CAPÍTULO IV - PERÍODO DAADMINISTRAÇÃO COLONIAL PORTUGUESA

1. Evolução das constituições portuguesas


  Desde 1783, ano em que foram publicadas as Providências Régias que reforçaram os poderes do Governador, a política de Macau começou a ter certa tonalidade colonial. Após a vitória da Revolução do Constitucionalismo de 1820, foi publicada a primeira Constituição em 1822, que, pela primeira vez, considerava todo o ultramar português, incluindo Macau, como parte integrante do território português (Artigo 20). O artigo 2.° da Carta Constitucional de 1826 e as três constituições posteriores (O artigo 2.° das de 1838 e 1911, assim como o artigo 1.° e 4.° da Constituição de 1933) encararam Macau como parte integrante do território português. Para diferenciar das outras dependências portuguesas, Macau foi denominado como "estabelecimento", mas "sendo Macau considerado uma parcela do território português, lógico é que as cinco constituições mencionadas sejam também, e simultaneamente, constituições de Macau", de modo que "este período do Direito Constitucional de Macau, que se estende de 1822 a 1976, pode chamar-se o seu período colonial."l
  Evidentemente, esta periodização é apenas uma divisão feita meramente do ponto de vista do direito constitucional português. De facto, Portugal, ao contrário de outras potências colonizadoras, nunca reconheceu alguma diferença entre o seu território metropolitano e as suas dependências ou estabelecimentos, no que diz respeito aos seus estatutos jurídicos. Mesmo economicamente falando, Portugal nunca conseguiu o monopólio do comércio externo de Macau. No âmbito político, Macau só passou a sujeitar-se a um controlo relativamenterigoroso da parte do governo central de Lisboa a partir dos meados do Séc. XIX. Este controlo político, embora aparentemente tenha conduzido a um reforço da autonomia de Macau, resultante da iniciativa das autoridades portuguesas para melhorar a administração desta colónia, as intervenções do poder central ultrapassaram a sua autonomia, que se revelava muito limitada. Em comparação com o período da preponderância do Senado, na realidade, a autonomia dos portugueses de Macau foi seriamente reduzida.
  A Constituição de 1822 e a Carta Constitucional de 1826, que contam com muito evidentes influências das ideias da Revolução Francesa, caracterizada por liberdade, fraternidade e direitos do Homem, não estipularam, no entanto, nada de especial em relação ao ultramar português do ponto de vista jurídico. Tanto na metrópole como no ultramar aplicavam-se as mesmas leis, privando os órgãos sedeados no ultramar de qualquer competência legislativa. Durante a Guerra Civil, em 16 de Maio de 1832, foi publicado um decreto que estabelecia que todos os chefes administrativos locais denominados Prefeitos só tinham competências administrativas. Outro decreto, aprovado em 7 de Dezembro de 1836, conferia a chefia dos domínios asiáticos a um Governador Geral, com funções de natureza administrativa e militar (Artigos 4 e 5). Junto do Governador Geral funcionava um Conselho de Govemo, composto por quatro chefes das repartições judicial, militar, fiscal e eclesiástica, e dois membros escolhidos pelo Governador (Artigo 6) para auxiliar o Govemador na sua jurisdição, mas o parecer do Conselho de Governo nunca foi vinculativo (Artigo 8).
  Com a decretação da Constituição de 1822, os portugueses estabelecidos em Macau ficaram muito contentes com esta boa nova e revoltaram-se para derrubar o Governador, que para eles era um ditador. Surgiu um novo Senado, resultante de eleições por sufrágio universal e constituiu-se um governo provisório. Ainda estavam esperançados de que o novo regime constitucional revogasse as Providências Régias de 1783 e restaurasse todos os poderes, quase absolutos, do Senado, mas o evoluir da situação gorou todas as expectativas dos portugueses de Macau. O liberalismo foi passageiro. No Verão de 1823, restaurou-se a monarquia absoluta. O Governo de Goa enviou um navio de guerra com tropas para restabelecer a ordem política e a autoridade do Governador de Macau.Este, em 22 de Fevereiro de 1835, mandou dissolver o Senado e ordenou que se procedesse a novas eleições, já de acordo com um Decreto aprovado na metrópole a 9 de Janeiro de 1834, que regulava as eleições para as Câmaras Municipais de todo o país. Daí por diante, o Senado tornou-se numa Câmara Municipal, de conotação moderna do termo, com competências exclusivas para os assuntos municipais.
  A Constituição de 1838 é a primeira lei constitucional que possui disposições especiais para o ultramar, dedicando um título (X) às "Províncias Ultramarinas". Este diploma estipula que as províncias ultramarinas poderão ser governadas por leis especiais segundo exigir a conveniência de cada uma delas. O Governo poderá, não estando reunidas as Cortes, decretar em Conselho de Ministros as providências indispensáveis para acorrer a alguma necessidade urgente de qualquer província ultramarina. Igualmente poderá o Governador Geral de uma província ultramarina, ouvido o Conselho do Governo, tomar as providências indispensáveis para acudir a necessidade tão urgente que não possa esperar pela decisão das Cortes, ou do poder executivo. Em ambos os casos o Governo submeterá às Cortes, logo que se reunirem, as providências tomadas. Em 1842, devido à restauração da Carta Constitucional de 1826, a competência legislativa de urgência, conferida ao Governador pela Constituição de 1838, foi reduzida a zero, mas o Acto Adicional de 1852, pelo seu artigo 15°, tenta restabelecer as competências legislativas do Governo e do Governador nos casos urgentes, a fim de melhorar a eficácia adminístrativa dos governos ultramarinos.
  O Decreto de 1 de Dezembro de 1869, por via legislativa ordinária do novo Direito Constitucional ultramarino, tentou o primeiro passo para uma descentralização do poder. Este diploma estabelece que o território português na África e na Ásia forma seis Províncias: Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Estado da 'India, Macau e Timor (Artigo 1). Também define, em termos muito claros, a organização político-administrativa das províncias ultramarinas e as suas competências. Segundo este diploma, em cada província há um Governador, de nomeação régia, com atribuições civis e militares, e com jurisdição sobre todo o respectivo território (Artigos 3, 7 e 9). Compete ao Governador, como Governador civil, todas as atribuições que pelo códigoadministrativo competem aos governadores. Mais lhe compete a presidência do Conselho do Governo e da Junta da Fazenda, nomear e exonerar os funcionários de chefia e ordenar a dissolução de qualquer corpo administrativo eleito (Artigo 13). Dado que se abusara da competência legislativa de urgência, estipulada no Acto Adicional de 1852, são listados 17 itens, em relação aos quais não é permitido ao Governador usar a sua competência legislativa de urgência, tais como: lançar impostos, contrair empréstimos, estabelecer monopólios, alterar as organizações jurídico-administrativas, estatuir em contravenção dos direitos civis e políticos dos cidadãos e perdoar, minorar ou comutar penas, etc. (Artigo 15). O diploma ainda determina que o Conselho do Governo dá parecer e voto em todos os negócios em que for consultado pelo Governador, que este deve ouvir em todos os negócios graves (Artigo 29), sendo necessário voto afirmativo da maioria do Conselho do Governo para se considerar urgente a necessidade de providências legislativas, ou para se contrair empréstimo (Artigo 30). De todas as maneiras, o Governador não é obrigado a conformar-se com o parecer do Conselho do Governo.
  A organização ultramarina delineada em 1869, excepto o período de 1896 a 1898, em que foi instituído o cargo de Comissário Régio, vai, no essencial, manter-se inalterada até à Revolução Republicana de 1910. A Constituição de 1911, foi publicada após o advento republicano, no seu título V, artigo 67.° estipula: "Na administração das províncias ultramarinas predominará o regime da descentralização, com leis especiais adequadas ao estado de civilização de cada uma delas". Globalmente analisando, este artigo não constituiu um grande estímulo para a autonomia do ultramar. Só com a publicação, em 1914, da Lei Orgânica da Administração Civil das Províncias Ultramarinas (Decreto-Lei n.° 277) é que Macau passou a possuir uma autonomia no verdadeiro sentido da palavra, embora limitada. "A ausência de autonomia político-administrativa foi também um factor prejudicial para Macau. Fortemente limitado pelo governo burocrático de Lisboa, que se revelou sistematicamente indiferente aos problemas e condicionalismos locais, o território foi sendo sucessivamente anexado e desanexado numa absurda Província de Macau, Timore Solor, que só serviu para sobrecarregar as já reduzidas disponibilidades financeiras do território."2
  No entanto, a partir dos anos 40 do séc. XIX, o estatuto político e as relações sino-portuguesas à volta dele conheceram mudanças enormes e profundas.

2. A aplicação efectiva de uma administração colonial


2.1. Desejos da mudança do statu quo de Macau


  A expansão colonial do Ocidente na China deu origem às Guerras do Ópio. A Dinastia Qing (1644-1911), que saiu vencida, viu-se obrigada a ceder às pressões das potências estrangeiras, e em consequência disso, foi assinado o primeiro tratado desigual -- O Tratado de Nanquim, que além de abrir cinco Portos ao comércio estrangeiro, cedeu a Ilha de Hong Kong à Inglaterra. Aproveitando-se destas circunstâncias da situação internacional, os portugueses, que também acharam "[...] chegado o momento de reforçar a sua presença em Macau",3 decidiram mandar enviados para iniciar negociações com a Corte Imperial, com vista a mudar o statu quo da administração de Macau, numa tentativa de criar um novo modelo de relacionamento com a Dinastia Celestial.
  Como já referimos, o Governador de Macau, Gregório Pegado, o juiz José Rodrigues de Bastos e o Senado, após demoradas, discussões, elaboraram em 29 de Julho de 1843, um documento com nove petições e apresentou-o ao Comissário Imperial Qi Ying. Eis os nove pontos:
  "1°. Que havendo sido cedida à Coroa Britânica em toda a sua plenitude a Ilha de Hong Kong sem ónus de qualidade alguma, seria certamente grande injustiça obrigar ainda os Portugueses, que têm sido constantes amigos dos Chinas, a pagarem um tributo, o que seria além de injusto excessivamente injurioso em presença dos títulos que têm os Portugueses, e que em consequência seja bem especificado de modo que não venha a oferecer dúvida alguma no futuro que oterreno que de direito pertence aos Portugueses é todo o que medeia entre o Cerco ou Barreira e o mar por um lado e o rio por outro, assim como o Porto da Taipa oferecendo-se mesmo os Portugueses a conservar sempre um Posto Militar no lugar da Porta do Cerco para evitar qualquer transgressão ou para que sejam evitadas quaisquer desordens.
