CONTRAFACÇÃO E FALSIFICAÇÃO
F.Henrique dos Santos

INTRODUÇÃO
Os documentos desempenham um papel importante nas nossas vidas, desde a certidão de nascimento à certidão de óbito, no entanto, até mesmo estas são muitas vezes alvo de suspeição.
Nenhum outro instrumento da prática de crimes é tão prevalecente na nossa sociedade como o documento. Os crimes com armas, bombas, e outros crimes violentos ocupam os media com fre-quência, contudo, os crimes cometidos com documentos envolvem todos os anos somas astronómicas, e têm grande impacto na economia de cada país.
Cheques sem cobertura, desfalques, desvios de fundos públicos, fraudes nos inventários, fraudes fiscais, são alguns exemplos possíveis de crimes com documentos.
Compreende-se, assim, que a demanda de técnicos habilitados para a análise de documentos tenha vindo a aumentar a par e passo com a importância e a diversidade dos documentos que o próprio desenvol-vimento da sociedade exige.
A profissão de perito de documentos suspeitos é um tanto singular, se comparada com as outras disciplinas do campo geral das ciências forenses. Este perito é simultaneamente especialista e generalista. Especialista porque o seu conhecimento deve ser específico e generalista porque os desenvolvimentos tecnológicos no domínio da produção e impressão de documentos têm aumen-tado de maneira espectacular nos últimos anos, exigindo dele conhecimentos de técnicas que estão muito para além do exame ao grafismo aposto num qualquer papel.
Como o laboratório de criminalística é, antes de mais nada, científico, apenas se preocupa em estabelecer a materia-lidade da falsificação, sem nunca intervir na autenticação, uma vez que essa depende de outras profissões e de outros métodos.
Cabe aqui estabelecer tecnicamente uma distinção entre duas espécies de falsificações: a falsificação propriamente dita e a contrafacção ou contrafeição.
A primeira é um documento parcialmente falso, em que a falsificação está nos pormenores, em acrescentos, eliminações e substituições de palavras e/ou números, mas cuja base (papel, cartão, plástico, etc.) é autêntica. Na contrafacção, pelo contrário, trata-se de uma falsificação total, que abrange o grafismo do documento, incluindo a base ou suporte.
O estudo de um documento falsifi-cado consistirá na identificação do processo utilizado e, a seguir, no exame da sua ou das suas matérias – por exemplo, quando se trata de um documento, a tinta (da caneta de aparo, de ponta de feltro, de esferográfica ou do carbono da fita da máquina de escrever) e o papel.
Empreender uma classificação sistemática dos documentos falsificados é extremamente difícil. As falsificações de documentos podem ser manuscritas, dactilografadas ou impressas, mas é frequente serem mistas: dactilografadas e manuscritas, impressas e dactilogra-fadas e, por vezes, também fotografadas ou, mais geralmente, reprográficas.
A par destes documentos falsificados situam-se as falsificações fiduciárias, que compreendem as moedas, as notas de banco, os cheques e os títulos. Os selos de correio estão situados entre as falsificações artísticas, pois na maior parte dos casos trata-se de selos de valor numismático e não de valor fiduciário.
Quanto às falsificações propriamente artísticas, poderíamos apresentar um extenso catálogo, no qual figurariam os quadros (pinturas ou desenhos), os móveis, os tapetes, as cerâmicas, as antiguidades de todos os géneros, etc.
Nos documentos escritos é preciso estabelecer a diferença entre fasificações por acrescento, por eliminação e por subsitutição, sendo esta última uma combinação da eliminação e do acrescento.
As eliminações reduzem-se a três grandes sistemas: lavagem (produtos químicos), apagamento (com borracha de lápis ou de tinta) e rasura (raspador, lâmina). Nas eliminações por lavagem, os processos e os reagentes mais utili-zados são produtos comerciais (asso-ciação de permanganato de potássio e de bissulfito de sódio), com ou sem acção ulterior de ácido, e, quando se trata de tinta de esferográfia e não de caneta de aparo, o álcool, a acetona, e até mesmo o tricloroetileno.
