MAGISTRATURA JUDICIAL**
* Viriato Lima

1 - Foi-me proposto abordar os temas da carreira e formação da magistratura judicial em Macau.
Não deixarei de estabelecer um paralelismo com o sistema vigente em Portugal, não só porque actualmente todos os magistrados em serviço em Macau pertencem aos quadros das magistraturas portuguesas, como também, principal-mente, porque o figurino legal de Macau se baseou essencialmente no português.
Começarei por falar da carreira.
2 - Em Portugal, além do Tribunal Constitucional, existem tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, o Tribunal de Contas e os tribunais militares, podendo existir tribunais marítimos e arbitrais, (art.º 211º da Constituição da República Portuguesa - CRP).
Os juízes dos tribunais judiciais formam um corpo único, bem como os juízes dos tribunais administrativos e fiscais (art.º 77.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - ETAF -, aprovado pela Lei nº 129/84, de 27 de Abril).
Limitar-me-ei a falar da magistratura dos tribunais judiciais, em primeiro lugar porque funciona como paradigma, em segundo lugar porque, por enquanto, todos os juízes dos tribunais adminis-trativos e fiscais são oriundos da magistratura dos tribunais judiciais (cfr. o art.º 85.º do mencionado ETAF) e regem-se por um só estatuto (art.os 217.º, nº 1, da CRP e 1º, nº 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei nº 21/85, de 30 de Julho), o que implica uma especificidade estatutária face aos juízes dos restantes tribunais e a separação funcional e orgânica entre a magistratura judicial e a do Ministério Público (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., pág. 821).
O Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia (art.º 221.º, nº 2, da CRP). A magistratura do Ministério Público é paralela à magistratura judicial e dela independente (art.º 54.º, nº 1, da Lei Orgânica do Ministério Público, Lei nº 47/86, de 15 de Outubro).
No sistema português, nos tribunais judiciais, os magistrados judiciais integram três categorias: os juízes do Supremo Tribunal de Justiça, os juízes dos tribunais de relação e os juízes dos tribunais de 1ª instância.
Os juízes de direito, de 1ª instância, são nomeados depois de efectuarem um curso de formação no Centro de Estudos Judiciários - CEJ.
O provimento das vagas de juízes das relações faz-se por promoção, mediante concurso curricular, com prevalência do critério do mérito, exclusivamente, entre juízes de 1ª instância classificados com “Muito bom” ou “Bom com distinção” (art.os 46.º e 48.º da Lei nº 21/85).
O acesso ao Supremo Tribunal de Justiça faz-se mediante concurso curricular aberto a magistrados judiciais e do Ministério Público e outros juristas de mérito.
Porém, três em cada cinco vagas no Supremo são preenchidas por juízes da relação, uma em cada cinco vagas é preenchida por magistrados do Ministério Público (procuradores-gerais-adjuntos) e uma em cada cinco é preenchida por juristas de reconhecido mérito (art.os 50.º e 52.º, nº 2, da Lei nº 21/85).
3 - Ora, do que fica dito resulta que em Portugal:
- Os juízes dos tribunais judiciais formam um corpo único, separado e paralelo relativamente aos magis-trados do Ministério Público.
- Os juízes dos tribunais judiciais estão organizados numa carreira própria, que se inicia com o ingresso como juiz de direito, tem como segundo escalão a categoria dos juízes da relação e finda na categoria de juiz do Supremo Tribunal de Justiça.
Isto, embora, como é evidente, os juízes não tenham um direito subjectivo a ascender às categorias superiores, já que este acesso depende de comprovação de mérito.
- Os juízes de direito são nomeados depois de efectuarem um curso de formação no CEJ, a que têm acesso os licenciados em Direito.
4 - Vejamos, agora, como se passam as coisas em Macau.
O território de Macau dispõe de organização judiciária própria, dotada de autonomia (art.º 1º da Lei de Bases da Organização Judiciária de Macau - LBOJM - aprovada pela Lei nº 112/91, de 29 de Agosto).