  2°. Que a correspondência seja mantida sobre um pé de mútua igualdade, visto não poder ter lugar outra coisa em presença do modo que os Altos Funcionários Imperiais estão obrando com os Empregados das outras Nações.
  3°. Que os direitos de ancoragem em Macau para os Navios Portugueses quer sejam os provenientes de Portugal ou os pertencentes a Proprietários de Macau sejam de tal modo reduzidos que os Portugueses paguem alguma coisa menos do que pagam os Estrangeiros em Huangpu, permitindo-se, que temos todo o direito a esperar, que aí sejam recebidos Navios Estrangeiros de outra qualquer Nação pagando o mesmo que se fossem a Huangpu, ficando o Governo Português responsável para que nenhum falte a este dever.
  4°. Os direitos Imperiais que os Chinas pagam pelas Fazendas de introdução devem ser de tal modo reduzidos (pois têm a pagar alguns na Alfândega Portuguesa sem o que não se poderia sustentar o Estabelecimento que é provado tem sido de grande interesse ao Império Chinês) que convidem os Imperadores Chinas a este Porto, máxime carregando eles nos Navios Portugueses o que é de outra vantagem para a Alfândega Chinesa, pois nenhum só dos géneros importados por eles são distraídos do fim para que vêm, isto é, não serão introduzidos por contrabando, chamado propriamente peste das Nações.
  5°. Que a todos os comerciantes com excepção de qualquer Nação que sejam se não ponha o mais pequeno embaraço para traficarem em Macau, o que deve ser bem explicado para se evitarem abusos ou contestações.
  6°. Que se abatam de uma vez as imposições que está suportando o Povo de Macau com as chamadas Chapas para a construção de edifícios novos ou reconstrução dos antigos, conserto de Navios, e fornecimento do Bazar permitindo-se a todos os operários o livre exercício dos seus mesteres, auxiliando-os mesmo quando possam vir a ser perseguidos; o que não poderá resultar senão emproveito dos ditos operários que sendo todos Chinas têm o mais bem fundado direito a protecção dos Altos Empregados de sua Nação, devendo-se ter em especial atenção a harmonia e fraternidade em que vivem em Macau há quase 300 anos os Chinas e os Portugueses.
  7°. Que em qualquer arbítrio seja tida muito em vista a Tarifa ultimamente feita para regular o pagamento dos Direitos nos cinco Portos abertos ao comércio Inglês cuja liberdade de comerciar deve ser igualmente franqueada a todos os Navios Portugueses não podendo ser de modo algum da mente de sua Majestade Imperial nem dos seus Altos Funcionários que estes fiquem menos considerados, sendo os mais antigos Estrangeiros com relações não interrompidas de amizade na China e até em certas circunstâncias reputados como Nacionais.
  8°. Que possam as Fazendas de exportação vir para esta Cidade directamente de suas respectivas terras sem passar por Cantão como até agora pagando aqui os devidos direitos, bem como que fiquem livres aos importadores despachar qualquer quantidade delas, e não como até agora que por exemplo as sedas de todas as qualidades, e em geral Fazendas finas não podiam ser despachadas por esta Cidade se não a porção que chegasse a trinta picos; que daqui em diante possa vir qualquer porção mesmo sem chegar a esta quantidade, que o ch'a, Gangas, Charão possam ser despachados ainda que a porção de tais géneros não cheguem a 70 picos; que panchões, sombreiros, papel [...] possam vir para aqui transportados não chegando o seu peso também a 70 picos.
  9°. Finalmente que todos estes Artigos serão logo postos em execução podendo depois ser confirmados por um Ministro Plenipotenciário de Sua Majestade a Rainha de Portugal neste Império."4
  Gregório Pegado que foi reconduzido no cargo de Governador de Macau, em 3 de Outubro, decidiu mandar o ex-Governador Silveira Pinto como representante do Governo de Macau para ir negociar à Cidade de Cantão5. De 5 a 14 de Novembro, Qi Ying recebeu, mais do que uma vez,Silveira Pinto, mas as negociações conheceram poucos progressos. Os portugueses sobrevalorizaram a sua capacidade negocial. As suas reivindicações políticas não foram satisfeitas. No entanto, o Comissário Imperial, levando em consideração as circunstâncias em que se encontravam os portugueses, apresentou vários memoriais ao Trono, numa tentativa de conseguir as mesmas vantagens comerciais já concedidas a outras potências ocidentais para os portugueses. Em Abril do ano seguinte, Qi Ying, em cumprimento duma ordem imperial, deu aos portugueses de Macau uma resposta com o seguinte teor:
  "1. No que respeita às pretensões portuguesas, falando do pedido da isenção do foro no valor de 500 taéis de prata anuais, verificamos que o fundamento desta pretensão é o facto de que a Inglaterra não nos paga o foro de Hong Kong. Acontece que Hong Kong, sendo uma ilha, não tem a produção agrícola, que não é o caso de Macau, razão pela qual não se pode questionar o tema nos mesmos termos. Não conviria autorizar a isenção do foro de Macau, que deveria ser pago como dantes.
  2. Quanto ao pedido de colocar a zona que vai entre a Porta do Cerco e a Porta de St° António sob a presença militar de Daxiyang (Portugal), apuramos que a Porta do Cerco não seme de demarcação, e o seu estabelecimento deve-se à posição estratégica do lugar. Além disso, a criação desta barreira é anterior à presença de Daxiyang em Macau. Considerando o facto de que, além da Porta do Cerco, existem povoações chinesas e o Mandarinato, somos levados a considerar que não seria conveaiente deixar esta zona sob a influência militar de Daxiyang. Seria remetido um ofício ordenando-lhes que respeitem as normas até agora observadas, isto é, serem as muralhas invioláveis em todos os casos. Manter-se-ia o statu quo das fortificações e casas bárbaras fora da Porta de St° António, dado que a sua existência data do passado.
  3. No que diz respeito à abertura de Macau a todos os barcos mercantes estrangeiros, verificamos que os barcos estrangeiros, para fazer negócios em Cantão, têm ancorado em Whampoa (Huangpu). Macau, que não passa dum posto fiscal sob a alçada da Alfândega de Guangdong, não tem o estatuto e estrutura de alfândega. Dada a inexistência do inspector e funcionário de alta categoria, seria difícil acedermos a esta pretensão.
  4. Falando da redução dos direitos e taxa de barcos a que está sujeito Macau, averiguamos que o pagamento dos direitos das mercadorias competia aos comerciantes chineses. Este tema nem sequer deve ser considerado, já que se trata de um assunto que não diz respeito a Daxiyang. Levando em consideração o facto de que os direitos saem do valor das mercadorias e que a taxa fiscal influenciaria no preço de venda das mercadorias, o que poderia dar azo a fugas fiscais, sugerimos que, a partir de agora, os direitos liquidados pelos comerciantes chineses, seja de mercadoria de exportação seja de importação, se pagassem conforme o regulamento recentemente estabelecido para as mercadorias estrangeiras. A taxa de barcos aplicada em Macau é inferior à praticada em Cantão. Caso passem a paga-la conforme o novo regulamento, isto é, 5 mazes por tonelada, deixarão de gozar da taxa anterior que era diferente, o que nos leva a pensar tomar a seguinte medida: doravante, os 25 barcos do número registado, independentemente do estado de conservação em que se encontra cada embarcação, estão sujeitos ao pagamento estabelecido pelo regulamento, mas com uma redução de 30% sobre a tabela, isto é, paga-se 3, 5 mazes por cada tonelada. Caso estes barcos forem aos cinco portos abertos ao comércio estrangeiro ou barcos de Daxiyang fora desta restrição, seja onde for, seja em Macau seja nos cinco portos, pagarão a taxa de 5 mazes por tonelada para evitar qualquer acusação de tratamento diferente por parte de outros comerciantes. Estas medidas anulam todas as anteriores relativas às taxas entregues ou por ser entregues.
  5. Quanto ao pedido da concessão da autorização de comércio nos cinco portos abertos ao comércio estrangeiro, isto 'e, Cantão, Fuzhou, Xiamen, Ningbo e Shanghai, j'a que os portos supracitados estão abertos a todas as nações, Daxiyang terá todo o direito a gozar dos mesmos privilégios, mas todos os assuntos relativos ao pagamento dos direitos das mercadorias e as taxas de tonelagem e o transbordo de mercadorias serão regulados pelo novo regulamento sem que tentassem um tratamento diferente.
  6. Verificamos que no que respeita ao pedido de licença, de facto, isto já se tomou numa coisa meramente burocrática, desnecessária. Em consideração deste facto, deveriam ser dispensadas as respectivas licenças para as construções, para poderem comprar materiais e contratar pessoal que bem entenderem, mas com acondição de que não levantem construções sem a devida licença fora da Porta de St°. António, evitando deste modo qualquer conflito que possa vir a surgir.
  7. No que respeita a não fixação de picos das mercadorias introduzidas por comerciantes chineses em Macau e ao pagamento dos respectivos direitos em Macau, verificamos que as mercadorias comerciadas por chineses fazem o desalfandegamento na primeira alfândega. Não será de razão pagar direitos em Macau se existe alfândega da China para Macau. Doravante, as mercadorias a ser introduzidas em Macau, ficarão livres de quotas de picos. As mercadorias que se exportam pela Grande Alfândega de Cantão fazem o desalfandegamento conforme o novo regulamento. E as mercadorias que não passem pela dita alfândega, pagarão os seus direitos em Macau. Esta medida visa o combate à fuga fiscal."6
  A intenção lusa era obter o exercício da soberania e tentar expandir as fronteiras de Macau, de modo que não ficaram satisfeitos com esta resposta. Havia bem pouco tempo, Gregório Pegado recebera as credenciais da Rainha sobre a sua nomeação "para que conferindo com o Commissario nomeado igualmente para o effèito por Sua Magestade o Imperador da China, possa tratar e estipular, concluir, e firmar até ao ponto de Ratiflicação huma Convenção de Comercio e Navegação, fundada nos principios da mais bem entendida reciprocidade de interesses para ambas as Nações, para o que lhe dou plena e ampla faculdade"7, além das instruções emitidas pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, José Joaquim Gomes de Castro, desde Lisboa, em 29 de Agosto de 1843:
  "O Tratado que pôs termo às dissenções que haviam ocorrido entre a Inglaterra e a China tem feito uma extraordinária alteração no sistema de política externa daquele Império, e tem excitado em outras Nações tanto da Europa como da América o desejo de celebrarem com ele Tratados ou Convenções Comerciais; e tendo aNação Portuguesa sempre sido, e com justiça, considerada como a mais favorecida na China, toda a atenção do Governo de Sua Majestade se deve dirigir a precaver que nem do mencionado Tratado da Inglaterra, nem de quaisquer outras Convenções feitas pela China com outras Potências resulte a menor quebra às nossas antigas relações com aquele Império, nem a inferioridade de situação para com ele, nem prejuízo algum muito especialmente pelo que respeita ao nosso estabelecimento de Macau.