Em qualquer dos casos, os reagentes químicos atacam o papel e, depois de evaporados, deixam uma ligeira fluorescência na zona onde foram aplicados. Esta propriedade pode ser verificada com radiação ultravioleta; com radiação nos infravermelhos pode observar-se luminescência.
Casos há em que se verifica a lavagem total do documento, com a intenção de obter o suporte em branco para se proceder depois ao seu preenchimento fraudulento. Nestes casos é por vezes útil medir a condutividade eléctrica do papel.
Na eliminação fisica (com borracha ou lâmina), não se verifica a existência de qualquer fluorescência, pois é apenas um processo mecânico, no entanto, por muito ligeira que seja a acção abrasiva sobre o papel, ficam levantadas algumas fibras de celulose (substância principal de que é feito o papel); neste caso, basta iluminar a superfície suspeita com luz rasante (a 180º) para ver a região modificada. Também se podem detectar as rasuras por acção abrasiva através de iluminação em contraluz: a região apagada, mais fina, é mais transparente e contrasta com a área circundante.
Os acrescentos podem ser efectuados de três maneiras: por emenda, por acrescentamento ou por transferência. A emenda pode ser posta em evidência por procedimentos ópticos ou mesmo químicos. Este últimos, no entanto, dado que inutilizam o suporte, só raramente se adoptam.
Os procedimentos ópticos utilizam as radiações ultravioleta e infravermelha e, mais recentemente, o laser. Existem aparelhos complexos que produzem uma vasta gama de radiações com a utilização simultânea de filtros, como é o caso do comparador vídeo espectral. As zonas suspeitas são depois observadas num monitor de vídeo.
O acrescentamento é uma adição pura e simples, sem emenda nem trans-ferência (menções à margem, modifi-cações de datas ou de importâncias, abuso de papéis assinados em branco). Neste caso, resume-se tudo a um exame da tinta original por contraste com a utilizada nos acrescentos.
Há dois tipos de tintas para escrever: as tintas fluidas e as tintas pastosas. As primeiras são constituídas por soluções (mais raramente por suspensões) aquosas de substâncias coradas e por uma goma que lhes permite fixarem-se no papel. As mais modernas são constituídas por um ácido gordo e um solvente, a que se junta um engrossador. As tintas pastosas modernas são constituídas por álcoois gordos, um corante e um plastificante.
Para se saber se uma tinta é ou não igual a outra, não bastam os métodos físicos. A análise química é de facto a única maneira de chegar a uma conclu-são com valor probatório. Num passado recente, eram precisas grandes quanti-dades de tinta de um documento para se proceder à análise química, o que se tornava praticamente impossível, pois acarretava a destruição do documento. Hoje, com as novas técnicas de microes-pectrometria, nomeadamente os infra-vermelhos por transformadas de Fourier, são necessárias quantidades tão peque-nas que a sua remoção não é visível a olho nu. A técnica ATR permite mesmo a análise da tinta no próprio documento sem necessidade da sua remoção.
A par dessas falsificações por acres-centamento ou por emenda também existem, embora sejam mais raras, falsificações por transferência, que consistem em decalques, sem ou com papel químico.
As falsificações dactilografadas e, por extensão, as impressas por impressoras de computadores apresentam com muita frequência o problema da iden-tificação da máquina de escrever ou do computador, feita por si mesma ou por comparação.
A electrónica deu origem a uma imensidão de técnicas de impressão, das quais podemos distinguir as seguintes:
– Impressão por impacto com carac-teres pré-formados, nas antigas máqui-nas de escrever, e de cabeça rotativa e de margarida, nas máquinas eléctricas modernas.
– Impressão por impacto matricial, ou de agulhas (9 ou 24, mais vulgarmente). Aqui, os caracteres não têm forma própria, sendo constituídos por pontos dispostos de modo a formar letras ou números. Este sistema é vulgar em impressoras de computadores.


Fig.2 - Impressão por impacto matricial.
– Impressão sem impacto. A impressão é produzida por acção térmica de um toner ou por um jacto de tinta (ink jet), processos utilizados nas modernas impressoras de computador, e, mais recentemente ainda, por laser.
As falsificações com máquinas de escrever são mais difíceis de disfarçar do que as levadas a efeito através da escrita manual. Aparecem problemas de alinhamento, espaçamento irregular e, quando a falsificação não é feita com máquina de igual modelo, diferenças no tipo impresso.