A organização judiciária de Macau compreende tribunais de jurisdição comum e tribunais de jurisdição administrativa, fiscal, aduaneira e financeira, po-dendo ser cria-dos tribunais arbitrais (art.º 5º, nos 1 e 2 da LBOJM).
No território de Macau há tribunais de 1ª instância, o Tribunal de Contas e o Tribunal Superior de Justiça, funcionando este como tribunal de 2ª instân-cia e como tribunal de revista (art.º 6º, nos 1 e 2 da LBOJM).
Há tribunais de 1ª instância de jurisdição comum (o Tribunal de Competência Genérica e o Tribunal de Instrução Criminal) e um de jurisdição administrativa, fiscal, aduaneira e financeira, que é o Tribunal Admi-nistrativo (art.º 18º, nos 1, 2 e 3 do Decreto--Lei nº 17/92/M, de 2 de Março).
Por seu lado, o Tribunal Superior de Justiça tem competência em matéria de jurisdição comum e em matéria de jurisdição administrativa, fiscal e aduaneira (art.os 14º e 15º da LBOJM).
O Tribunal de Contas tem jurisdição no âmbito financeiro (art.º 10º da LBOJM).

5 - Dispõe o art.º 18º, nº 1, da LBOJM que “A magistratura dos tribunais de Macau compreende juízes e agentes do Ministério Público” (em sentido se-melhante, cfr. o art.º 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 55/92/M, de 18 de Agosto).
Existem as seguintes categorias de magistrados judiciais:
a) Juízes do Tribunal Superior de Justiça.
b) Juízes do Tribunal de Contas.
c) Juízes dos tribunais de 1ª instância (art.º 7º do Decreto-Lei nº 55/92/M).
O Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia (art.º 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 55/92/M.)
Examinemos, de seguida, os requisitos de provimento dos magistrados judiciais e dos magistrados do Ministério Público, os destes na estrita medida necessária à qualificação das relações funcionais e orgânicas das duas magistraturas.
Os cargos de juiz e de agente do Ministério Público podem ser providos, respectivamente, de entre juízes e magistrados do Ministério Público dos quadros da República, em regime de comissão (nº 3 do art.º 18.º da LBOJM).
Doravante, não se abordará esta forma de provimento específica - conquanto, neste momento, todos os magistrados de Macau pertençam aos quadros da República - já que se trata de provimento transitório, que caducará necessariamente em 20 de Dezembro de 1999, não relevando, portanto, para o tema da carreira da magistratura de Macau.
Podem ser nomeados para cargos de juiz e de agente do Ministério Público licenciados em Direito de reconhecida idoneidade cívica, residentes há, pelo menos, três anos no território e com conhecimentos de língua chi-nesa (nº 6º do art.º 18.º da LBOJM).
O art.º 23.º do Decreto-Lei nº 55/92/M veio estabelecer que o ingresso como juiz dos tribu-nais de 1ª instân-cia e como dele-gado do procu-rador depende da frequência, com aproveita-mento, de um estágio de for-mação.
O art.º 1º do Decreto-Lei nº 6/94/M estatuiu que, sem prejuízo do disposto no já mencionado nº 6 do art.º 18º da LBOJM, o ingresso nos quadros das magistraturas judicial e do Ministério Público dos tribunais de Macau depende da frequência, com aproveitamento, do estágio de formação a realizar no âmbito do Centro de Formação de Magistrados de Macau.
São requisitos de admissão ao estágio a licenciatura em Direito, reconhecida idoneidade cívica, residência há, pelo menos, três anos no território e conhecimentos de língua chinesa e portuguesa.
Quer isto dizer que a lei veio prever duas formas de provimento dos magistrados locais de 1ª instância: ou de entre licenciados em Direito de reconhecida idoneidade cívica, residentes há, pelo menos, três anos no território e com conhecimentos de língua chinesa ou de entre indivíduos com estes requisitos, mas que tenham frequentado com aproveitamento estágio de formação a realizar no âmbito do Centro de Formação de Magistrados de Macau.
