DESVIOS DE COMPORTAMENTO

* Fernando Passos


INTRODUÇÃO


  Odesvio pode, genericamente, ser definido como um comportamento diferente daqueles que são comuns e culturalmente aceites, ou cuja expectativa não corresponda às normas da sociedade em que o indivíduo se insere.
  De certa forma, o termo carrega em si uma conotação negativa, no entanto, um simples indivíduo que se exceda para além dos seus padrões sociais pode ser enquadrado neste contexto.
  Os desvios de comportamento são definidos pelas normas sociais próprias de cada cultura. O que é adequado e aceite numa poderá não o ser noutra. Alguns dos exemplos mais comuns de desvios de comportamento actuais são o homicídio, o roubo, a delinquência, a homossexualidade, a prostituição e a toxicodependência.
  Regra geral, os investigadores estudiosos deste tema são concordantes em caracterizar o desvio primário como um comportamento temporário, casual e não sujeito a repetição. No desvio secundário, o indivíduo apresenta formas de comportamento repetidas, periódicas, idênticas e de rejeição das normas de conduta da sua cultura e grupo social.
  Apresentam-se seguidamente dois dos modelos explicativos paradigmáticos que mais marcaram a investigação neste campo, o biológico e o psicossociológico, delimitando-os de uma forma evolutiva.


MODELOBIOLÓGICO


  No séc.XIX surgiram as primeiras tentativas de explicação e interpretação biológicas para os desvios, sendo reconhecido Cesare Lombroso como um pioneiro.
  Afirmava aquele estudioso, em 1911, que o criminoso era biologicamente inferior ao cidadão comum, teoria que veio a ser refutada pelo seu aluno Goring, que descobriu não haver diferenças físicas significativas entre os criminosos e o resto da população.
  Também segundo Lombroso, os indivíduos com malares de dimensões excessivas, defeitos ou particularidades nos olhos, braços e dedos excessivamente longos e dentição deformada identificavam-se perfeitamente com o criminoso modelo.
  Em 1949, W. Sheldon identificou e isolou três tipos físicos básicos: o endomorfo (redondo, flácido e gordo), o mesomorfo (musculado e atlético), e o ectomorfo (magro, frágil e ósseo). Sheldon tentou relacionar personalidades e comportamentos com os tipos físicos, concluindo que o mesomorfo, por ser impulsivo e enérgico, correspondia ao criminoso modelo.
  No entanto, em 1956 Glneck pesquisou resultados em experiências levadas a cabo com um grupo de 500 rapazes delinquentes e outro de 500 não delinquentes, na tentativa de comprovar tal teoria, verificando não haver qualquer correlação significativa entre os elementos com características físicas dos mesomorfos e a população do universo delinquente.
  Outra tentativa para encontrar pontos comuns entre indivíduos que apresentavam desvios de comportamento e semelhanças anátomo-fisiológicas surgiu nos Estados Unidos, aquando da condenação de um indivíduo por ter assassinado sete enfermeiras em Chicago, em 1966. O sujeito em causa possuía uma estrutura cromossómica do tipo XYY, apresentando assim mais um cromossoma Y no par ligado ao sexo, tendo sido na altura apelidado o cromossoma assassino. Sabendo-se que o cariotipo normal é apenas de dois cromossomas no último par ligado ao sexo, (XX para a mulher e XY para o homem), foram realizadas inúmeras experiências para demonstrar que o criminoso inato era aquele que, por razões de ordem biológica, apresentava mais esse cromossoma, chegando-se ao ponto de propor a detenção de todos os indivíduos nessas condições. O que se verificou posteriormente foi não haver qualquer representatividade estatística para que tal facto pudesse ser comprovado.
  Com estes resultados, foram praticamente esquecidos os estudos tendentes a comprovar a existência de desvios de comportamento com origem em factores biológicos, iniciando os investigadores novas pesquisas no campo social e psicológico.


  

Detalhe do quadro "Santa Catarina exorcizando uma nulher possessa",de Di Benvenuto.