  Por tão ponderosos motivos tem Sua Magestade resolvido que V. Sa se não retire desse paiz, e que nelle trate de se informar bem a fundo de quanto tem obtido do Govemo Imperial em favor do seu commercio, do que mais procura de obter, e do progresso que vão tendo as negociaçoens instauradas para esse fim, tanto pela Inglaterra, como pelas mais Potencias assim para o comunicar immediatamente ao Governo de Sua Magestade por este Ministerio dos Negocios Estrangeiros, como para procurar por todos os meios brandos que a sua prudencia lhe suggerir obstar a qualquer clausula ou estipulação que possa offender a superioridade das relaçoens estabelecidas entre Portugal e a China, sobretudo pelo que toca ás regalias, e integridade do dito nosso estabelecimento de Macau. Se no entanto no decurso das suas indagaçoens, e diligencias V.Sa achar ensejo favoravel, e opportuno para conseguir do Imperador da china melhoramento consideravel nas nossas relaçoens politicas e commerciaes com aquelle Imperio, e pelo menos tratamento e vantagens, iguais ás que houverem sido ou hajão de ser concedidas á Inglaterra ou a qualquer outra Nação mais favorecida; poderáá V. Sa nesse caso fazer constar ao Imperador da China, ou ao seu Governo por intervenção das Authoridades para esse fim competentes, que está authorizado por Sua Magestade a Rainha, na qualidade de seu Commissario, e em virtude do competente Pleno Poder que a V. Sa envio incluso para negociar e concluir uma Convenção commercial entre Portugal e a China com o Comissario ou Comissarios para esse fim nomeados por S.M. o Imperador."8
  As instruções complementares que o Ministro dos Negócios Estrangeiros emitiu dois meses mais tarde não tardaram em chegar. Ele,além de concordar completamente com o pedido dos 9 pontos apresentado pelo Senado, exigiu do Ministro Plenipotenciário o seguinte:
  "Convirá conseguir que os navios com Bandeira Portuguesa gozem de todas as regalias e favores que aos Ingleses forem concedidas em Hong Kong, e nos mais portos do Império a Leste ou Oeste de Macau, de sorte que a Nação Portuguesa fique sempre considerada como a mais favorecida na China, assim pelo que respeita aos privilégios dos Súbditos Portugueses como aos seus navios, géneros importados e exportados, Cônsules, Agentes Consulares e Feitorias.
  Se por exemplo as Fazendas importadas, ou exportadas de Hong Kong para Cantão, e vice-versa, forem somente sujeitas a pagar direitos em Cantão, sem mais taxas ou alcava-las no transito, he indubitável que para Macau se deve exigir outro tanto, fundando-se V.Sa para isso na declaração feita na Proclamação do Alto Comissário Keying, de que a Pauta dos Direitos ultimamente estabelecida para com os Ingleses terá vigor para com as mais Nações: proclamação que se acha transcrita no incluso Diário do Governo de hoje.
  Seda para desejar que se pudesse obter a absoluta isenção do pagamento da medição dos Navios Portugueses em Macau, fazendo V. Sa nisso todo o possível empenho, e pelo menos que em todo o caso se nos conservem os antigos privilégios de Chincheu etc., e todos os mais que ainda estejamos gozando, e que neles sejam igualados aos Navios de Macau os demais Navios Portugueses.
  V. Sa se empenhará em que a correspondência entre o Senado de Macau e o Governo China, seja sempre directamente com o Vice-Rei de Cantão, segundo era prática antigamente, sem intervenção do Mandarim da Casa Branca, como agora se faz.
  Não sendo talvez possível obter que se nos desse em pleno Senhorio toda a Ilha de Macau, o que V. Sa tentará todavia conseguir apalpando para isso com toda a delicadeza o animo do Comissário China, com quem negociar, procurará ao menos alcançar que se nos dê a Ilha dos Padres, que já foi nossa e nos conviria por estar fronteira a Macau, devendo declarar-se que esta concessão he perpetua, e livre de toda a retribuição.
  V. Sa também tentará ver se pelas melhores maneiras pode obter a retirada dos Mandarins do território de Macau, que deverá ser considerado como inteiramente Português, administrando-sejustiça aos Chinas ali residentes pelo modo que praticam os Holandeses em Java, e os Ingleses nos Estreitos, estabelecendo-se Capit~æs Chinas da eleição dos seus maioraes ali moradores, ficando sujeitos ao Procurador do Senado, e sendo em casos de maior monta os réus remetidos (quando se não tenham naturalizado Portugueses) aos Mandarins, com chapas, ou ofícios do Procurador. Em todo o caso convirá conservar o antigo privilégio da navegação até Cantão pelo Rio denominado de dentro, mas livres de todas as imposições e alcavalas"9
  Em Junho de 1844, durante a sua visita a Macau, Qi Ying entrevistou-se com o enviado extraordinário norte-americano, Caleb Cushing. Silveira Pinto, que fora nomeado Ministro Plenipotenciário na China tentou aproveitar-se desta ocasião para estabelecer algum contacto com Qi Ying e lhe fazer o pedido de autorização para ir ao Norte. Parece que Qi Ying ainda se lembrava da resposta às 9 petições que acabara de dar, cujo último ponto determinava que "como os Negocios Portuguezes hão sido sempre tratados pelo Procurador (do Senado), devem, como athe agora continuar a ser da mesma sorte tratados pelo dito Procurador e Governador Portugues conjunctamente, a fim de que sejão os unicos responsaveis", de modo a ordenar-lhes que devam "certamente respeitar e observar o que Sua Magestade Imperial Decretou, conter os Negociantes e Povo, a fim de que guardem cuidadosamente o sobredito estatuto, e fação pacificamente seu trafico, e que não deixem brotar (em seus corações) vans esperanças"10, razão pela qual fez todo o possível para evitar o encontro com Silveira Pinto. No entanto, trocou banquetes com o Governador Gregório Pegado. Por não ter conseguido a planejada negociação, Silveira Pinto foi, nos finais do ano, transferido para Lisboa11. Qi Ying referiu este acontecimento no seu memorial ao trono, com a data de 17 de Julho, nos seguintes termos:
  "Ao chegar a Macau, fui calorosamente recebido pelo Governador português Greg'orio Pegado, junto com o Procurador. O ex-Governador Silveira Pinto que estava prestes a voltar ao seu pais apresentou-me um ofício, em que fez o pedido da autorização para ir ao Norte. Recebido este pedido, fiz todo o possível para convencê-lo dedesistir desta ideia, pelo que não se atreveu a insistir nesta questão."12
  Em relação a este acontecimento, um estudioso português assinala:
  "Todo este incidente acabou por ter um profundo significado político. O que estava aqui em causa era a estratégia imperial em impor que os assuntos de Macau fossem discutidos apenas ao nível regional como tinha sido a prática até aí seguida. Deste modo, o Império podia mais facilmente continuar a exercer a sua influência política sobre o território, impedindo a viabilização de um acordo que se transformasse num 'Tratado de Nanquim' assinado pelo governo de Lisboa."13
  Se se puder afirmar que este procedimento de Qi Ying teria sido um acto de grande prudência e inteligência por ter conseguido controlar o poder político de Macau a nível regional, num tradicional molde que se tinha usado até essa altura, ele, dotado de ricas experiências nos negócios estrangeiros, não teve uma visão correcta e completa da situação internacional, e menosprezou a ambição e a força dos portugueses de Macau. Após a sua visita a Macau, elaborou um relatório bastante detalhado, em que analisou e comentou a situação de Macau nos seguintes termos:
  "O Vosso humilde vassalo, Qiying, transferiu-se logo para Guangdong. Por ter de tratar dos negócios com os americanos, ficou duas dezenas de dias em Macau, que lhe proporcionaram uma oportunidade de averiguar as circunstâncias em que vivem os bárbaros.
  Macau é um território à beira-mar muito afastado, onde os nossos súbditos e bárbaros vivem misturados. No terreno que se estende entre a Porta do Cerco e a Porta de St~_° António existem muitas povoações: a saber, Tiancheng, Longtian, Longhuan, Wangxia, Shiqiang, Xinqiao, Boyu, Shagang, que são 8 ao todo, albergando 819 famílias. A terra está cheia de terrenos cultivados, casas e túmulos. A fortaleza, construída pelos bárbaros, chama-se Guia. Ergue-se no cume de uma colina à beira-mar e não ocupa terras de habitantes locais. Dentro da Porta de St° Antónioespalham-se edifícios bárbaros, onde se concentram gentes de Xiyang14, no entanto, em 3 lugares tais como Lushi, Meisha, Patane existem, no meio dos bárbaros, casas chinesas, onde vivem 464 famílias. Como as propriedades são herdadas dos seus antepassados, não estão sujeitas ao pagamento de contribuições bárbaras. Dizem que esta situação já perdura há mais de 300 anos. A população bárbara em Macau, conta, neste momento, com mais de 4 mil habitantes de ambos os sexos. De acordo com o censo do 19° ano [1839], a população chinesa é de 4928 habitantes. Pelo acima exposto, Macau é uma terra onde vivem, lado a lado, chineses e bárbaros. Não se trata duma terra onde só se estabeleceram bárbaros. Se dizemos que os terrenos fora da Porta de St° António pertencem a chineses, cabe perguntar: porque é que os bárbaros construíram lá fortaleza? Se a zona dentro da dita porta é dos bárbaros, porque é que os chineses têm lá casas para alugar?
  Verifica-se que a presença por aforamento de Xiyang em Haojing15 data da extinta Dinastia Ming [1368-1644], não tendo esta um rigoroso controlo sobre esta situação, pelo que as fronteiras não se encontram bem delimitadas. A nossa Dinastia exerce um controlo mais restrito sobre eles. Dado o statu quo persistente até agora, não tomámos a iniciativa de mudar a situação. Ao tomarmos a Porta de St° António como limite, já cometemos um erro. Este procedimento era só para estabelecer a diferença entre as duas comunidades. Não será necessário que se desloquem fortificações fora da Porta de St° António, nem que se removam as casas chinesas dentro dela. Deixem as coisas como estão, para que as duas comunidades vivam em boa vizinhança. Toda e qualquer terra na cidade, ou pertence a chineses, ou a bárbaros. Os bárbaros não poderão apoderar-se de terras chinesas, fora das suas fronteiras, nem o mesmo poderão fazer os chineses em relação aos bárbaros. A população chinesa de Macau é mais numerosa do que a bárbara, de modo que temos os bárbaros na mão. Acontece que os bárbaros vivem exclusivamente do comércio, por não terem terrenos agrícolas, e o fornecimento dos produtos de primeira necessidade depende do interior chinês. Mal se corta o fornecimento, os bárbaros encontram-se emapuros, razão pela qual não se atreveriam a ocupar terras chinesas provocando o descontentamento popular geral.