A primeira forma de provimento estaria indicada enquanto não estivesse a funcionar o Centro de Formação de Magistrados de Macau, mas parece não fazer grande sentido depois de este estar a realizar estágios.
Constitui requisito de nomeação do presidente e juízes do Tribunal Superior de Justiça o exercício, pelo tempo mínimo de 15 anos, de profissão judiciária ou forense ou de docência universitária em Direito (art.º 20.º, nº 1, da LBOJM).
Para o Tribunal de Contas, a nomeação pode recair em licenciados em Direito, Economia, Finanças ou Organização e Gestão com, pelo menos, três anos de experiência no exercício de funções na Administração Pública, em cargos de direcção ou gestão em empresas públicas ou privadas ou como membros de conselhos fiscais ou de comissões de fiscalização (art.º 18.º, nº 5, da LBOJM).
6 - Comparemos, de seguida, os traços fundamentais das organizações judiciárias portuguesa e macaense, no que toca à magistratura judicial.
Na República, existe uma completa separação orgânica entre os tribunais judiciais, os tribunais administrativos e fiscais, o Tribunal Constitucional, o Tribunal de Contas e os tribunais militares. Por isso, tanto os juízes dos tribunais judiciais como os juízes dos tribunais administrativos e fiscais formam corpos únicos separados dos juízes dos restantes tribunais.
Esses dois corpos também estão separados entre si, constituindo carreiras distintas (embora a maior parte dos juízes dos tribunais administrativos e fiscais sejam juízes dos tribunais judiciais em comissão de serviço na magistratura dos tribunais judiciais, enquanto outros, embora originários desta magistratura, já não lhe pertencem, estando providos a título definitivo na magistratura dos tribunais administrativos e fiscais).
Em Macau não há qualquer separação orgânica entre os tribunais judiciais e os tribunais administrativos e fiscais.
Os tribunais judiciais, ditos de jurisdição comum, bem como o Tribunal Administrativo, têm como tribunal comum de 2ª instância e de revista o Tribunal Superior de Justiça. Por essa razão, em Macau não há, também, separação estatutária entre juízes dos tribunais de jurisdição comum e juízes dos tribunais administrativos e fiscais. Há, apenas:
- Juízes do Tribunal Superior de Justiça;
- Juízes do Tribunal de Contas;
- Juízes dos tribunais de 1ª instância.
Quer isto dizer que os juízes dos tribunais de 1ª instância tanto podem exercer funções nos tribunais de jurisdi-ção comum como no Tribunal Adminis-trativo.
7 - Como se sabe, a carreira é a possibilidade que o agente tem de percorrer sucessivamente, nos termos da lei, as diversas categorias constitutivas da hierarquia dos lugares da mesma natureza incluídos no mesmo quadro ou grupo, e efectiva-se por meio de promoção (Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 9ª ed., pp. 653 e 785).
A ideia básica do conceito de carreira é a de profissão caracterizada pela melhoria, pela ascensão gradual, daqueles que a exercem (João Alfaia, “Carreira”, Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. II, 1990, pág. 232).
Como se disse, em Portugal há, indiscutivelmente, uma carreira da magistratura dos tribunais judiciais (como há, também, uma carreira da magistratura dos tribunais administrativos e fiscais, que não examinámos em pormenor).
Em Macau, actualmente, não está legalmente consagrada uma carreira da magistratura judicial. Na verdade, o juiz que ingressa nos quadros da magistratura como juiz dos tribunais de 1ª instância, ainda que seja classificado com mérito, não tem garantido o acesso aos tribunais superiores.
Enquanto em Portugal só juízes de 1ª instância podem ascender aos tribunais de relação, e pelo menos três em cada cinco vagas do Supremo Tribunal de Justiça são preenchidas por juízes da relação, em Macau, teoricamente, podem ser nomeados juízes dos Tribunais Superior e de Contas exclusivamente pessoas fora dos quadros da magistratura judicial.