As falsificações fiduciárias dizem respeito à falsificação de moeda, metal ou papel, e ainda de títulos da dívida pública e de qualquer outro instrumento que sirva como meio de pagamento e que esteja, como tal, legalizado.
Falsificar toma aqui o significado de alterar, transformar, imitar ou reproduzir fraudulentamente. A fabricação tem aqui o mesmo valor da contrafacção, já atrás explicada.
A fabricação de moeda metálica é feita geralmente por moldagem e por cunhagem. A identificação da moedametal falsa baseia-se, à partida, nas características, particulares ou lesões que pode apresentar a matriz (cunha-gem) ou o molde (moldagem), indepen-dentemente da liga utilizada nessas operações, e que interessa conhecer também, para saber se se trata de um tipo concentrado ou disperso de falsificadores de moeda. Se a análise espectrométrica revelar as mesmas impurezas, e nas mesmas proporções, em relação ao conjunto da composição das ligas, é porque têm uma origem comum.
A contrafacção ou fabricação de papel-moeda é extremamente laboriosa; uma imitação completa compõe-se de três fases de fabrico absolutamente distintas: em primeiro lugar, a feitura das chapas fotográficas, que necessita de uma selecção de cores através de operações fotográficas e de desenhos complementares; em seguida, a preparação de placas de impressão, isto é, de cópias em metal, consoante o processo (em liso ou offset, em côncavo ou talhe doce) e, por fim, a impressão em papel com tintas apropriadas.
Seja qual for o processo de fabricação, uma reprodução fotomecânica repro-duzirá integralmente todos os porme-nores típicos desses desenhos iniciais, sucessivamente sobre as placas de impressão e sobre a própria impressão em papel; por conseguinte, se forem encontradas placas de impressão que tenham as mesmas singularidades que as próprias impressões (a mesma forma geral no pormenor do desenho com os mesmos defeitos, por exemplo, o desaparecimento de traços ou a presença de pontos), será possível estabelecer a fonte da tiragem de uma falsificação.
Na prática, essas características singulares detectam-se por meio de um falsiscópio, grelha transparente que permite localizar, através de um sistema coordenado de letras e de algarismos, um ponto preciso previamente assinalado.
As notas falsificadas exigem uma grande quantidade de exames, além da simples detecção das suas caracterís-ticas; é assim que pode ter de se estudar o papel que serviu para o estabele-cimento dessas falsificações e também a tinta ou tintas usadas na impressão dos desenhos e caracteres.
Na constituição do papel entram fibras de celulose provenientes de plantas, quer de árvores frondosas, quer simplesmente de ervas, como é o caso do papel de palha de arroz. Estas fibras são, na realidade, células com características específicas, que permitem em certos casos detectar a sua natureza.
As principais operações levadas a cabo no fabrico do papel são as seguintes:
– transformação da madeira numa pasta de fibras;
– armazenamento e afinamento da pasta de papel;
– formação da faixa contínua de papel;
– modificação da faixa de papel.
A primeira operação consiste na libertação das fibras dos fragmentos da madeira triturada ou do papel reciclado, por eliminação da cola que as une. No caso das aparas de madeira, essa cola natural chama-se lenhina. No caso do papel reciclado, é necessário remover as colas sintéticas, as tintas e outros químicos utilizados na sua manufactura origina. Libertadas as fibras, procede-se a uma lixiviação e a sucessivas lavagens, realizando-se em seguida o armaze-namento.
Na operação de armazenamento misturam-se todos os materiais neces-sários ao fabrico do papel bruto. As fibras são refinadas para se obter um tamanho uniforme e aumentar o número de grupos hidroxilo por fibra. Estes afinamentos incrementam a robustez do papel acabado, devido a um maior número de ligações hidrogénio entre as fibras. As fibras são então diluídas com água e alguns químicos num tanque espalhador, que procede ao débito contínuo num tapete rolante em malha onde grande percentagem dos líquidos é removida, permanecendo apenas a pasta de partículas sólidas que constitui a faixa de papel em bruto. No final deste tapete rolante estão as calandras para compactar, secar e modificar o papel em bruto.
