de 22 de Janeiro, e entrou em vigor em 30 de Abril de 1975.
  A referida Convenção foi publicada na sua versão mais recente no Boletim Oficial de Macau, em 29 de Janeiro de 1986.
  Por força do art.º 1º desta Convenção, o objecto da propriedade industrial abrange, além dos direitos privativos, a repressão da Concorrência desleal.
  Assim, a regulamentação da proprie-dade industrial faz-se por duas vias:
  ž A primeira pela atribuição de certos direitos que permitam aos seus titulares utilizar exclusivamente, ou não, certas realidades imateriais: trata-se dos chamados direitos privativos da propriedade industrial.
  ž A segunda pela imposição legal de uma série de deveres recíprocos entre todos os agentes económicos que operam no mercado, cuja violação origina a Concorrência Desleal.
  Trata-se de regras que visam impedir todos e quaisquer actos contrários às normas e usos honestos das actividades económicas.
  Assim, nos termos da Convenção de Paris, cada Estado contratante deve assegurar uma protecção efectiva contra a Concorrência Desleal.

CÓDigo da Propriedade Industrial, de 24 de Agosto de 1940, contido no Decreto n.º 30679


  Logo no art.º 1º se verifica que este Código está de harmonia com o constante da segunda parte do art.º 1º da Convenção da União de Paris, que declara que a protecção da propriedade industrial tem por objecto os direitos privativos, bem como a repressão da Concorrência Desleal.
  Resultava deste art.º 1º que a propriedade industrial se resolvia na atribuição de direitos privativos e que, com tal atribuição, ela desempenharia a função social de garantir a lealdade da concorrência.
  Porém, a figura jurídica da Concorrência Desleal veio a ser disciplinada especificamente nos art.os 212º e 213º do mesmo Código, inscritos no título Delitos Contra a Propriedade Industrial. 
  O referido art.º 212º baseava-se nos princípios consagrados no art.º 10º, bis, da Convenção da União de Paris.
  Noutros preceitos do mesmo Código era ainda referida a Concorrência Desleal, nomeadamente no art.º 94º, n.º 4º, que considerava fundamento de recusa pelos serviços o reconhecimento de que o representante pretende fazer Concorrência Desleal ou de que esta é possível independentemente da sua intenção.
  O art.º 187º, n.º 4, do mesmo Código estabelecia igualmente como fundamento de recusa de patente, depósito ou registo pelos serviços o reconhecimento de que o requerente pretende fazer Concorrência Desleal ou que esta é possível independentemente da sua intenção.
  Nestes preceitos era dispensada a intenção de fazer Concorrência Desleal. O acto de concorrência era objectivamente demarcado.


Novo Código da Propriedade Industrial,publicado em Portugalatravés do Decreto-Lei n.º 16/95, de 24 de Janeiro de 1995, e publicado em Macau no Boletim Oficial n.º 36, de 4 de Setembro de 1995


  Onovo Código da propriedade industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/95, de 24 de Janeiro, e publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 36, de 4 de Setembro de 1995, veio revogar o anterior Código contido no decreto n.º 30679, de 24 de Agosto de 1940.
  No supracitado Código foi definida como ilícito criminal a figura jurídica da Concorrência Desleal.

Decreto-Lei n.º 56/95/M, publicado em Macau no Boletim Oficial n.º 45, de 6 de Novembro de 1995


  Oreferido diploma regula a protecção da marca conducente à atribuição de registo e protecção do direito ao sinal distintivo.
  A matéria de Concorrência Desleal é tratada no capítulo II - Delitos contra o direito à marca e proibição da Concorrência Desleal.
  No art.º 76º estabelece-se o princípio da violação do direito à marca, e no art.º 79º define-se a figura jurídica da Concorrência Desleal e inumeram-se alguns actos proibidos pelo mencionado diploma.
  Nos termos do art.º 260º do novo Código, é definida a disciplina da Concorrência Desleal já consagrada no Código, da Propriedade Industrial aprovado pelo Decreto n.º 30679 de 24 de Agosto de 1940, bem como no art.º 79º do D.L. n.º 56/95/M, de 6 de Novembro.