  Os edifícios bárbaros, que são grandiosos, destinavam-se a arrendamento. Dos comerciantes bárbaros que viviam em Macau, 70% ou 80% eram ingleses. Com a fundação de Hong Kong como refúgio destes, todos saíram para lá, levando consigo até comerciantes indianos, o que deixa a maioria das casas macaenses desocupadas. Perdendo esta fonte de rendimento, os bárbaros macaenses estão preocupados com a falta de verbas para restaurar casas em ruínas. No entanto, não chegavam ao ponto de perder todos os meios de vida, para que alimentassem também a ambição pelas terras fora da Porta de St° António. Disso cita-se só um caso. A Porta do Cerco, situada fora da Porta de St° António, uma vez destruída pelos bárbaros ingleses, quase caiu em ruínas. Só foi restaurada com donativos dos habitantes por apelo das autoridades locais. Os bárbaros macaenses não levantaram nenhuma objecção em relação a este acontecimento, ainda liquidando, sem atraso, a totalidade dos 500 taéis do foro.
  Eu, e outros vossos vassalos, somos da opinião de que os bárbaros macaenses são diferentes dos bárbaros ingleses, americanos e franceses, que não têm residência fixa, o que toma difícil o seu controlo. Ainda é fácil controlar os de Macau, dada a sua presença multissecular na China. Mas só se consegue um controlo eficaz ganhando o seu coração com o fim de os sujeitar ao nosso molde sem dar lugar a casos imprevistos."16
  Nessa altura, um Portugal a braços com dificuldades tanto no plano nacional como no plano internacional, começou a moldar uma nova política ultramarina e a inclinar-se mais para a África, sem ter mais possibilidade de se preocupar com a Ásia. No entanto, já não "é fácil controlar os de Macau," e muito menos, podia-se evitar "dar lugar a casos imprevistos." Portugal, ao reformular a sua política da administração de Macau, desistiu da ideia duma solução negocial sobre a questão de Macau, e mudou, unilateral e radicalmente, o estatuto deste território para se adaptar às drásticas mudanças em curso no Extremo-Oriente. Em 20 de Setembro de 1844, Dona Maria II, alegando a necessidade de tornar mais flexível o aparelho administrativo, decretou17 a separação de Macau datutela do Governo Geral do Estado da 'India, de que resultou a criação da Província de Macau, Timor e Solor, com a sede provincial em Macau. A Província de Macau, Timor e Solor possui o mesmo estatuto da Província de São Tomé e Príncipe, passando a ter um Governador Geral, residente em Macau, e um Governador Subalterno, para Timor e Solor. Junto do Governador Geral funciona um Conselho de Governo, composto por quatro chefes das repartições judicial, militar, fiscal e eclesiástica e mais dois membros escolhidos pelo Governador que são o Presidente do Leal Senado e o Procurador da Cidade (Artigo 4) para auxiliar o Governador na sua jurisdição. As competências do Governador e do Conselho de Governo são definidas pelo Decreto de 7 de Dezembro de 1836 e pelo de 28 de Setembro de 1838 (Artigo 5). Além disso, era necessário criar a Junta de Província para tomar conta das finanças públicas. A Câmara Munícipal funciona em conformidade com o Código Administrativo. Após a criação da Junta de Província, toda a contabilidade da Tesouraria de Estado passaria à sua competência (Artigo 6). Ganhou forma a intervenção político-adminìstrativa da parte do poder central português na gestão de Macau, através do Governador da sua nomeação.

2.2. Início da aplicação duma política colonial


  Embora a Corte da Dinastia Qing (1644-1911), recusando a exigência extraterritorial portuguesa, tivesse passado a considerar Macau como um porto chinês com privilégios especiais, o Minístro da Marinha e Ultramar, Joaquim José Falcão, não ficou nada satisfeito com as negociações sobre Macau, de modo a solicitar ao seu Governador um relatório para dar conta à Rainha da situação real de Macau. Antes de recebido o relatório pedido e sem perceber das desastrosas consequências que este procedimento pudesse trazer a Macau, as autoridades de Lisboa não perderam tempo em tentar obter um estatuto igual ao de Hong Kong para Macau. Segundo o diário de José da Silva Carvalho, um político eminente do séc. XIX, em 13 de Novembro de 1845 Joaquim José Falcão informava o Conselho de Estado nos seguintes termos:
  "[...] em consequência do novo estabelecimento que os Ingleses tinham feito em Hong Kong, dando grande vantagem e facilidade ao comércio que ali se fazia, tinham os nossos estabelecimentos deMacau sofrido tanto que não poderiam com as despesas que o Governo era obrigado a fazer ali, que havia um grande déficit, e que aquele estabelecimento estava a ponto de perder-se se não lhe acudissem já, como estavam autorizados pela lei de Maio de 1843, que os autorizava a tomarem para o Ultramar aquelas providências que a urgência demandava; e que o Governo se lembrara do estabelecimento de um porto franco, concedendo as mesmas vantagens ao comércio que os Ingleses concediam em Hong Kong, fazendo o Governo os regulamentos necessários, com algum favor à nossa bandeira, e fazendo aquelas modificações que fossem necessárias e convenientes, e que tinha ouvido uma comissão que nisso concordava e cujos trabalhos apresentava."18
  No Conselho de Estado aprovou-se a resolução no sentido de franquear o porto de Macau19. Em 20 de Novembro do mesmo ano, D. Maria II decretou a franquia do porto de Macau, abrindo-o aos barcos de todas as nações, com vista a fomentar e desenvolver o seu comércio. O plano da Rainha vinha a ser paulatinamente realizado com a chegada a Macau do Governador Ferreira do Amaral, em Abril de 1846, e a consequente aplicação de toda uma série de políticas coloniais.
  Como foi referido, a estratégia de respaldar com forças armadas as negociações com a China, lançada na Memória Especial do Governador José Gregório Pegado, foi aceite e Ferreira do Amaral, dotado com a "energia do seu carácter" e o "seu patriotismo", foi a melhor escolha que o Governo Português alguma vez podia ter feito para Governador de Macau, a fim de pôr em prática esta estratégia. Nas instruções entregues a Ferreira do Amaral, Joaquim José Falcão escrevia:
  "Se na época em que Macau abundava de recursos por não haver na China outro algum estabelecimento semelhante que lhe disputasse o monopólio do comércio daquela região, o seu governocarecia ser confiado a pessoas de muita capacidade e prudência que soubessem apreciar devidamente a especialidade das suas circunstâncias, do seu regime e da sua posição melindrosa em relação ao Império da China, hoje, que pela abertura dos Portos daquele Império ao comércio de todas as Nações mudou inteiramente de face a situação de Macau, que o comércio de que esta Cidade era o único empório se pode agora fazer directamente para os ditos portos abertos, e que ainda as vantagens que do trânsito das mercadorias destinadas àquele comércio lhe podiam resultar lhe são disputadas pelo novo Estabelecimento inglês de Hong Kong. Hoje que esta Cidade cujos rendimentos em outro tempo excediam consideravelmente a sua despesa, aliás tão excessiva e desnecessária, se tem visto reduzida por aquelas causas a não poder satisfazer sequer metade dos encargos que pagam sobre o seu cofre. Hoje, finalmente, que, por assim dizer, Macau é um estabelecimento a refundir e criar de novo inteiramente, reconhecerá V. Senhoria quão graves e difíceis são as circunstancias em que vai dirigir a sua Administração e quão grande deve ser a confiança que S.M. deposita no saber e na experiência de V.Sa, na energia do seu caraícter e no seu patriotismo, para incumbir a V. Sa de tão importante e honrosa comissão e para esperar que V. Sa superará todas as dificuldades que no seu desempenho possa encontrar."  "os passos tão desacertados dos Portugueses não provêm senão do desejo de quererem imitar o que fazem os Ingleses em Hong Kong sem se lembrarem de que Macau é lugar aforado pelos Portugueses para sua habitação, confinando ao Norte e Este com montanhas, e ao20
  Devido às instruções lisboetas no sentido de franquear o porto de Macau, abolir a alfândega portuguesa, aumentar a receita e reduzir as despesas públicas, ao assumir as funções como Governador de Macau, a primeira medida que Ferreira do Amaral tomou foi impor fiscalidade aos habitantes de aquém da Porta do Cerco e deixar de pagar o foro em Fevereiro de 1849 ao Governo Imperial.