A modificação do papel bruto consiste na adição de um certo número de substâncias químicas para imprimir as propriedades pretendidas ao produto acabado. Algumas das mais desejáveis são a resistência à água, a opacidade e uma boa tintagem. O conjunto dessas substâncias que propiciam as pro-priedades referidas designa-se por aprestos. Estes podem ser adicionados durante a formação da faixa contínua de papel (aprestos internos), ou depois da modificação, a seguir às calandras (aprestos de superfície).
Os aprestos internos são o amido, a cola animal, as gomas vegetais, a mela-nina e o aldeído fórmico. Os aprestos de superfície são geralmente o amido, o álcool de polivinilo, gomas e ceras.
Outro grupo importante de aprestos são as cargas minerais e pigmentos como o caulino, o dióxido de titânio e o carbonato de cálcio, que propiciam a opacidade e boas características de tintagem.

Fig.3 - EFRXDE dos aprestos do papel de Bilhete de Identidade de Cidadão Nacional, genuíno.
PAPEL-MOEDA
Os desenhos e cores que adornam a quase totalidade das notas impressas através de métodos off-set (sem relevo) ou talhe doce (com relevo) são algo mais do que simples ornamentos embelezadores. A sua finalidade principal é uma das mais importantes defesas que as empresas especializadas e legalmente em activi-dade conseguiram encontrar para difi-cultar a acção dos falsificadores.
Se observarmos atentamente, com o auxílio de uma lente, os desenhos e cores que constituem qualquer nota genuína, constataremos que, para além da criati-vidade e beleza que os artistas inter-venientes conseguem transmitir para o papel, existe a intenção primordial de complicar ao máximo os desenhos ornamentais, a fim de impedir a sua falsificação.
Figuras humanas, desenhos geomé-tricos, florões, entrançados, teias e um nunca acabar de temas, tudo isto é executado como se fosse feito por uma só linha, que faz todo o percurso do desenho sem se interromper, e com microespaços entre as linhas por vezes de tal forma diminutos que à vista desarmada parecem confundir-se.
É sobretudo nas figuras humanas que estes detalhes são mais evidentes. Enquanto nas notas genuínas o olhar é bem nítido, como que real, nas falsas não tem expressão, não tem vida, pois basta uma pequena falha na reprodução para alterar a profundidade exigida numa nota verdadeira.
Também as cores são cuidadosamente estudadas na sua tonalidade e com-binações a fim de tornar difícil a separação fotográfica, que na maior parte dos casos representa a fase inicial e mais delicada do processo de falsifi-cação. As cores reproduzidas para a nota, quando diferentes, estão encos-tadas umas às outras sem se confundirem e sem solução de continuidade. Por outras palavras, uma linha muda de cor no seu trajecto sem que sofra a mínima interrupção. Se a nota for imitada, como normalmente acontece, com máquinas que reproduzem por chapa em fases sucessivas, uma cor de cada vez, essa continuidade das linhas não pode ser obtida, verificando-se, sim, o empas-telamento ou até saltos nos pontos em que se devia dar a junção das diversas cores.

Fig.4 - EFRXDE dos aprestos do papel do Bilhete de Identidade de Cidadão Nacional, contrafeito.
A impressão consiste na transposição para o papel do desenho escolhido, e faz--se em diversas fases. Antes de se dar início à impressão há que conceber a nota, o seu desenho, as suas cores, os seus mais ínfimos pormenores. Uma vez definido o aspecto final da nota, começam a produzir-se as matrizes.
Como processo de impressão, pode ser adoptado o off-set ou o talhe doce ou, como está actualmente generalizado em todo o mundo, os dois processos em simultâneo. Neste último caso, são criadas duas matrizes, uma para cada processo. O off-set consiste na trans-ferência da matriz (neste caso plana), através dum cilindro de borracha, para o papel. Este processo é usado para o fundo de segurança da nota, isto é, os seus detalhes menores, as suas nuances de cor. As cores são separadas de tal modo que não se misturem nem apare-çam entre elas espaços vazios (registo perfeito).