MODELO PSICOSSOCIOLÓGICO


  No último quartel do séc. XIX começaram a ser utilizados métodos experimentais em psicologia, com o primeiro laboratório a ser fundado em Leipzig, em 1878.
  S. Freud tentou esclarecer o estudo do normal, através da primeira “teoria geral da vida mental”, demonstrando que os “factores determinantes do comportamento não são conscientes”.
  As teorias comportamentais foram iniciadas em 1913 com J. Watson, mas durante décadas os seguidores desta escola pouca importância deram aos estudos sobre personalidade. Em 1953, Skinner inicia os seus trabalhos com animais, começando então os primeiros resultados a ser aplicados ao estudo da personalidade.
  Os autores da corrente compor-tamentalista elaboraram assim várias teorias baseadas no pressuposto de que o comportamento do indivíduo é determinado pela conjugação do meio com processos cognitivos como a motivação, as expectativas, e os valores e percepções).
  De forma geral, as várias teorias tentaram abordar o indivíduo em diferentes perspectivas: a inadequação social (em que o sujeito não consegue interiorizar normas sociais, indiferenciando portanto regras de conduta), a aprendizagem, em que o indivíduo aprende formas de comportamento socialmente puníveis, quer através de mecanismos de imitação, quer através do contacto interindividual, e o conflito resultante de tensões existentes entre a cultura e a estrutura social em que o indivíduo se insere.
  De acordo com a segunda daquelas teorias, já em 1939 E. Sutherland tinha realizado diversas experiências que envolveram grupos de não delinquentes e delinquentes, concluindo que quatro factores eram decisivos para a transformação dos primeiros em sujeitos com desvios comportamentais: frequência, prioridade, duração e intensidade dos contactos.
  Para além disto, foram ainda relacionados desvios de comportamento com a ausência de normas sociais e expectativas falhadas, podendo surgir nestes casos quatro situações: inovação, ritualização, abandono e rebelião.
  Autores mais recentes, como Bandura e Ross, debruçaram-se sobre a influência de percepções visuais da televisão e do cinema na aprendizagem de comportamentos com carácter agressivo. As conclusões foram claras: o comportamento agressivo aumentava substancialmente com a exposição dos sujeitos àquelas situações.
  Outros autores dedicaram ainda a sua atenção à aprendizagem social, partindo do pressuposto de que as pessoas se comportam de modo diverso em diferentes situações. Em 1973, Mischel concluiu nos seus estudos que muitos indivíduos revelam comportamentos inconsistentes em diferentes situações, como no caso de ser honesto na maior parte das vezes, mas desonesto em algumas ocasiões, o que o levou à conclusão de que o comportamento é caracterizado mais por situações específicas do que pela consistência das acções.

CONCLUSÕES


  Oproblema dos desvios de comportamento tem implicado, desde há muito, dilemas de explicação entre factores biológicos e do meio.
  Os desvios de comportamento têm sido referidos indistintamente como doenças, desordens mentais ou psicológicas.
  Tendo-se evoluído, após o séc. XVIII, das superstições demoníacas até à obtenção do estatuto de ciência na década de 70, parece ter-se chegado ao consenso geral expresso nas palavras de Thomas Szase, quando afirma que “as doenças apenas afectam o corpo, por isso não podemos falar em doenças mentais”.
  Uma outra questão têm sido os julgamentos estereotipados dos sujeitos que apresentam desvios de comportamento: os desvios são considerados sinais de fraqueza da personalidade, incuráveis, perigosos, violentos ou bizarros, o que obviamente não se verifica na maior parte das circunstâncias.
  Dos estudos biológicos sobre a hereditariedade neste tipo de indivíduos, poder-se-á referir ainda a sua actual incipiência, havendo apenas em concreto indicadores acerca da existência de traços hereditários em certas formas de desvios, nomeadamente em estudos com gémeos, no entanto, não os suficientes para que se comprove uma transmissão hereditária dos desvios como regra geral.
  Comprovado parece estar o facto de indivíduos com o mesmo tipo de desvios tenderem a congregar-se em pequenos grupos, com a finalidade de apoio mútuo e extravasamento das suas necessidades. Ao mesmo tempo, os indivíduos pertencentes a estes grupos criam formas de actividade, valores dominantes e atitudes próprias, comuns aos membros e em desacordo com a sociedade convencional. Dentro do grupo não é raro verificarem-se situações de busca de aceitação e status, que conduzem à criação de regras próprias, fechadas ao mundo exterior e, em muitas casos, um pouco incompreensíveis para o comum dos cidadãos.
  As duas abordagens acabam, de certo modo, por se complementar, podendo-se ressaltar três aspectos críticos:
  a) dependência de estudos animais//dificuldade dos estudos com seres humanos - verifica-se que a maioria dos estudos é efectuada através da experimentação animal, concluindo-se acerca do comportamento humano através do estudo do comportamento animal;
  b) rejeição/aceitação dos factores hereditários - consoante a corrente de estudo, os factores hereditários são ou não desprezados, todavia, até ao momento não existem estudos capazes de provar a sua total inexistência;
  c) fragmentação da personalidade - muitos dos estudos conduzidos têm incidido exclusivamente sobre aspectos específicos da personalidade, não havendo uma compreensão geral do problema, capaz de integrar ao mesmo tempo todos os aspectos fundamentais da personalidade.

Referências bibliográficas:


  WEITEN, Wayne, 1989, Psychology, Themes and Variations, Brooks/Cole Publishing Company, California.
  AGENTON, S. and others, 1985, Explaining Delinquency and Drug Abuse, Sage Publications, California.
  VILLEE, C. and others, 1989, Biology, Saunders College Publishing, 2nd ed., Florida.

  _________________________
  * Director da Escola de Polícia Judiciária de Macau.