  Passado meio ano da sua chegada a Macau, isto é, em 12 de Setembro, mandou impor o registo obrigatório na Capitania do Porto de Macau a toda a embarcação ancorada no território e o pagamento de uma pataca mensal. Em relação à sua política fiscal, apareceu em Macau um pasquim do-seguinte teor:
  "os passos tão desacertados dos Portugueses não provêm senão do desejo de quererem imitar o que fazem os Ingleses em Hong Kong sem se lembrarem de que Macau é lugar aforado pelos Portugueses para sua habitação, confinando ao Norte e Este com montanhas, e aoSul e Oeste com o mar. Que o que eles possuem é só o que se acha marcado, afora do qual nada mais têm, quanto mais que para governar os Chinas há Mandarins do Distrito e para fiscalizar as embarcações um comissário do Hopu, [tudo] inteiramente diferente de Hong Kong. Por isso é muita falta de ponderação quererem os Portugueses confundir e pôr Macau no mesmo pé Nascendo nós os Chinas num século florescente e sendo homens pacíficos, jamais poderemos sofrer calados tantos ultrajes e vexações. Eis porque nos reunimos todos para deliberarmos e representarmos os Mandarins Superiores, a fim de que os Portugueses sejam ordenados a observar os antigos regulamentos e não ocasionar desordens".21
  Por esta causa, o Leal Senado mandou em 27 de Fevereiro do ano seguinte um ofício ao Ministério da Marinha, a lembrar-lhe das possíveis consequências desastrosas que esta medida fiscal para com a comunidade chinesa pudesse provocar:
  "nem é sem fundamento que geralmente se receia que eles só pagarão sendo forçados, como foram os donos dos faitiões em oito de Outubro último, e este mesmo facto está provando que os Chinas não se submeterão pacificamente a um tributo que sabem que por direito nenhum podem ser obrigados a pagar. Eles vivem em Macau debaixo do seu próprio governo e não são sujeitos às nossas leis, como os estrangeiros aqui estabelecidos. Donde se vê que não podem ser reputados estrangeiros nem tratados como tais. Acresce que os Chinas pagam ao seu próprio Governo tributos de toda a indústria que exercem em Macau. A vista disto, não pode este Leal Senado compreender como é que se pretende obrigá-los a pagar tributos ao Governo Português, sem violar os mais comuns princípios de equidade e a fé dos tratados tão religiosamente guardada pelos Portugueses há três séculos e sem arriscar um rompimento em todas as nossas amigáveis relações com o Governo Chinês [...]"22
  O Bispo de Macau, Jerónimo da Mata, considerado como rincipal apoiante da política colonial de Ferreira do Amaral, pôs ledo na ferida, recordando o motivo pelo qual os chineses recusavan agar impostos ao Governo Português: "por seu congenial orgulho e fraquez nssa, de facto e de direito, se reputavam por livres e independentes do domíniportuguês"23. O próprio Ferreira do Amaral começou por alegar que "[...] ele jamais consentiria que sejam desobedientes e menosprezadas as Autoridades Portuguesas constituídas nesta Cidade, cujo território está debaixo do domínio Português, tanto pelo foro que pagamos ao Governo Chinês, como pelo último tratado de 1844, sancionado pelo Imperador."24 Perante a oposição da comunidade chinesa e a intervenção do Mandarim da Casa Branca25, Ferreira do Amaral adoptou umas medidas de amedrontamento, a fim de criar uma situação em que toda a gente se sentisse ameaçada. Segundo um relatório que ele mandou para Lisboa, um mandarim, ao receber o pedido da comunidade chinesa de Macau no sentido de fazer abolir a contribuição portuguesa, deu uma resposta com o seguinte teor: "que se não quisessem pagar impostos aos Portugueses, que saíssem de Macau porque o Império era bastante extenso; mas que os que quisessem ficar deviam submeter-se aos regulamentos de Macau"26. Por isso, Ferreira do Amaral julgava "que as autoridades chinesas, apesar do seu orgulho e bons desejos de continuar a exercer absoluto poder sobre os Chinas de Macau e sobre nós mesmos, não podem em público negar o direito que nós temos a governar Macau e a impor tributos aos que queiram gozar da protecção do Governo Português"27
  Em relação à suspensão do pagamento do foro ao Governo Chinês, a opinião de António Vasconcelos de Saldanha difere da generalidade dos historiadores. No seu entender, "o Governador nunca tomou a decisão objectiva de interromper o pagamento do foro", "[...] repetimo-lo, não nasceu, assim, da decisão objectiva de o abolir, mas do facto simples de que, reclamado anualmente em chapa do Mandarim de Xiangshan, Ferreira do Amaral fez devolver, por abrir, a dita chapa, em obediência ao princípio que acabara de impor depois da questão das bátegas de que o Governador só mantinha relações ou correspondência com o zuotang e com o Vice-Rei de Cantão."28 A estratégia de Ferreira do Amaral é uma "autonomia comprada", "porque é com a paga e reconhecimento deste mesmo foro que eu tenho convencido as autoridades chinas que não têm direito a exercer jurisdição em Macau".29
  A fim de reforçar a autoridade da Administração Portuguesa, o segundo passo dado por Ferreira do Amaral foi decidir em 27 de Fevereiro de 1847 a construção de uma estrada que ia dar à zona da Porta do Cerco. Para tal ordenou a mudança de túmulos chineses, a fim de criar um facto consumado para expandir o território de Macau para o Norte. De facto, um pedido no mesmo sentido já fora apresentado por Gregório Pegado a Qi Ying, que o recusara:
  "Por se haverem pedido demasiadas explicações a respeito da fixação do terreno que nos deve pertencer e que sempre foi considerado até à Porta do Cerco, sem oposição alguma he que hoje estamos desenganados de o podermos obter, como he de justiça; não porque importe às Autoridades Chinas, que se chame Nosso mais um pedaço de terreno, mas sim porque o povo China que habita esta Península sumamente respeitador das cinzas de seus maiores, desconfiou que a nossa pretensão que eles julgarão nova e estranha; se dirigia a querermos entender com o grande numero de sepulturas que existem entre os Muros da cidade, e a Porta do Cerco, para ali edificarmos; o que se assim acontecesse seria causa de alguma espantosa revolta; e por isso correrão logo a representar ao Suntó contra essa concessão; e por estes motivos tão somente, o que o Suntó me disse que, se era seu amigo, lhe não falasse mais nisso [...]"30
  No entanto, Ferreira do Amaral valeu-se precisamente duns toques nos pontos mais sensíveis da mentalidade da comunidade chinesa para sondar a posição do Governo da Dinastia Qing em relação ao exercício do direito de administração de Macau. No mesmo dia em que ele mandou fixar os editais para a mudança de túmulos e a construção da estrada, o mandarim do Distrito de Xiangshan31 obrigou o Procurador a suspender as obras, lembrar-lhe que os portugueses deviam estar gratos às mercês de terem podido residir tantos anos lá e não exorbitar desse acordo "porquanto isto não somente seria faltar à boa fé, mas implicará também os ânimos de todo o povo chinês de Macau e um acto destes não só é contrário às Leis do Império, mas também à boa razão e excitaria o ódio tanto na alma dos mortos, como na dos vivos. A mútua harmonia ficará abalada e o renome de boa fé e obediência que há tantos séculos se tem mantido perderá os Portugueses num momento"32. Mas, Ferreira do Amaral insistia na suadecisão, julgando que "depois dela concluída já não ficará dúvida que nos pertence o terreno para cá da Barreira. A pouco e pouco irei sacudindo o jugo que se faz vergonhoso para o Governo Português"33. O Governo Português, ao tomar conhecimento do sucedido, além de o aprovar perfeitamente, cobriu o seu mentor com estes termos muito elogiosos: "a oportunidade, acerto e firmeza com que nas respostas aos ditos mandarins demonstrou e fez patente o direito que se pretendia contestar da Coroa Portuguesa à posse de todo o terreno da Península de Macau, aquém da Barreira"34. Em 1 de Abril de 1848, Ferreira do Amaral mandou publicar outro edital, cheio de sofismas e num tom que era mais dum senhorio que dum inquilino, numa tentativa de aportuguesar todo o terreno da Porta do Cerco para Macau:
  "havendo grande número de Chinas apropriado de terrenos em Macau, aquém da porta do limite, tirando até agora proveito da sua agricultura, sem poderem apresentar títulos pelos quais mostrem direito a esse terreno, que, pertencendo aos Portugueses, só pode estar em seu poder por desleixo de um e usurpação de outros. E não querendo o Governo Português privar os Chinas dos terrenos por eles agricultados, nem tão pouco continuar a tolerar que os Chinas se julguem com direito a estes terrenos só porque lançaram mão deles, ordeno que todos os Chinas que até à data deste estejam gozando de terrenos agricultados em Macau, se apresentem por si ou por seus procuradores na Procuratura, no prazo de 15 dias da data da publicação deste edital, a fim de que se lhes dê um título que legalize a sua posse, na certeza de que os que não se apresentarem no supradito prazo ficar-se-á entendendo que abandonarão o terreno usurpado, que ficará, assim como são os baldios, pertencente à Fazenda".35
  O Mandarim da Casa Branca36 tomou umas medidas "dente por dente e olho por olho". Em 20 de Abril, ele ordenou a toda a comunidade chinesa residente em Macau que solicitasse os títulos de propriedade dos terrenos e pagasse os foros em atraso. Perante esta situação, Ferreira do Amaral não se deu por vencido, além de ter enviado efectivos para reforçar o controlo dos pontos estratégicos fora da cidade, em defesa de alguma possível rebelião chinesa e, em 27, mandou Macau, Caixa de 1847.dar a conhecer outra medida, "a evitar que os Chinas de Macau continuem a cometer arbitrariedades em se apoderarem de terrenos e fabricarem ali, a seu belo prazer, casas de pedra e cal ou barracas de palha, sem dar satisfação alguma às autoridades", e passou a impor que, ~_<<ora em diante, querendo qualquer China fabricar casas ou barracas em Macau, não o poderá fazer sem prévia licença deste Governo"37 Em 5 de Maio, Ferreira do Amaral mandou publicar outro edital onde garantia aos Chineses "não serem obrigados a pagar foro às Autoridades Chinesas e somente ao Governo Português"38
  Deste modo, Ferreira do Amaral, com medidas coactivas, às vezes sedutoras e às vezes intimidatórias, mas progressivamente mais apertadas, conseguiu criar factos consumados, que lhe permitiram expandir o território de Macau e reforçar a Administração Portuguesa. De facto, já em 6 de Maio de 1847 ele avisou repentinamente Qi Ying de que iria ser levantado um forte na Taipa para defesa contra a pirataria. Tratava-se dum plano de há muito tempo sonhado pelos portugueses, que já fazia parte dos 9 pontos apresentados pelo Leal Senado em 1843. Gregório Pegado tentou hastear a bandeira portuguesa em 1844 na Taipa, o que foi recusado por Qi Ying39. Ferreira do Amaral voltou a tocar nesta questão, achandoque a ocupação da Ilha da Taipa constituir-se-ia assim como uma "grande vantagem para Macau porque, além de dominar todo o ancoradouro, evita que outras nações negoceiem com os Chineses a aquisição desta ilha, o que faria perder toda a importância deste estabelecimento".40
  Qi Ying, apesar da sua oposição inicial, acabou por reconhecer o facto consumado, após o emissário dele ter verificado na Taipa que lá os portugueses já possuíam um forte para abrigo de 5 ou 6 soldados: "o terreno não estava dentro dos limites dos Portugueses, contudo anuí às reiteradas requisições do Nobre Governador e com toda a satisfação permiti que se erguesse ali uma casa para soldados, para mostrar assim que desejo ser sócio no doce e no amargo [...]"41
  Ferreira do Amaral, uma vez descoberta a debilidade de Qi Ying, passou a apresentar pedidos cada vez mais ambiciosos, nomeadamente no que dizia respeito às águas territoriais:
  "A Península de Macau foi concedida aos Portugueses em compensação de relevantes serviços que os nossos antigos navegadores fizeram ao Império [...] se pois a Península de Macau foi concedida aos Portugueses, claro está que também o foram os mares que a banham, até à distância onde cursarem os canhões das nossas fortalezas".42
  Para atingir este objectivo, Ferreira do Amaral decidiu pôr em prática a medida mais melindrosa da sua governação: a abolição do Hopu. Os portugueses eram bem conscientes de que a política do porto franco não era compatível com a presença do Hopu, pois Hopu não era apenas uma organização de carácter fiscal, mas também uma instituição política.
