DISCURSO DE SUA EXCELÊLÊNCIA OGOVERNADOR DE MACAU,GENERAL VASCO ROCHA VIEIRA,POR OCASIÃO DA TOMADA DE POSSE DO ALTO COMISSÁRIO CONTRA A CORRUPÇÃO E A ILEGALIDADE ADMINISTRATIVA

No quadro global das políticas desenvolvidas pela Administração de Macau, a luta contra a corrupção e a ilegalidade administrativa ocupa lugar de destaque e desempenha um papel fundamental.
Nas sociedades modernas, quaisquer que sejam os sistemas políticos, os processos de desenvolvimento económico e social têm vindo a ser acompanhados de um crescimento dos fenómenos da corrupção, designadamente nas administrações públicas e nas próprias estruturas do Estado. Esse preocupante mal social não podia naturalmente deixar de convocar, nos órgãos de governo próprio do Território, uma firme determinação institucional em lhe fazer frente, quer nas suas concretas manifestações lesivas dos interesses colectivos, quer nas suas causas sociais e comportamentais.
Como é sabido, a propagação da corrupção é apenas uma vertente de uma questão mais vasta, ligada ao fenómeno da criminalidade económica em geral, nas sociedades em que os processos de criação de riqueza se têm generalizado, assistindo-se simultaneamente a um progressivo isolamento do indivíduo, influenciado pelos mitos da sociedade de consumo, com os seus desejos sobrevalorizados e os meios de os satisfazer cada vez mais limitados.
Hoje, a corrupção representa um grave prejuízo e uma lesão efectiva do funcionamento das estruturas políticas e sociais, devendo ser combatida não apenas pela via repressivo-criminal, como também pela simplificação dos mecanismos e procedimentos que os poderes públicos impõem nas suas relações com os agentes económicos e sociais.
A corrupção combate-se através de uma qualificação dos agentes da Administração Pública, da modernização das tecnologias e da participação efectiva dos administrados no processo decisório. Exige-se, assim, uma Administração aberta, na qual o cidadão com legitimidade própria possa acompanhar os actos e decisões dos responsáveis.
Para se alcançar esse objectivo, cada vez mais se revela indispensável permitir a participação dos particulares no processo administrativo, nomeadamente na fase da tomada de decisões que lhe digam respeito, como forma acrescida de salvaguardar o exercício dos seus direitos, assegurando-lhe mecanismos de tutela alternativos aos resultantes do recurso aos tribunais.
Os órgãos de governo próprio do Território têm consciência de que a actual conjuntura de transição política é particularmente delicada, com inevitáveis incidências nos múltiplos fenómenos que integram a questão geral da criminalidade económica. Vivemos um período de algum receio e insegurança, os quais propiciam tentação de enriquecimento rápido e ilícito.
A solução deste problema demanda iniciativa, competência e firmeza. E não estamos, para o efeito, desarmados.
Contamos, desde logo, com legislação específica adequada. Das reformas legislativas que têm sido promovidas nesta área, não quero deixar de realçar duas que considero de extraordinária importância.
Em primeiro lugar, a entrada em vigor, em Março deste ano, do Código do Procedimento Administrativo. Com ele, tanto os cidadãos como os órgãos e funcionários da Administração passaram a dispor de um diploma onde se condensa o que de essencial têm de saber para pautar em a sua conduta por forma correcta e para conhecerem os seus direitos e deveres administrativos.
Em segundo lugar, a recente aprovação do Código Penal. Nele encontramos um capítulo autónomo sobre os crimes cometidos no exercício de funções públicas, o qual, aprofundando o tratamento penal da corrupção activa e passiva e agravando as molduras penais aplicáveis, constitui um instrumento jurídico moderno e adaptado às realidades locais.
E contamos, além disso, com os serviços do Alto Comissariado Contra a Corrupção e a Ilegalidade Administrativa, especificamente destinados a promover e coordenar acções de prevenção e repressão de actos de corrupção ou de fraude e a defesa dos direitos, liberdades, garantias e interesses legítimos das pessoas, assegurando a justiça, a legalidade e a eficiência da administração pública.
Desde a sua instalação, em finais de 1991, que me empenhei pessoalmente em dotar este órgão dos meios humanos e materiais de que carecia, com vista à cabal prossecução dos seus fins, prestando-lhe toda a colaboração institucional, num quadro de escrupuloso respeito pela independência recíproca e sem prejuízo, naturalmente, das competências próprias legalmente definidas.
O trabalho desenvolvido pelo Alto Comissariado tem sido também objecto de permanente acompanhamento pela Assembleia Legislativa, a qual apreciou recentemente um importante parecer da Comissão Eventual para a Revisão da Legislação Referente à Corrupção e aos Procedimentos Administrativos, no qual se faz uma aprofundada análise da situação político-institucional deste órgão. É natural que ele tenha de se adaptar, na sua estrutura orgânica e no acervo das suas atribuições, a um novo modelo que responda prioritariamente à luta contra a criminalidade económica, ajustando-se simultaneamente às soluções impostas pelo futuro enquadramento jurídico do Território. Mas a oportunidade dessa transformação e a ponderação dos poderes de que o novo organismo deve ser dotado é questão que cabe à Assembleia Legislativa deliberar.
Não posso também, nesta cerimónia, deixar de registar a forma como o anterior Alto Comissário, Sr. Conselheiro Aragão e Seia, exerceu as suas funções e se empenhou na valorização do Alto Comissariado. Sendo o primeiro titular do cargo, sentiu naturais e previsíveis dificuldades na sua actuação ao longo destes últimos quatro anos. Mas prestou uma contribuição positiva no combate à corrupção e à ilegalidade administrativa.
Senhor Alto Comissário Contra a Corrupção e a Ilegalidade Administrativa,
cabe a Vossa Excelência a tarefa árdua, mas estimulante, de dirigir o Alto Comissariado, trabalhando em prol da sua eficácia e autonomia, que é um pressuposto fundamental da sua missão objectiva e independente, com vista a garantir o Direito, a Justiça e a defesa da legalidade administrativa.
Termino com uma palavra de personalizada confiança. As qualidades que Vossa Excelência tem revelado como cidadão e como magistrado, a sua inteligência e a sua comprovada experiência na área da prevenção e investigação da criminalidade constituem aval seguro da dignidade, isenção e eficácia que, estou certo, irão qualificar a sua acção no exercício do alto cargo em que agora foi empossado. Nesse exercício, para o qual lhe desejo sinceras felicidades, pode contar, para a realização dos objectivos legalmente fixados, dentro do espírito de integral respeito pela independência das instituições, com todo o apoio, cooperação e solidariedade institucional do Governador e de toda a Administração do Território.