A ANÁLISE DO CABELO NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

* Sónia Maria Carneiro de Lima


INTRODUÇÃO


  Aperitagem médico-legal referente aos faneros pode adquirir em certas ocasiões grande importância para a investigação criminal, não sendo raro encontrarem-se alguns cabelos provenientes do agressor, quer nas mãos da vítima, quer aderentes à arma utilizada no delito.
  A presença de escamas da cutícula do pêlo facilita a sua aderência às superfícies não lisas, vendo-se com frequência cabelos em almofadas, roupas, estofos, tapetes de viaturas ou noutros lugares onde o crime foi cometido. Importa referir que nas peritagens motivadas por violações e atentados, os pêlos desempenham um papel especialmente importante.
  Os cabelos e fibras são referidos muitas vezes como uma evidência transferida, e normalmente confirmam o postulado que refere que "Todo e qualquer tipo de crime deixa sempre um vestígio que se pode localizar na vítima, no local ou no próprio criminoso" (Locard, 1910).
  Muitos crimes envolvem contacto físico directo entre a vítima e o agressor, como nos casos de violação ou assalto, podendo verificar-se a existência de confronto. Os contactos físicos deste tipo, provenientes da defesa ou agressão originam normalmente uma transferência de evidências microscópicas, tais como cabelos da cabeça, do púbis ou do resto do corpo e fibras dos tecidos. Estes, considerados os mais comuns, podem ser encontrados no local do crime ou nas armas utilizadas, sendo muito frequentes nas armas brancas.
  Os cabelos são indícios valiosos, sobretudo por serem desprezados pelo criminoso, bastando um simples cabelo nas unhas de um suspeito para se obterem provas identificativas do autor do crime.
  Num assalto, é importante procuram-se no local da ocorrência não só cabelos, mas também fibras de tecidos, talvez por serem das poucas evidências físicas que se conseguem obter nalguns casos, e que podem estabelecer a ligação de um suspeito com o crime.
  Sumariamente, as componentes do pêlo tidas em conta do ponto de vista médico-legal são o corpo ou talo e as extremidades. Uma das extremidades é afiada e livre-a ponta do pêlo-e a outra arredondada com implantação na derme-o bolbo. O corpo ou talo tem forma fusiforme, começando por uma dilatação a nível da raiz e adelgaçando-se progressivamente em direcção à ponta.
  À volta da estrutura do bolbo encontram-se fibras musculares lisas que constituem os músculos erectores dos pêlos-músculos horripiladores-, bem como glândulas sebáceas cuja secreção se observa entre o pêlo e o seu folículo.


OBSERVAÇÃO SUMÁRIA E DETALHADA


  Oexame macroscópico de um cabelo não nos dá outras referências para além da cor, porém, num laboratório forense o técnico pode encontrar mais componentes de estudo, como:
  -a pertença a ser humano ou animal, e a que tipo de animal;
  -a raça (negróide, caucassóide, mongolóide, mista);
  -a longitude (comprimento);
  -a espessura (diâmetro);
  -o tipo de implantação;
  -a pigmentação;
  -outras características (liso ou encaracolado, natural ou artificial, espigado, pintado ou descolorado, pontas cortadas, queimado, arrancado);
  -crescimento após coloração;
  -queda natural ou arrancamento;
  -a área específica do corpo a que pertence (couro cabeludo, sobrancelhas, pestanas, barba ou bigode, púbis, mãos, pés, tronco, orelhas, nariz, axilas);
  -substâncias estranhas (sangue, suor, lágrimas, cera dos ouvidos, sémen, secreções vaginais, tinta e gordura);
  -características de identificação, ao microscópio óptico, da cutícula, córtex e medula.


ESTRUTURA DO PÊLO


  O pêlo compõe-se de três zonas distintas:
  -cutícula;
  -córtex;
  -medula.
  CUTÍCULA
  É formada por células planas imbricadas, cuja forma, separação e disposição são muito variadas.
  Através da observação detalhada do perfil de um pêlo verifica-se que este não é liso, mas dentado.
  As dimensões das escamas, sua forma e implantação variam consoante a espécie animal.
  CÓRTEX
  Constituído por células fusiformes, anucleadas, fortemente pigmentadas e queratinizadas, forma a massa principal do pêlo, sendo bastante importante do ponto de vista da sua estrutura e análise laboratorial.
  Morfologicamente, o córtex é um cilindro oco, composto por fibras de proteínas que contêm pigmentos constituídos por grânulos. A distribuição dos pigmentos, ao contrário dos principais componentes corticais, é efectivamente utilizada na identificação e individualização do cabelo. A pigmentação varia, tanto de acordo com as espécies animais como no homem, independentemente da sua raça.
  A forma de concentração dos pigmentos no cabelo do homem varia consideravelmente. O estudo da distribuição da pigmentação nos diferentes indivíduos constitui uma das características de maior valor relacionadas com a individualização, variando a quantidade do pigmento de zero até valores bastantes elevados, segundo as tabelas internacionalmente utilizadas, determinando-se deste modo a tonalidade da cor no cabelo.
  MEDULA
  Nem sempre patente, consiste num cilindro que é o eixo do pêlo, formado por células que se dispõem em linhas transversais.
  Nos seres humanos, a medula está muitas vezes ausente e ocasionalmente uma pessoa com cabelos grisalhos pode apresentar duas tonalidades.
  A medula de um cabelo varia consideravelmente com as diferentes espécies, constituindo uma das propriedades morfológicas mais importantes na sua identificação.
  As medulas classificam-se em contínuas, descontínuas e fragmentadas. No homem, o cabelo manifesta a presença de medula fragmentada, no entanto, em vários indivíduos os cabelos não exibem qualquer substância medular, e em certos casos possuem medula contínua.
  Nos animais, na maior parte dos casos, verifica-se a existência de pêlos com medulas largas, contínuas e descontínuas.
  Notas Bibliográficas
  SAFERSTEIN, Richard, Forensic Science Hand Book, New Jersey, 1982.
  WERNER U. SPITE, Russell S. Fisher, Medicolegal Investigation of Death, Second Edition, USA, 1972 Pág. 66 a 69.

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  * Técnica do Laboratório de Polícia Científica da Directoria da Polícia Judiciária de Macau.