No talhe doce a matriz não é plana, mas em escavado. Este é obtido através da gravação a buril, numa placa de aço macio, em negativo, da parte da nota que aparecerá em relevo. A tinta irá prencher o escavado e, ao ser transposta para o papel, ficará no mesmo depositada com o alto relevo pretendido.
Passando os dedos sobre uma nota impressa por este processo, o relevo é perfeitamente perceptível, o que não acontece nas notas falsas. Conhecendo a localização da impressão a talhe doce nas notas genuínas, aumenta conside-ravelmente a possibilidade de detectar as falsificações. A ajuda dos dedos, ou das unhas, será nestes casos precioso auxiliar para sabermos se a nota é genuína ou não.
Na elaboração das matrizes que entram neste processo intervêm gravadores altamente qualificados e com longos anos de experiência.
Para além dos dois processos de impressão citados, existe um comple-mentar, o tipográfico. É usado na última fase da feitura da nota para a impressão dos números e letras, das chapas, datas e chancelas.
As tintas usadas na impressão são de alta qualidade para que, por força do uso da nota, não quebrem nem descolorem. São produzidas exclusivamente para a fabricação de notas e a sua composição, como é óbvio, é um segredo religio-samente guardado pelas Casas da Moeda.
É através da observação e análise da impressão que se detecta a maior parte das falsificações.
As marcas de água são figuras ou símbolos introduzidos no próprio papel aquando da sua fabricação. Têm contornos bem definidos e são visíveis à transparência, sendo dos pormenores da nota mais difíceis de imitar. Nas falsas apresentam um aspecto grosseiro e são feitas (imitadas) normalmente pela impressão no verso da nota, com uma tinta branca que dá a ilusão de auten-ticidade. Existem outros processos para tentar imitar a marca de água, mas o que citámos é o mais vulgar. De qualquer modo, a imitação não resiste a uma observação atenta à transparência ou, em última análise, à comparação com uma marca de água genuína.
Muitas notas apresentam também um outro elemento de segurança, designado por filete transversal, que é um fio metálico ou metalizado introduzido verticalmente no papel da nota na altura da fabricação. Poderá ser contínuo ou interrompido. É destacável do papel em que está inserido, modernamente com dificuldade em relação a um passado recente, e muitas vezes perceptível pelo tacto. É também bastante difícil de imitar. Nas falsificações conhecidas, pretende-se criar a ilusão da sua existência desenhando numa das faces da nota um risco contínuo ou descontínuo, conforme os casos.
As notas americanas, por exemplo, a partir de 1990, passaram a exibir este tipo de segurança, para além de uma linha microimpressa à volta da efigie, na face da nota.
Algumas notas apresentam também outro elemento de segurança designado por fibras. São incorporadas no papel na altura da fabricação. Podem ser visíveis à vista desarmada (caso dos dólares dos Estados Unidos) ou só detectáveis através da incidência de raios ultra-violetas, por serem fluorescentes (nos marcos alemães, nos florins, nas patacas, etc.). Nalgumas notas, por exemplo nos dólares canadianos, re-vestem o aspecto de pequenos círculos coloridos, visíveis tanto através dos raios ultravioletas como à vista desarmada.
Nas falsificações procura-se imitar estas fibras desenhando-as ou impri-mindo-as sobre o papel.

Fig.5 - Efígie de nota de dólar americano, contrafeita.

Fig.6 - Efígie de nota de dólar americano, genuína.

Fig.7 - Linha microgravada em nota de dólar americano, depois de 1990.
CARTÕES DE CRÉDITO
Também designados na gíria por “dinheiro de plástico”, têm conhecido nos últimos anos uma vaga enorme de contrafacções, que conduziram à perda de elevados montantes por parte das indústrias envolvidas no seu fabrico e exploração.
A nível mundial, as perdas com cartões contrafeitos atingiram as seguintes somas em dólares americanos:
$ 15 milhões em 1981;
$ 50 milhões em 1982;
$ 100 milhões em 1983.
A análise pericial de cartões de crédito exige, como a de qualquer outro docu-mento, o acesso a um espécime para efeitos de comparação. No entanto, neste caso, dada a dificuldade da matéria, o espécime não é suficiente. É necessário também examinar o gravador de relevos usado na preparação dos cartões e a impressora calcadora utilizada para imprimir as facturas com os dados dos cartões contrafeitos em estudo.