A progressão dos juízes de 1ª instância faz-se apenas dentro do seu quadro para efeitos remuneratórios, em função da sua antiguidade. Mas, nesta fase do processo de autonomia da organização judiciária de Macau, isso era inevitável.
Neste momento, não há ainda juízes locais de 1ª instância, pelo que não pareceria plausível que os jovens que vão ingressar agora no quadro tivessem a experiência e os conhecimentos necessários à judicatura em tribunais superiores a breve prazo.
Embora a Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau não garanta aos juízes dos tribunais inferiores o acesso aos tribunais superiores (o art.º 87º dispõe apenas que a escolha dos juízes dos tribunais das diferentes instâncias se baseia em critérios de qualificação profissional, e o art.º 88º estatui que os presidentes de todos os tribunais são nomeados de entre juízes), é da normalidade das coisas que, com o amadurecimento do sistema judiciário, se caminhe no sentido da institucionalização de uma carreira da magistratura judicial, dado que isso constitui uma característica das organizações judiciárias nos sistemas de Direito de tipo continental, como é o caso de Macau.
8 - Em Portugal, a existência de duas magistraturas paralelas e independentes, a judicial e a do Ministério Público, já vem de longe. Simplesmente, até à entrada em vigor da Lei Orgânica do Ministério Público, aprovada pela Lei nº 39/78, de 5 de Julho, o Ministério Público, nas categorias superiores, não tinha quadros próprios, sendo quase todos os magistrados juízes em comissão de serviço.
Até à entrada em fun-cionamento do CEJ, que ocorreu em 1981, a magis-tratura do Ministério Público era vestibular da magistratura judicial, caracterizando-se o regime pelos seguintes aspectos:
-O ingresso na ma-gistratura fazia-se pelo Ministério Público, na categoria de delegado do procurador da República.
- Aos concursos para juiz de direito eram obri-gatoriamente chamados os delegados do procurador da República mais antigos e com classificação mínima de “Bom”, podendo o Conselho Superior Judiciário excluir os que não pos-suíssem as condições para ser juiz.
-Os delegados chamados obrigato-riamente ao exame para juiz que não fossem admitidos, faltassem duas vezes ou reprovassem duas vezes teriam de sair da magistratura do Ministério Público, podendo ser providos em determinados lugares dependentes do Ministério da Justiça.
- Os cargos superiores da magistratura do Ministério Público (ajudantes do procurador-geral e ajudantes do procurador da República) eram providos, fundamentalmente, por juízes, em comissão de serviço (cfr. os art.os 233.º, 380.º e ss., 198.º e 226.º do Estatuto Judiciário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 44278, de 14 de Abril de 1962).
A partir do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei nº 85/77, e da Lei Orgânica do Ministério Público, aprovada pela Lei nº 39/78, de 5 de Julho, dá-se a separação orgânica completa das magistraturas judiciais e do Ministério Público, tendo esta passado a possuir quadros privativos e deixando de ser vestibular daquela, a partir da entrada em funcionamento do CEJ, em 1981.
Quer dizer, quem pretenda ser juiz de direito ingressa imediatamente na magistratura judicial, após curso de formação no CEJ. Todos os cargos da magistratura do Ministério Público são providos de entre os seus magistrados.
Actualmente, em Portugal, vêm algumas pessoas defendendo um sistema novo, que é o de um quadro único da magistratura (judicial e do Ministério Público), permitindo aos magistrados exercerem funções ora numa magis-tratura, ora na outra. É o sistema que vigora em Itália.

9 - Em Macau, as normas legais vigentes ainda não fornecem respostas completas tendentes à caracterização do sistema no que concerne às relações orgânicas entre a magistratura judicial e a do Ministério Público.
O Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia (art.os 23.º da LBOJM e 8º, nº 1, do Decreto-Leinº 55/92/M). Mas, ao contrário do que acontece no sistema jurídico português - em que se vinca que a magistratura do Ministério Público é paralela à magistratura judicial e dela independente (art.º 54.º, nº 1, da Lei Orgânica do Ministério Público, apro-vada pela Lei nº 47/86, de 15 de Outubro) e que os juízes dos tribunais judiciais constituem a magistratura judicial e formam um corpo único (art.os 217.º, nº 1, da CRP e 1º, nº 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais - as normas vigentes em Macau dispõem tão somente que “a magistratura dos tribunais de Macau compreende juízes e agentes do Ministério Públi-co” (art.º 18º, nº 1 da LBOJM. Em sentido semelhante, cfr. o nº 1 do art.º 2º do Decreto-Lei nº 55/92/M).
Apesar de o teor literal do preceito não ser decisivo, parece apontar--se para uma única magistratura.
Por outro lado, e antecipando noções que adiante melhor se explicitarão, o regime do estágio para ingresso refere-se às “magistraturas judicial e a do Ministério Público” (preâmbulo e art.º 1º do Decreto-Lei nº 6/94/M, de 24 de Janeiro), o que pode inculcar a previsão da existência de duas magistraturas.
Seja como for, este diploma legal prevê um estágio único, isto é, não prevê estágios pelo menos parcialmente diferenciados para as duas magistraturas, nem opção por uma das magistraturas antes do fim do estágio, como acontece em Portugal, o que pode indiciar uma preferência do legislador do Decreto-Lei nº 6/94/M pelo sistema de uma magistratura única, permitindo ao pequeno quadro local uma permea-bilidade entre a judicatura e o quadro do Ministério Público.
Suponho, no entanto, que o legislador terá de fazer uma opção, em breve, nesta matéria, de preferência antes de se iniciar o primeiro estágio para ingresso na magistratura, já que me parece que a formação dos estagiários só ganharia com tal definição prévia. É que, se no futuro existirem duas magistraturas organi-camente separadas, como é o caso da actual organização judiciária portuguesa, é da maior conveniência a formação parcialmente específica dos candidatos às magistraturas, pois a função de juiz é muito diversa da do magistrado do Ministério Público.
Se a opção for por um sistema semelhante ao italiano, então julgo que a formação se deverá orientar de outra maneira, por motivos óbvios.
10 - Por último, vou dedicar algumas palavras à formação de magistrados.
Novamente recorrerei ao exemplo português, para melhor entender o programa de Macau.
Em Portugal, a nomeação de juízes de direito, de 1ª instância, e de delegados do procurador da República depende da frequência de um curso de formação no CEJ.
Admitidos os candidatos, em regra, após prestação de provas, o período de formação compreende três fases sucessivas:
a) Um período de actividades teórico--práticas comum a todos os auditores judiciais, que decorre no CEJ entre 15 de Setembro e 15 de Julho seguinte.
No termo desta fase, são excluídos os candidatos com aproveitamento insuficiente e os auditores que ainda não tenham optado fazem a opção pela magistratura que preferem.
b) Um estágio de iniciação, que decorre nos tribunais entre 15 de Setembro e 15 de Julho seguinte, sob a direcção de um juiz ou de um magistrado do Ministério Público, consoante se trate de candidato à magistratura judicial ou do Ministério Público.
c) Um estágio de pré-afectação que decorre de 15 de Setembro a 31 de Maio seguinte, já como juízes de direito ou delegados do procurador da República, em regime de estágio, com responsabilidade própria, mas com a assistência de magistrados. (Cfr. o Decreto-Lei nº 374/A/79, de 10 de Setembro, alterado pelos Decretos-Lei nos 264-A/81, de 3 de Setembro; 146-A/84, de 9 de Maio; 144/85, de 8 de Maio; 404/88, de 9 de Novembro; 23/92, de 21 de Fevereiro, e 395/93, de 24 de Novembro).
11 - O modelo do legislador para Macau foi algo diverso.