A ConcorrênciaDesleal e a violação dos direitosprivativos


  Acontrafacção ou imitação de marcas, invenções, modelos, nomes e insígnias pressupõe sempre e necessariamente a existência de um direito de exclusivo, atribuído ao seu titular pela concessão de registo ou patente sobre o objecto de tal direito.
  Pelo contrário, a proibição da Concorrência Desleal não pressupõe a existência de qualquer direito de exclusivo, nem tem por finalidade proteger a invenção, marca ou modelo em si próprios.
  Trata-se, antes, de um conjunto de regras com o fim de disciplinar a concorrência, proibindo actos praticados deslealmente entre concorrentes - sejam actos de confusão, actos de descrédito ou actos de desorganização.
  É claro que poderá verificar-se uma actuação que implique simultanea-mente a violação de um direito privativo e um delito de Concorrência Desleal.
  Esta distinção entre Concorrência Desleal e violação de direitos privativos já existia no Código de 1940, e mantém-se nos mesmos moldes no novo Código, bem como no D.L. n.º 56/95/M, de 6 de Novembro.
  Como atrás se verificou, existe uma correspondência entre os artigos 212º, do Código de 1940, e 260º do novo Código e o art.º 79º do D.L. n.º 56/95/M, de 6 de Novembro.

CONCLUSÃO


  Uma coisa é a defesa dos vários sinais distintivos de comércio, que constitui uma protecção específica, firme mas de certo modo circunscrita e limitada, contra as violações do exclusivismo, de defesa desses sinais conferido ao respectivo titular. Outra é a proibição da Concorrência Desleal, mais exigente nos seus requisitos, mas mais ampla na sua extensão, que desempenha, assim, a função de uma protecção complementar, acudindo aonde a primeira não chegue.
  Assim, a protecção dos sinais distintivos é obtida pela atribuição de um direito privativo e absoluto sobre eles, que proíbe a sua utilização por outrem, indepen-dentemente da possibilidade desta ocasionar um prejuízo.
  A disciplina da Concorrência Desleal que a legislação existente sobre propriedade industrial estabelece não tem por finalidade proteger a invenção, o modelo ou o sinal em si próprios, como direitos privativos do seu titular, mas sim disciplinar a concorrência, proibindo os actos susceptíveis de ocasionar um prejuízo pela confusão deslealmente estabelecida com os produtos, os serviços ou o crédito de um concorrente.

  *Chefe do Sector
  de Estruturas e Circuitos Comerciais
  da Direcção dos Serviços
  de Economia de Macau.
  
  Artigo 212º
  Actos de Concorrência Desleal
  (Decreto n.º 30679)
  
  Constitui Concorrência Desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica. São como tais expressamente proibidos:
  
  1.º Todos os actos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregado;
  
  2.º As falsas afirmações feitas no exercício do comércio ou da indústria, com o fim de desacreditar o estabelecimento, os produtos, os serviços ou a reputação dos concorrentes;
  
  3.º As invocações ou referências não autorizadas, feitas com o fim de beneficiar de crédito ou reputação de um nome, estabelecimento ou marca alheios;
  
  4.º As falsas indicações de crédito ou reputação próprios, respeitantes ao capital ou situação financeira do estabelecimento, à natureza ou extensão das suas actividades e negócios e à qualidade ou quantidade da clientela;
  
  5.º Os reclamos dolosos e as falsas descrições ou indicações sobre a natureza, qualidade e utilidade dos produtos ou mercadorias;
  
  6.º As falsas indicações de proveniência, de localidade, região ou território, de fábrica, oficina, propriedade ou estabelecimento, seja qual for o modo adoptado;
  