A emissão fraudulenta de cartões de crédito pressupõe a utilização do seguinte material, cuja existência estreme, ou em combinação, pode levar a resolver um caso em investigação:
1 - cartão de crédito:
a) genuíno e legitimamente emi-tido (espécime);
b) alterado, plástico branco de cartão de crédito, contrafeito, cartão em branco roubado;
2 - equipamento de gravação em relevo, utilizado para a gravação de números e/ou letras nos cartões;
3 - impressora calcadora do estabe-lecimento comercial utilizada com o cartão para passar a factura das compras efectuadas ilegalmente;
4 - rede em seda (screen) para impressão;
5 - equipamento fotomecânico (offset);
6 - equipamento para aposição térmica da lista magnética do código;
7 - equipamento electrónico para leitura dos códigos das fitas magnéticas dos cartões;
8 - listas de números de contas autênticas utilizadas na alteração ou contrafacção de cartões de crédito.
Todos os peritos envolvidos na investigação de cartões de crédito fraudulentos devem ter em conta que há três tipos de cartões que devem ser recuperados:
1 - Cartão alterado - trata-se de um cartão de crédito genuíno que, perdido ou roubado, foi depois refabricado e gravado com outro número de conta, outro nome do utente, data de validade e outras informações diferentes das originais.
2 - Cartão contrafeito - consiste num cartão de crédito que foi impresso, gravado e codificado para ser pressu-postamente válido, mas que não o é na realidade porque não foi emitido por uma entidade autorizada para o seu fabrico, embora exiba um número de conta e nome de utente reais.
3 - Cartão em plástico branco-trata-se de um pedaço de plástico branco com as mesmas dimensões dum cartão de crédito, gravado com dados pertencentes a um qualquer utente real, que é utilizado para passar facturas de vendas a crédito e apresentadas para pagamento por um “comerciante conivente”, como se se tratasse de uma transacção normal.
Os cartões de crédito obedecem a certas especificações requeridas pelos emissores autorizados. Estas especi-ficações devem fazer parte dos ficheiros dos peritos normais que se debruçam sobre este tipo de falsificações.
Geralmente, existem dois tamanhos de cartões de crédito, o CR 80 e o CR 50.
O CR 80 (Amex e os da generalidade dos Bancos) mede 8,57 x 5,40 cm e o CR 50 (cartões de venda a retalho, companhias de gasolina, etc.) mede 8,89 x 4,38 cm.
A espessura normal dos cartões de crédito é de 0,8 mm. O tipo de letra utilizado na gravação em relevo é o Farrington 7B. Os cartões Visa usam números de conta com 13 a 16 dígitos, a MasterCard usa 16 dígitos e o AMEX 15 dígitos.
Um cartão de crédito é constituído, na generalidade dos casos, por três cama-das de plástico de PVC (cloreto de polivinilo). O núcleo, a camada mais espessa e central, consiste em PVC rígido dopado com óxido de titânio para apresentar a cor branca opaca. Toda a parte gráfica de decoração, com o logo da companhia emissora, é impressa neste núcleo em folhas grandes que, depois de cortadas, dão 72 a 80 cartões por folha. A espessura desta camada central é de 0,5 a 0,6 mm.
O núcleo, depois de impresso, é co-berto de ambos os lados por uma camada de PVC transparente e fina com 0,1 mm de espessura, com a finalidade de prote-ger o grafismo impresso do uso e da sujidade. Este procedimento está regu-lamentado pela indústria de cartões de crédito que adoptou as normas do American National Standard Institute (ANSI).
Finalmente, o cartão é gravado em relevo com os elementos de identificação do utente e o código da conta.
CHEQUES E OUTROS TÍTULOS DE CRÉDITO
São títulos de crédito, além dos cheques bancários, as acções das sociedades anónimas, as letras, as próprias notas de banco, etc. As letras são títulos à ordem, isto é, que se transmitem por meio de uma declaração feita no verso, chamada endosso.