Na mesma data - 24.1.94 - foram publicados dois diplomas, os Decretos-Lei nos 6/94/M e 7/94/M. O primeiro cria o Centro de Formação de Magistrados de Macau (CFMM) e estabelece o regime do estágio para ingresso nas magistraturas judicial e do Ministério Público. O segundo define o estatuto do cargo de auditor judicial.
Examinemos, em primeiro lugar, este último diploma.
O cargo de auditor judicial foi criado pela LBOJM, que apontou como requisitos de provimento reconhecida idoneidade cívica, formação jurídica ou, no caso do Tribunal de Contas, formação jurídica, económica ou financeira, e conhecimentos de língua chinesa (art.º 19.º, nos 1 e 2).
Os auditores exerceriam funções de coadjuvação e consulta junto dos juízes e agentes do Ministério Público e poderiam intervir na preparação dos processos e na fase de julgamento, estando-lhes vedada a prática de actos jurisdicionais (art.º 19.º, nos 4 e 5).
Segundo a LBOJM, a nomeação seria por um ano, renovável (art.º 19.º, nº 3 ).
O Decreto-Lei nº 7/94/M não desenvolveu significativamente este regime, mas precisou duas normas importantes:
- A primeira é a de que a nomeação só é renovável até duas vezes (art.º 4º, nº 3).
- A segunda é a de que o contigente de auditores judiciais a prover em cada ano é fixado tendo em conta informação sobre as necessidades decorrentes do preenchimento dos quadros das magistraturas dos tribunais de Macau (art.º 4º, nº 1).
Por seu turno, o Decreto-Lei nº 6/94/M, também de 24 de Janeiro, estabeleceu da seguinte forma o estágio para ingresso nas magis-traturas judicial e do Ministério Público:
- O estágio realiza-se no CFMM, sendo requisitos de admissão a licenciatura em Direito pela Universidade de Macau ou reconhecida no Território, reconhecida idoneidade cívica, residência no Território há, pelo menos, três anos e conhecimento das línguas portuguesa e chinesa (art.º 2º).
- O ingresso depende da aprovação em testes linguísticos e jurídicos (art.os 4º, nº 4 e 5º).
- O estágio tem a duração de 18 meses e compreende duas fases:
a)uma fase inicial, com a duração de 12 meses, de habilitação para o exercício de funções judiciárias;
b)uma fase complementar, com a duração de 6 meses, para adaptação ao exercício de funções (art.º 10º,nos 1 e 2).
- As duas fases têm vertentes teórica e prática, concretizando-se esta fundamentalmente nos tribunais (art.º 10.º, nº 3).
- O estágio pode comportar formação linguística (art.º 10.º, nº 4).
- O estagiário que tenha exercido as funções de auditor judicial beneficia de redução na duração da fase inicial, correspondente ao tempo daquele exercício, desde que nele tenha merecido informação positiva do Conselho Judiciário de Macau sobre a qualidade do serviço prestado (art.º 10º, nº 5).
- As actividades de estágio nos tribunais são realizadas sob a supervisão de um magistrado formador, podendo o estagiário coadjuvar o magistrado, colaborar na preparação de actos processuais e intervir em actos preparatórios do processo (art.º 11º).
- Findo o estágio, são excluídos os estagiários que não obtenham informação positiva de aprovei-tamento (art.º 12º, nº 2).
12 - É tempo de efectuar uma apreciação aos regimes descritos.
O cargo de auditor judicial em Macau não corresponde ao cargo com a mesma designação que existe em Portugal.
Na República, o auditor judicial é o candidato que frequenta o estágio de formação de magistrados no CEJ, durante as duas primeiras fases (período de actividades teórico-práticas e estágio de iniciação nos tribunais). Só na 3ª fase do estágio de formação de magistrados o auditor é nomeado juiz de direito ou delegado do procurador da República, em regime de estágio.
Em Macau, o cargo de auditor judicial não tem uma ligação necessária ao estágio para ingresso na magistratura. Isto é, pode exercer-se aquele cargo (durante o período máximo de três anos) sem se ser candidato ao mencionado estágio para ingresso na magistratura. E pode-se ingressar na magistratura sem se ter exercido as funções de auditor.