  "(O Hopu) tinha o prestígio da antiguidade e a força de muito poderio. As atribuições de completa alfândega juntava, como quase todas as repartições públicas do Império, uma certa alçada de castigos que lhe deixava prender e açoitar quantos chinas lhe caíam em desgraça. Situado no meio do bazar e fiscalizando todo o comércio que aí se fazia, tinha este Hopu inteiro conhecimento de todos os negociantes chineses que residiam em Macau, e não era possível a estes manifestar-lhe desafecto, em favor da independência do nosso Yang-Kuo, DSEJ e Fundação Macau, 1995, Vol. I/II, p. 304.)domínio, sem arriscarem à perseguição e vingança dos mandarins as suas relações de comércio ou de famûia com o território chinês".43
  Ferreira do Amaral levou algum tempo a lançar mão a este "cravo nos olhos", pois ele estava bem consciente do abalo que a expulsão do Hopu pudesse causar. Estava à espera de melhores oportunidades para colocar esta questão. Aproveitando-se das circunstâncias em que as autoridades cantonesas estavam de todo empenhadas na entrada dos ingleses, em Cantão, a 16 de Fevereiro de 1849, Ferreira do Amaral abordava finalmente a questão do Hopu junto do Vice-Rei Xu Guangjing44, fazendo-lhe notar que se "motivos de conveniência comercial fizeram com que noutros tempos os negociantes portugueses pedissem um Hopu para Macau", "e porque deixando de existir a Alfândega Portuguesa não é possível tolerar-se uma Alfândega estrangeira, eu muito desejaria que V.Exa mandasse retirar o Hopu o que decerto mostrava que verdadeiramente reina a harmonia que eu não desejo ver alterada".45
  Xu Guangjing não ficou nada contente com esta abordagem e mandou em 25 um ofício a Ferreira do Amaral, em que sublinhou que "os regulamentos antigos não podem ser arbitrariamente alterados, que as autoridades chinesas, seus empregados públicos e seus estatutos não devem ser tratados de rudes e ridicularizados [já] que pode então ser alterada a paz".46 Ferreira do Amaral não ligou importância nenhuma à advertência de Xu Guangjing e chegou a expulsar o pessoal do Hopu Pequeno na Praia Grande e destruir toda a construção. Mais tarde, em 5 de Março, mandou publicar um edital a encerrar oficialmente o Hopu Grande na Praia Pequena:
  "[...] havendo Sua Majestade a Rainha de Portugal decretado o Porto Franco e por conseguinte deixado de existir a Alfândega Portuguesa, não é possível tolerar-se por mais tempo uma alfândega estrangeira, onde se continua a cobrar direitos das fazendas, comestíveis, materiais e outros artigos de uso, pela maior parte já pagos dos direitos e outras despesas no lugar da exportação ou pelo trânsito das vigias. Hei portanto conveniente declarar que, depois deoito dias a contar desta data [...] nenhuma cobrança desde essa data em diante se consentirá pelos Hopus nesta Cidade."47
  Ferreira do Amaral não perdeu tempo em mandar soldados para encerrar todos os Hopus. Em 13, os restantes funcionários chineses também foram expulsos, o que obrigou o Governo Chinês a deixar de exercer a soberania e a jurisdição sobre Macau e fechou neste território um ciclo de condomínio sino-estrangeiro, que durara mais de 300 anos. Mais tarde, quando Ferreira do Amaral oficiou a Xu Guangjing para justificar as suas autoritárias medidas à força, disse:
  "Antigamente a nação portuguesa era a única que gozava de certos privilégios na China, mas depois dos tratados, todos os antigos regulamentos e convenções entre a China e Portugal caducaram porque ou. eles continham artigos mais favoráveis que os dos tratados e nós não os podíamos gozar sem que os Ingleses e as mais nações tivessem direito a eles, ou eles eram menos favoráveis e não nos serviam a nós porque a Nação Portuguesa, só porque é uma aliada de 3 séculos e porque tinha sempre sido a Nação mais favorecida, não podia tornar-se de repente a Nação menos considerada [...] O Governo Português, que teve durante quase três séculos provas nada equívocas de que a Nação Portuguesa merecia a atenção do Governo Chinês conjuntamente com a simpatia do povo, esperava que mesmo sem se socorrer dos direitos que lhe pertenciam em comum com os tratados com a Inglaterra, que as autoridades chinesas proporcionassem meios de fazer prosperar o amigo que se conservou constante durante duas dinastias".48
  Disso Xu Guangjing, Vice-Rei dos dois Guangs, apresentou um memorial ao trono, em que informava o Imperador de que "os bárbaros ingleses vêm sendo cada vez mais arrogantes, e os Portugueses querem seguir o exemplo deles. Na 2a lua deste ano, quando os ingleses estavam para invadir a cidade de Cantão, o cacique bárbaro Amaral mandou-nos uma nota a alegar que já que não havia Alfândega Chinesa em Hong Kong, a nossa Alfândega em Macau devia ser retirada, querendo, como os Ingleses, acreditar um Cônsul em Cantão. O vosso humilde vassalo, Xu Guangjin, respondeu-lhe dizendo que, como Daxiyangguo não tinha comércio em Cantão, não havia razão para ter um Cônsul em Cantão, a não ser por uma questão de vaidade. A Alfândega de Macau, que játinha muitos anos de existência, nunca tinha causado problema algum. O que Amaral pedia ia destruir uma instituição antiga. Era do conhecimento geral que esse país vinha vivendo numa penúria cada vez mais angustiante. Caso fizesse e desfizesse como estava a acontecer, os comerciantes tanto Chineses como estrangeiros, descontentes, iriam reagir duma maneira imprevista, o que podia provocar-lhe mais desgostos. Amaral, antes de avançar com o que pretendia, devia repensar nas suas consequências. Aconteceu que este Amaral, um indivíduo invulgarmente arrogante e manhoso, apareceu na Alfândega de Macau, de repente, no 17°o dia da 2a lua, [11/3/1849], rodeado de uma dezena de soldados, e mandou encerrá-la expulsando todos os funcionários." Por isso, ele tentou a política de controlo dos bárbaros através dos comerciantes chineses ao avisar a comunidade comercial chinesa de Macau para "criar outro porto comercial. Caso estes grandes armazenistas mudem as suas sedes, os pequenos fariam o mesmo; deixando Macau sem comércio nenhum. Deste modo, sem gastar nem um centavo nem expedição militar, daremos um cheque-mate a Macau. "49
  Perante esta situação, Ferreira do Amaral actuou segundo o velho princípio de "dente por dente e olho por olho". "Governar Amaral thereupon, on April 25°th, issued a proclamation to 'the chinese inhabitants of Macao and its suburbs as far as the Barrier, who may possess landed property, that if they remove without a previous licence from the Procurador's office, their property wil be immediately taken possession of by the gavrnmment as abandoned.' This did not prevent the most substantial traders from going, while it irritated the inhabitants and landholders. They combined, as is their wont, and, by the hands of others or themselves, executed their muderous designs, and washed away their injuries in the blood of their enemy."50
  "No 5°o dia da 7a lua, Amaral, Governador de Xiyang (Portugal), foi assassinado fora da Porta de S. António, à tarde, quando voltava dum passeio a cavalo à Porta do Cerco. Os assassinos fugiram com a cabeça e a mão da vítima. Os bárbaros aprisionaram imediatamente três soldados nossos na Porta do Cerco. O Procurador de Macau veio pelo sucedido, com o pedido de que, com a maior brevidade possível, fossem capturados os assassinos." O aldeão Sheng Zhiliang, autor do assassinato, reconheceu o crime perante Xu Guangjing ao dizer que "Amaral, Governador de Xiyang, era um tirano que mandou cadastrar as lojas, impondo-lhes contribuições. Qualquer pessoa que recusasse pagar osimpostos era logo açoitada pela soldadesca às ordens de Amaral. Além disso, mandou rasgar estradas fora da Porta de S. António, arrasando assim várias sepulturas, por onde agora passam as vias, entre as quais as dos antepassados do assassino. Decidiu, assim, levado pela vingança, acabar com o tirano. No 5°o dia da 7a lua, ouviu dizer a bárbaros de terra que Amaral iria nessa tarde passear a cavalo à Porta do Cerco, sem muita guarda de escolta. O assassino conseguiu então uma faca bem afiada e convidou Guo Yuan, Li Chenbao, um tal de apelido Zhou e outro de apelido Chen, para o auxiliarem no ataque. Esperaram todos por Amaral, que, pela tarde, apareceu a cavalo. O assassino, com a faca escondida num guarda sol, tentou falar com a vítima como lhe pedisse justiça, ao modo dos bárbaros. Amaral estendeu a mão para receber a queixa. O atacante, puxando da faca, cortou-lhe logo a mão, de modo que o atacado caiu do cavalo. Cortaram-lhe a cabeça e desmembraram-lhe o braço. Os atacantes puseram-se em fuga. Oferecendo aos antepassados humilhados os despojos do corpo de Amaral, vingaram-se dele."51
  Desde sempre, a boa vizinhança com a China foi o talismã da presença portuguesa em Macau. Neste contexto, as medidas autoritárias de Ferreira do Amaral também prejudicaram os interesses adquiridos por alguns membros da sociedade portuguesa de Macau. Como referimos, o Leal Senado sendo o mais enérgico opositor da política hostil à China de Ferreira do Amaral, chegou a queixar-se dele ao Ministério da Marinha e Ultramar. Depois de Ferreira do Amaral ter encerrado o Hopu e destruído as repartições chinesas, um português gritou: "Acabou Macau!"52 Este Governador que fazia e desfazia, chegou ao ponto de dissolver o Leal Senado, "acusando os ex-senadores de falta de lealdade e patriotismo."53
  Ferreira do Amaral, que tinha posto Macau, durante a sua governação, nos mesmos termos das colónias portuguesas africanas, deixou a comunidade chinesa indignada com os seus actos. Porém, o seu assassínio deixou os portugueses tão abalados, lamentando a perda dum dos seus semelhantes, que decidiram vingar-se. Para tal conseguiram a solidariedade das potências ocidentais, sobretudo dos ingleses, e desencadearam ataques contra a Porta do Cerco e o Passaleão. As autoridades de Cantão, receosas do escalar dos conflitos, após algum tempo de expediente dilatório, mandaram executar "em sinal de justiça" Sheng Zhiliang e outros co-autores e restituíram a cabeça e o braço de Ferreira do Amaral, satisfazendo os pedidos na nota portuguesa54. O despacho a vermelhão que o Imperador Daoguang pôsno memorial ao trono de Xu Guangjing e outros reza assim: "O que foi feito, considero-o muito adequado. Que felicidade eu ter funcionários tão competentes como vós, pilares da minha corte!"55
  A aplicação das autoritárias medidas coloniais de Ferreira do Amaral, têm que ver com o seu cruel carácter e também têm que ver com a debilidade e recuo do Vice-Rei de Cantão, mas ao fim e ao .cabo, deveu-se principalmente à conjuntura internacional dessa altura, o que um estudioso português, com toda a franqueza, reconhece:
  "A debilidade do Império face à agressão ocidental, liderada pela Inglaterra, permitiu a Ferreira do Amaral tomar medidas que há muito eram redamadas pela élite política e económica do território -- mas à qual sempre faltou a necessária coragem política para as tornar numa realidade.