Nestes documentos, as alterações podem dar-se na forma ou no conteúdo. No primeiro caso estamos perante uma contrafacção, que envolve geralmente a impressão não autorizada, por tipografia oficial ou clandestina, do suporte do documento. Nada distingue, em alguns destes documentos, o impresso con-trafeito do oficial. No que toca ao conteúdo, a suspeição recai em regra no seu preenchimento, selos brancos e assinaturas. Por vezes, dão origem a elaboradas análises de comparação de escrita manual.
Nos cheques, há a considerar o caso dos passados pelos titulares de contas bancárias e os chamados cheques de viagem, utilizados em pagamentos nas deslocações internacionais. No pri-meiro caso, raramente se questiona o suporte do documento, mas sim rasuras no montante expresso em números e por extenso e, mais importante ainda, na assinatura aposta no documento. A resolução destes casos envolve habi-tualmente a comparação da assinatura com autógrafos recolhidos junto dos suspeitos.
Os cheques de viagem funcionam do mesmo modo que o papel-moeda, no que respeita ao suporte. Estes cheques têm uma vasta gama de elementos de segurança, de que salientamos:
1 - impressão de qualidade, imitando o talhe doce na decoração gráfica, intaglio, marcas de água, fluorescências em alguns desenhos, microimpressões que à vista desarmada parecem linhas normais;
2 - fibras coloridas ou fluorescentes, papel e tintas de impressão especiais;
3 - um tipo de dígitos utilizado na confecção do número do cheque de um estilo pouco comum, só produzido para este efeito, dificultando a sua substi-tuição ou alteração.
Nas contrafacções destes cheques realizadas em países de escrita diferente das ocidentais verifica-se um elevado número de erros ortográficos. Nos países ocidentais, a adulteração verifica-se mais ao nível das assinaturas, sendo os casos de contrafacção tratados de igual modo que para a papel-moeda. Têm-se verificado alguns casos bem sucedidos de alteração de dígitos por meio de microrrasura, mas mesmo estes são facilmente detectáveis com uma boa lupa.
PASSAPORTES
Todos os passaportes têm o aspecto de um pequeno livro, constituído por uma capa e por um certo número de folhas cosidas com linha. Este conjunto de folhas é depois fixado por colagem à capa. A costura fica assim oculta na lombada do passaporte, sendo apenas visível nas folhas centrais.
As capas são geralmente constituídas por um laminado a quente de tecido com plástico. A face da capa apresenta letras e desenhos artísticos, escudos nacionais, etc., que são impressos por calco, utilizando tinta com partículas douradas ou prateadas. Alguns passaportes têm aberturas horizontais na capa, chamadas janelas, cujo recorte pouco firme pode indiciar contrafacção. Podem ser duas ou uma, superior ou inferior.
As páginas são feitas de papel especial com uma cor de fundo e marcas de água. São numeradas com dígitos de grande tamanho, que aproveitam o grafismo do fundo de segurança. Cada página tem uma insígnia de confecção rebuscada.
O número de série destes documentos é praticado por perfuração em todas as páginas e por vezes também na capa e contracapa. Em alguns países, o número de série é aplicado com um numerador, o que oferece mais possibilidades de falsificação. Tanto no caso de perfuração como no de marcação, convém verificar se houve tentativa de alteração do número.
Todos os caracteres impressos no passaporte devem ser observados. Podem ser de três tipos:
- os que fazem parte da impressão tipográfica do documento;
- os que resultam do preenchimento do passaporte com os elementos de identificação e validade, podendo ser feitos à máquina ou manual-mente;
- os que constam do selo branco e carimbos.
Todos os passaportes têm a fotografia do portador, que na maioria dos casos, além de colada, é atravessada por dois ilhós metálicos, e cujas características são importantes.
A substituição da fotografia é uma das fraudes mais comuns neste tipo de documento, devendo, por isso, verifi-car-se a colagem e a integridade dos ilhós. Sobre a fotografia é aposto um selo branco que abrange parte daquela e outro tanto do papel da página. Convém verificar a correspondência das duas partes na geometria e no grafismo.
Estes documentos revestem-se de especial importância como documentos de identificação, dada a mobilidade que lhes está subjacente. É frequente a sua apreensão para análise por motivo de burla económica, tráfico de drogas e mudança de identidade, actividades terroristas ou criminosas.