Contudo, também não é inteiramente exacto que o cargo de auditor judicial tenha uma vida própria independente do ingresso na magistratura. É que o cargo de auditor judicial é temporário, com a duração máxima de três anos.
Por outro lado, o estagiário que tenha exercido as funções de auditor judicial pode beneficiar de redução até 12 meses do tempo de estágio.
Como se disse, o contigente de auditores judiciais a prover em cada ano é fixado tendo em conta informação sobre as necessidades decorrentes do preen-chimento dos quadros das magistraturas.
De tudo isto, resulta claro que foi intenção do legislador, ao criar a figura do auditor judicial, colocar licenciados em Direito nos tribunais para irem tomando contacto com os processos e a realidade judiciária, de modo a que, aquando do estágio para ingresso na magistratura, já tivessem uma preparação mínima, que tornasse mais célere e profícuo o estágio.
Acresce que, face à transitoriedade do cargo, o exercício deste só pode interessar a quem pretenda ingressar na magis-tratura. Prova disso é o facto de a totalidade dos auditores do Território serem candidatos ao estágio para ingresso na magistratura, cujo concurso encerrou recentemente.
Todavia, a ser assim, parece que o interesse da figura do auditor judicial se esgotará com o início do estágio para ingresso na magistratura, pois não estou a vislumbrar quem possa ter interesse em ser auditor, quando tem acesso ao estágio para ingresso na magistratura, a menos que tenha reprovado nos testes de admissão ou não tenha podido, por uma razão pessoal ou por outra, ser candidato ao estágio.
Em minha opinião, a criação do cargo de auditor judicial teria feito maior sentido se os nomeados pudessem ter iniciado funções dois ou três anos antes do início do estágio para ingresso na magistratura. Tal como as coisas se passaram na prática, penso que teria sido mais proveitoso para a formação dos futuros magistrados que o estágio se tivesse iniciado logo em 1994, e sem se ter procedido à nomeação de auditores. Isto porque a formação no Centro de Formação de Magistrados pode e deve ser intensiva, o que não acontece com a iniciação dos auditores nos tribunais, cuja formação também não contém uma estrutura de coordenação. Ora, dado que o estágio tem a duração de 18 meses, período de tempo que, manifestamente, não é excessivo, mesmo que com formação intensiva, julgo que teria sido mais interessante ter tido os estagiários a frequentar o estágio logo em 1994.
13 - Importa, ainda, ressaltar que os candidatos admitidos frequentam o estágio de formação com o estatuto de estagiários, embora ainda não se trate de magistrados, ao contrário do que acontece em Portugal, onde, na 3ª fase do estágio de formação de magistrados, o candidato é nomeado juiz de direito ou delegado do procurador da República, em regime de estágio.
Em Macau, só findo o estágio os estagiários são colocados como magistrados.
Como se disse atrás, o estagiário que tenha exercido as funções de auditor judicial pode beneficiar de redução até 12 meses do tempo de estágio, corres-pondente ao tempo daquele exercício, desde que nele tenha merecido informação positiva do Conselho Judiciário de Macau.
Os auditores judiciais em exercício iniciaram funções, uns em 15 de Setembro de 1994 e outros em 19 de Dezembro de 1994. Se o primeiro estágio para ingresso na magistratura tiver início em 15 de Setembro de 1994, terá o seu termo, para o primeiro grupo de auditores, em 15 de Março de 1996, para os restantes auditores em 19 de Junho de 1996 e para os demais estagiários em 15 de Março de 1997.
Daqui parece resultar a necessidade de o estágio ser diferenciado para os três grupos de estagiários. Os responsáveis pedagógicos do Centro de Formação de Magistrados saberão, certamente, encontrar a solução adequada.
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*Presidente do Tribunal de Competência Genérica de Macau.
**Comunicação apresentada no Seminário sobre Formação e Carreiras Jurídicas, Universidade de Macau, 1995.