  A força de Ferreira do Amaral foi resultado da conjugação das fraquezas conjunturais da China e das características pessoais do próprio Governador. Por outro lado, Lisboa soube nomear o homem certo para governação de Macau, [...]
  Contudo, Macau sentiu ser possível governar o Estabelecimento duma maneira diferente: a autonomia da cidade não tinha de ser fatalmente hipotecada ao poder imperial que a China sempre soube impar a fim de tirar proveito económico da presença portuguesa e de modo a controlar o seu quotidiano político."56
  H.B. Morse também afirma que "it appeared to the Chinese that Portugal was not entided to claim any exceptional privileges. She was creeping in under the aegis of the greater powers, as so many of the minor powers have done since then, and was claiming, because of the prestige of others, concessions which China would not have granted, even to the greater powers, except from the actual or potential display of predominating force. Kiying had gone to Peking, however, and there was no statesmanship left at Canton; and, instead of boldly resisting this act of aggression, or calling in the aid of diplomacy and the intemention of other and friendly powers, the Canton authorities either encouraged, or, at the least, permitted, the use of subterranean methods to defeat the purpose of the Portuguese. It must be remembered, however, that the rules of international law were new to them; and, throughout the latter half of the nineteenth century, instances were common where Chinese officials were timid in claiming even their undoubted rights, lest they might unwittingly infringe some of the rules of the new method."57
  Após a ocupação paulatina de toda a península de Macau, as autoridades portuguesas do território ocuparam as ilhas da Taipa e Coloane, respectivamente em 1851 e 1864. O plano da D. Maria II de conquistar a soberania de Macau vinha a tornar-se realidade. "Apenas faltava o reconhecimento dessa situação pelo próprio império chinês."58 Com o assassinato de Ferreira do Amaral, a comunidade portuguesa ficou exaltada. Houve quem advogasse o abandono de Macau. Não faltouquem contestasse fortemente esta ideia, propondo desencadear uma guerra contra a China, à procura de perdão, indemnização e reconhecimento da parte da China, mas levando em consideração o facto de que "os cofres públicos estão vazios; sem fruto havemos recorrido a empréstimos voluntários, e aos forçados, seja entre Portugueses, seja entre Chinos, não é possível recorrer aqui, porque o seu único resultado seria obrigar a retirar-se daqui a pouca gente que se julga ter alguma fortuna, que se emprega no comércio e que mantém a classe pobre e desvalida [...] a não recorrermos a algum arbítrio que nos deva habilitar para prevenir com regulares pagamentos a desconsideração e desobediência dos governados, fácil é de prever que nos conduzirá em [tal estado de coisas] a alguma tragédia ou catástrofe, que são as ordinárias consequências da indisciplina e miséria na tropa e no público [...]"59 O governo de Lisboa, após ter medido os prós e os contras, aprovou e confirmou as medidas levadas a efeito por Ferreira do Amaral, no entanto, não tinha a mínima intenção de lançar uma guerra contra a China:
  "[...] (o Governador Ferreira do Amaral) pondo em execução o Decreto de 20 de Novembro de 1845 que tornou franco o Porto de Macau, estabelecendo, segundo as instruções que lhe foram dadas, um novo sistema de contribuições, como tomava necessária a supressão da Alfândega, única fonte, até aí, da receita pública, reformando em vários pontos os outros ramos da Administração e reduzindo por essas reformas as despesas dela a menos de dois terços do que antes consumia.
  Já nas medidas de administração interior, tinha ele excitado o ressentimento e a má vontade das autoridades chinesas, tão pouco habituadas a verem contrariados os seus caprichos e interesses, pois que, apesar de todos os seus ardis e cavilosas maquinações, não puderam estorvar que aquele Governador pusesse um freio às rapinas e extorsões que elas exerciam sobre a população chinesa de Macau, nem impedir que esta fosse obrigada a contribuir para as despesas públicas do Estabelecimento de que fazem parte e aonde exercem as diferentes indústrias de que vivem. Mas esta indisposição das autoridades chinesas aumentou extraordinariamente quando o mesmo Governador, desempenhando a segunda parte da sua missão, deu começo á reivindicação da independência política de Macau. A posse do Porto da Taipa, como ponto dependente do território de Macau; aerecção aí de uma casa forte, aonde foi arvorada a Bandeira Portuguesa; a recuperação do território usurpado pelos Chineses entre a Porta do Campo e a Porta do Cerco, que marca os limites da possessão Portuguesa; a suspensão do pagamento dos direitos de tonelagem, chamados -- medição -- que abusivamente se cobrava dos Navios Portugueses que entravam no Porto português de Macau; a expulsão daquela Cidade dos Hopus ou Alfândegas Chinesas, que tão bem abusivamente ali tinham sido introduzidas, e que, depois da declaração, do porto franco, eram duplicadamente intoleráveis; e, finalmente, a proibição de certas demonstrações de autoridade com que os Mandarins Chineses costumavam entrar em Macau e a repressão vigorosa de alguns atentados cometidos por Chinas. Tudo isto irritou sobremaneira as autoridades chinesas porque, não podendo contestar com boas razões o direito com que eram exercidos aqueles actos, não podiam resignar-se de boamente à quebra que em seus interesses pessoais produziam alguns deles. A história de todos estes actos, que V.Ex.a mais circunstanciadamente poderá ver e estudar nos registos e arquivos do Governo de Macau, e as circunstâncias que precederam e se seguiram ao traiçoeiro assassinato do Governador Amaral, como V.Exa observará da sucinta narração feita pelo Conselho do Governo daquele estabelecimento, no ofício que junto envio por cópia, fazem entrar o Governo de S.M. na suspeita de que aquele crime não perpetrado sem conhecimento de algumas das autoridades chinesas, se não é que por elas foi surdamente promovido.
  Qualquer, porém, que fosse a sua origem, é preciso que o Governo Chinês nos dê uma demonstração solene da sua reprovação por um semelhante atentado, infligindo o devido castigo nos seus perpetradores, e que ao mesmo tempo nos faça a conveniente reparação pela não provocada agressão que as suas tropas fizeram aos soldados Portugueses que guarneciam as Portas do Cerco, depois que ela fora abandonada pela guarnição chinesa. O Governo de S.M. não intenta fazer a guerra à China, e muito menos se da parte daquele País não tiverem prosseguido as hostilidades começadas por uma parte das suas forças, mas quer que se lhe dirijam sobre aqueles dois objectos reclamações enérgicas e positivas, e que estas sejam acompanhadas - tanto quanto o permitirem os meios postos à disposição de V. Ex.a -das demonstrações que as possam tomar eficazes."60
  Um ano mais tarde, levando em consideração a situação de Macau após a morte do Governador Alexandrino da Cunha61, que cumpriu uma pequena pane do seu mandato, e as discussões internas da comunidade portuguesa, o Ministro da Marinha e Ultramar realçou o seguinte:
  "Convencido, como o mostra estar o Conselho do Governo, de que só quando se apresentar com força diante dos Chinas é que eles se prestarão a dar-nos a devida satisfação pelos insultos que nos tem feito. Mas que também reconhece que, se pelo desenvolvimento dessas forças, os Chinas se não prestarem à devida satisfação, como é possível, haverá forçosa necessidade de recorrer às hostilidades que, de alguma maneira, os firam nos seus interesses comerciais, o que nos envolverá decerto numa guerra cujas consequências podem ser ainda mais fatais ao Estabelecimento, do que a inacção em que tem permanecido, acrescendo que não pode o Governo, segundo a Carta, provocar por esse modo uma guerra sem grandes responsabilidades suas. Em presença do que é forçoso, por agora, segurar o Estabelecimento, procedendo para o futuro em conformidade com as resoluções que a este respeito se tomar em Conselho de Estado [...]"62
  Até o próprio Bispo Jerónimo da Mata, que tivera uma posição sempre dura para com a China, acabou por reconhecer a necessidade de que "por meio de algum convénio ou tratado se restabeleçam as antigas relações amigáveis com o Governo Chinês", porque a independência de Macau "ainda não bem definida por falta de comum acordo entre os dois Governos, Português e Chinês, está sendo assegurada pela força armada", e "providenciando-se somente a segurança de Macau, mandando colocar aqui uma força, sem fazer o Tratado, Macau não será mais que uma praça d'armas, enquanto houver meios de a pagar, mas nunca terá comércio estável". Por isso, "assim no sentido político, como no comercial, moral, religioso e financeiro, e muito é de temer que em breve se complete a inteira ruína deste Estabelecimento". Para melhorar esta situação, a solução possível é que "[...] decidido, pois, como parece estar pelos factos, que devemos renunciar à ideia de hostilizar abertamente o Governo Chinês, do qual tínhamos a exigir satisfações, é suma e urgentemente necessário entrar com o ditoGoverno em negociações e ajustes que tirem este Estabelecimento da posição violenta e incontestável em que se acha."63