  7.º O uso de uma denominação de fantasia ou de origem, registadas fora das condições tradicionais, usuais e regulamentares;
  
  8.º A supressão, ocultação ou alteração, por parte do vendedor ou de qualquer intermediário, da denominação de origem dos produtos ou da marca registada do produtor ou fabricante em produtos destinados à venda e que não tenham sofrido modificação no seu acondicionamento;
  
  9.º A ilícita apropriação, utilização ou divulgação dos segredos da indústria ou comércio de outrem, se ao agente não couber maior responsabilidade pela aplicação do artigo 462.º do Código Penal.
  Artigo 260º
  Concorrência desleal
  (Decreto-Lei n.º16/95)
  
  Quem, com intenção de causar prejuízo a outrem ou de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo, praticar qualquer acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade, nomeadamente:
  
  a) Os actos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento, os produtos, os serviços ou crédito dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue;
  
  b) As falsas afirmações feitas no exercício do comércio ou da indústria com o fim de desacreditar o estabelecimento, os produtos, os serviços ou a reputação dos concorrentes;
  
  c) As invocações ou referências não autorizadas de um nome, estabelecimento ou marca alheios;
  
  d) As falsas indicações de crédito ou reputação próprios, respeitantes ao capital ou situação financeira do estabelecimento, à natureza ou extensão das suas actividades e negócios e à qualidade ou quantidade da clientela;
  
  e) Os reclamos dolosos e as falsas descrições ou indicações sobre a natureza, qualidade e utilidade dos produtos ou mercadorias;
  
  f) As falsas indicações de proveniência, de localidade, região ou território, de fábrica, oficina, propriedade ou estabelecimento, seja qual for o modo adoptado;
  
  g) O uso de uma denominação de fantasia ou de origem, registadas, fora das condições tradicionais, usuais ou regulamentares;
  
  h) A supressão, ocultação ou alteração, por parte do vendedor ou de qualquer intermediário, da denominação de origem dos produtos ou da marca registada do produtor ou fabricante em produtos destinados à venda e que não tenham sofrido modificação no seu acondicionamento;
  
  I) A ilícita apropriação, utilização ou divulgação dos segredos da indústria ou comércio de outrem;
  
  será punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.
  Artigo 79º
  Concorrência desleal
  (Decreto-Lei n.º56/95/M)
  
  1. Constitui Concorrência Desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e aos usos honestos de qualquer ramo de actividade económica.
  
  2. São nomeadamente proibidos:
  
  a) todos os actos susceptíveis de criar confusão com o estabelecimento, os produtos, os serviços ou o crédito dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue;
  
  b) as falsas afirmações feitas no exercício do comércio, da indústria ou dos serviços, com o fim de desacreditar o estabelecimento, os produtos, os serviços ou a reputação dos concorrentes;
  
  c) As inovações ou referências não autorizadas, feitas com o intuito de retirar beneficio próprio do crédito ou reputação de um nome de estabelecimento, marca, produto ou serviço alheios;
  
  d) As falsas indicações de crédito ou reputação de um estabelecimento ou do seu proprietário, em beneficio próprio, respeitantes ao seu capital ou à sua situação financeira, à natureza ou extensão das suas actividades e negócios e à qualidade e quantidade da sua clientela;
  
  e) os anúncios dolosos e as falsas descrições ou indicações sobre a natureza, qualidade e utilidade dos produtos ou serviços;
  
  f) as falsas indicações de proveniência, de localidade, de região ou Território, de fábrica, propriedade ou estabelecimento, seja qual for o modo porque forem efectuadas;
  
  g) a supressão, ocultação ou alteração, por parte do vendedor ou de qualquer intermediário, da denominação de origem dos produtos ou da marca registada do produtor ou fabricante em produtos destinados à venda e que não tenham sofrido modificação no seu acondicionamento;
  
  h) a ilícita apropriação, utilização ou divulgação dos segredos da indústria ou comércio de outrem.