Fig.8-Numeraçã por perfuraçõ
Além da substituição da fotografia, ocorre também, como corolário, a lavagem dos dados do portador e outros, nomeadamente quando o preenchimento é feito com escrita manual. Nestes casos de rasura química é possível, em certas situações, detectar o nome original por meio de radiação ultravioleta ou infravermelha, ou de laser com filtros, mais recentemente. Quando preenchidos com letra de impressora por impacto, estas alterações são mais difíceis.
As páginas dos passaportes contêm, tal como as notas, marcas de água, que são produzidas nos genuínos pelo dandy roll, por moldagem ou por tratamento químico que pretende simular tanto o dandy roll como a moldagem. O dandy roll, é um rolo da máquina de fazer papel que comprime e marca a folha de papel no momento da calandragem.
A contrafacção de marcas registadas é uma violação de apropriação indevida, por alguém, de direitos de propriedade industrial. É uma prática perniciosa para o mundo económico e não raro para o próprio consumidor.
Uma marca registada abrange pro-dutos e serviços e personaliza a empresa que os produz, conferindo-lhes uma garantia de qualidade no tempo que, em última análise, reflecte a preferência dos potenciais consumidores, numa socie-dade de comércio livre e competitiva.
Consequentemente, as marcas regis-tadas são extremamente cobiçadas pelo valor económico e pela garantia de mercado que lhes estão subjacentes, permitindo auferir lucros rapidamente, sem as desvantagens do investimento em investigação científica e tecnológica e operações de marketing que fizeram o currículo das grandes marcas registadas mundialmente conhecidas.
A contrafacção industrial pode ser uma simples adaptação para confundir o consumidor - como, por exemplo, o nome de um produto cuja pronúncia ou desenho dos rótulos e etiquetas sugira uma marca famosa - ou uma imitação perfeita e completa de um produto protegido por marca registada. Em qualquer dos casos há intenção do contrafactor de enganar o consumidor - burlar - e beneficiar por outro lado de lucros financeiros propiciados pela cópia fraudulenta de marcas registadas já firmadas no mercado concorrencial.
O combate ao problema é extrema-mente difícil, pois os círculos de con-trafacção são internacionais e abrangem todos os sectores de actividade. Hoje em dia nada, nem ninguém, está a salvo deste tipo de crime económico.
Para esta situação contribuiram duas razões históricas, que levaram ao rápido aparecimento e expansão desta prática ilegal:
- a industrialização dos processos de manufactura na segunda metade do século XIX, tornada possível com o desenvolvimento tecnológico (in-vestiram-se largas somas em inves-tigação científica);
-o aumento do comércio interna-cional nos anos 50, de que alguns países não souberam tirar partido, e que permitiu que a contrafacção industrial atingisse as proporções actuais.
Os factores de crescimento desta actividade estão também intimamente ligados às recentes políticas de alargamento dos espaços económicos a nível mundial e à organização mais perfeita dos círculos de contrafacção, que já são capazes de produzir maci-çamente em tempo reduzido e com factores de produção a custos extre-mamente baixos, tudo isto apoiado por circuitos paralelos de distribuição, muitas vezes sediados em países que ainda hoje não aderiram à protecção das marcas industriais e patentes.
Os grupos de produtos mais atingidos pela contrafacção têm sido:
- produtos de luxo (relógios, perfu-mes, etc.);
- programas para computador;
- produtos farmacêuticos (com graves riscos para o consumidor);
- acessórios e sobressalentes para maquinaria agrícola, carros, aviões e electrodomésticos;
- bebidas (as mais das vezes com alto teor em metanol);
- vídeos.
O combate a nível de cada país e na esfera do consumidor reside na exis-tência de uma política de controlo de qualidade e rótulos, tanto nos produtos exportados como nos importados. A existência de um laboratório de controlo de qualidade tem a dupla vantagem de proteger os produtos e o consumidor e de fomentar o aparecimento de um nú-cleo de cientistas e tecnólogos capazes de desenvolver e melhorar as indústrias locais - (know-how).
* Director do Laboratório de Polícia Científica da PJ de Macau Formador da Escola de Polícia Judiciária.