3. Negociações sino-portuguesas em torno do estatuto político-jurídico de Macau.


3.1. Negociações sino-portuguesas e as suas contendas


  Embora Portugal tenha conseguido, de facto e unilateralmente, a soberania de Macau, mediante a força, carecia do formal reconhecimento chinês da situação, de modo que o estatuto político-jurídico de Macau, a partir dos meados do séc. XIX, continuava por ser esclarecido, o que não permitia aos portugueses exercer com eficácia os direitos soberanos em Macau. As autoridades locais de Cantão continuavam a exercer jurisdição sobre os casos criminais e cíveis da maioria dos habitantes chineses. O que espantou sobremaneira as autoridades portuguesas foi o facto de que, com aplicação da franquia do porto de Macau, Macau se viu privado dos direitos alfandegários das importações e exportações, que lhe serviam de base de sobrevivência. A sua situação económico-financeira andava de mal a pior, o que provocava muita queixa tanto na comunidade comercial como na civil. Seja comerciantes chineses seja famílias de macaenses saíram sucessivamente ou para a cidade de Cantão ou para Hong Kong, à procura de novas oportunidades comerciais, tornando, deste modo, Macau numa cidade quase vazia64. Nesta conjuntura, tornou-se urgente entabular negociações com a Corte Celestial manchu para deixar definido o estatuto político-jurídico e comercial, além de conseguir as mesmas vantagens e interesses comerciais de outras potências com presença na China. Aliás, a conjuntura internacional dessa altura favorecia uma acção portuguesa. A respeito disso, um jurista português salienta:
  "A segunda metade do século XIX, veio a revelar-se indicada para obter esse reconhecimento. Derrotada e humilhada, após a Guerra do Ópio, a China viu-se obrigada a abrir os seus portos aocomércio internacional. Todas as potências ocidentais procuraram aproveitar este momento de fraqueza da nação chinesa para celebrar com ela, em condições anormalmente favoráveis para elas, tratados de "amizade e comércio'. França, Inglaterra, Estados Unidos e Rússia não perderam tempo e rapidamente alcançaram os seus objectivos."65
  Neste contexto, em 1862, Portugal mandou Isidoro Francisco Guimar~æs66 como o seu enviado especial para iniciar as negociações com a China para um tratado de amizade e comércio. De facto, este próprio Isidoro Francisco Guimar~æs, pouco tempo depois da sua posse do cargo de Governador de Macau em 1852, teve ocasião de oficiar a Lisboa, declarando crer "firmemente que logo que o Governo Chinês se veja desassombrado daqueles inimigos terríveis [os Taiping], não deixará de se voltar para nós, porque o ódio lá está vivo sob a capa da proverbial dissimulação chinesa, como o fogo escondido debaixo da espessa cinza [...]67. Era bem sabido que enquanto Xu Guangjing fosse o Vice-Rei de Cantão "nada se conseguirá sem destruir tudo o que fez o Governador Amaral para tomar independente este Estabelecimento e dar ao Governo Chinês uma satisfação completa pela expulsão do Hopu"68.
  Perante este impasse, o Governador de Macau tentou mostrar-se amigo do Vice-Rei de Cantão, numa tentativa de conseguir a sua compreensão para uma reconciliação. No entanto, Xu Guangjing lançou condições básicas para a normalização das relações luso-chinesas: restaurar o pagamento do foro, restabelecer a alfândega chinesa em condições favoráveis, restaurar o antigo regime fiscal, as autoridades portuguesas  deixarem  de  exercer jurisdição  sobre  o s chineses, e por último, as autoridades chinesas passarem ao controlo das receitas dos novos jogos para reforçar os seus poderes.69 Tudo isto era resultado das medidas coloniais que Ferreira do Amaral implementou, o que tornou, sem dúvida, as negociações posteriores muito difíceis. Em 1859, Isidoro Francisco Guimar~æs solicitou a intervenção dos ministros inglês e francês na China para iniciar oprocesso negocial com a Corte da Dinastia Qing. Mas, à partida de Isidoro Francisco Guimar~æs, o Governo de Lisboa conseguiu, através do seu ministro na Rússia, uma cópia do Tratado Sino-Russo e a promessa russa no sentido de ordenar ao seu ministro na China a prestar toda a assistência à causa portuguesa70.
  A Corte Imperial também mudou a sua ideia inicial de não se dignar celebrar qualquer tratado que fosse com um pequeno país como Portugal. Segundo a análise de um estudo, isto verificou-se porque, desde os anos 60 do século XIX, o Império do Meio já percebera que, mediante os princípios e instrumentos da diplomacia ocidental e do direito internacional, poderia defender a soberania chinesa. A celebração de tratados seria uma das vias para conter as ambições desmesuradas expansionistas das potências ocidentais71. Na realidade, o Zongligeguoshiwuyamen72, vulgo Zongliyamen, criado nos inícios de 1861, para se encarregar dos negócios estrangeiros com as nações ocidentais, já constitui uma prova de que a Corte da Manchúria estava a abandonar, pouco a pouco, o sinocentrismo, baseado na diplomacia tributária, para adoptar uma atitude mais pragmática em relação ao estrangeiro, apesar de esta mudança não ser identificada e aceite pela maioria dos funcionários imperiais. Mais tarde, as potências ocidentais recuaram um pouco na sua arrogância, quando desafiadas pelos fortes sentimentos e actos xenófobos dos Boxers. No caso concreto de Macau, as dificuldades que enfrentavam os portugueses mereceram atenção e preocupação da parte da Corte da Dinastia Qing, disso temos referência neste memorial ao trono do Príncipe Gong:
  "Todo o comércio de Macau encontra-se num depressão cada dia mais marcante, pelo que as autoridades locais deixaram de se perguntar de há muito tempo. São inúmeros os males, tais como fugas fiscais, encobrimento de alevantados e refugiados, tráfico de pessoas e transgressões das leis. À vista disto, a China não tem por onde intervir, [...]"73
  No entanto, a posição da Corte Chinesa, receptiva às negociações, não fora tomada sem condições prévias, aliás com uns condicionalismos mais rigorosos do que os oferecidos a outras potências. O Príncipe Gong, que liderou as conversações, ao reiterar a posição do Vice-Rei de Cantão destacava "que Macau devia continuar sob a alçada das autoridades administrativas e fiscais chinesas. O pagamento dum foro de chão anual na ordem de dezena de mil taéis de prata era condição sine qua non da celebração," comunicando ao Imperador que "todos os artigos estão bem negociados, dos quais, quanto aos artigos de comércio, o mais importante é o artigo sobre a residência dum agente daquele país em Pequim. Já ficou combinado que o agente português não poderia ter residência permanente em Pequim como os agentes de outras nações. A sua ida a Pequim deveria ser justificada por algo que realmente exige tal e não mais do que uma vez por ano. Quanto à nomeação de Cônsul, muitas vezes este cargo é acumulado por comerciantes, o que dá lugar a muitos problemas. Nos tratados feitos até ao momento, nunca deixámos de discutir este tema e sempre insistimos em que isto conste dos tratados. Nenhum país quer aceitar a inserção deste artigo no corpo do tratado, pelo que geralmente é regulado por uma nota à parte, com declaração expressa a esse respeito. Foi o que aconteceu à Prússia. Nestas diligências com o enviado português, o vosso humilde vassalo Heng Qi e outros, após muitas discussões, insistiram em que isto conste do tratado luso-chinês. Será acrescentado ao tratado um artigo que permite à China fazer residir agentes seus em Macau; o resto é igual a todos os tratados em vigor."74
  Isidoro Francisco Guimar~æs, uma vez considerada minada a sua missão, fala sobre estas condições num relatório redigido em 3 de Setembro em Shanghai. Mesmo mediante muitas discussões, o delegado da Corte de Pequim, Heng Qi75 insistia na sua posição: "Declarava, porém, já mais tarde que o seu Governo nenhuma intenção tinha de nos privar-da posse de Macau, pois que era muito respeitável o título de antiguidade d'aquelle estabelecimento, mas que ir, sem motivo algum, reconhecer n'um tratado a completa independência de uma porção do território chinez, era acto por tal forma indecoroso que nem elle nem ninguem quereria aceitar-lhe a responsabilidade. Do restabelecimento do hoppu já então se não fallava."76
  Pondo de parte a questão da soberania de Macau, em 13 de Agosto de 1862, foi assinado o primeiro Tratado de Amizade e Comércioentre a China e Portugal, vulgo Tratado de Daxiyangguo, nas fontes chinesas. O Artigo 54.° determina:
  "As ratificações do presente tratado, por Sua Majestade Fidelíssima El-Rei de Portugal e Sua Majestade o Imperador da China, serão trocadas em Tien-tsin, no praso de dois anos, contados da data da assignatura. "77
  Em 14 de Abril do ano seguinte, a Corte portuguesa aprovou o Tratado e mandou o novo Governador de Macau, José Rodrigues Coelho do Amaral,78 como Ministro Plenipotenciário para vir à China proceder à troca das ratificações do mesmo. Ao chegar, em 20 de Maio de 1864, a Tianjin, oficiou ao Príncipe Gong para celebrar a troca das ratificações do tratado. Xue Huan79, ministro do Zongliyamen, e Chong Hou80, Ministro-Superintendente dos três Portos, na sua qualidade de comissários imperiais para o efeito, reuniram-se com o enviado português em 17 de Junho. Eles apresentaram um memorial ao trono do seguinte teor:
  "O Enviado de Daxiyang apareceu na data marcada na Repartição. Trocámos os nossos respectivos plenos poderes, que achamos em boa e devida forma. O enviado de Daxiyang pediu logo a ratificação. Mas respondemos-lhe que o tratado ainda não contava com o bom visto do nosso Grande Imperador, por ter ainda pontos que deveriam ser discutidos. O enviado de Daxiyang alegou que o tratado já fora autorizado pelo seu Monarca, razão pela qual qualquer alteração que se quisesse introduzir seria só após a ratificação. Pelas suas palavras, percebemos logo a sua evidente intenção de nos enganar, isto é, ao conseguir a ratificação, voltaria com o pedido de autorização para frequentar os portos situados a oeste de Macau e recusaria qualquer alteração que nós queiramos introduzir no texto, alegando que o texto, uma vez ratificado, é inalterável. Eu e outros vossos humildes vassalos replicamos que os pontos que queremos apresentar a uma nova discussão não são propriamente alterações. Já que ele está disposto a alterar alguns pontos após a ratificação, por que é que nós não podemos introduzir algumas alterações antes da ratificação? O enviado, vendo quedificilmente seria concretizado o seu engano, passou a dizer que, pelo facto de a China não ter trazido o texto para ser ratificado, a China não estava disposta a proceder à ratificação e foi-se embora, contrariado. "81
  Para a Corte da Dinastia Qing, a maior polémica residia numa passagem do artigo n°9: "Sua Majestade o Imperador da China poderá nomear, pois, se lhe convier, um agente para residir em Macau, e ali tratar dos negócios comerciais e vigiar pela observância dos regulamentos. Este agente, porém, deverá ser manchu ou china, e ter a graduação de quarta ou quinta ordem. Os seus poderes serão iguais aos dos cônsules de França, Inglaterra, América, ou de outras nações, que residem em Macau e Hongkong e ali tratam dos seus negócios públicos, arvorando a bandeira nacional". Por isso, os dois enviados extraordinários da Corte Imperial "antes da sua viagem, analisaram a fundo a situação com o Presidente do Zongliyamen. Urgia tomar medidas para recusar as exigências excessivas do enviado de Daxiyang e para lhe refrear um pouco a arrogância. Após amadurecidas análises, acharam conveniente discutir com o enviado de Daxiyang a possibilidade de alterar a expressão: 'os funcionários Chineses nomeados para Macau terão os mesmos estatutos dos Cônsules de outros países acreditados em Macau', com o objectivo de impedir de vez qualquer intenção de apresentar exigências excessivas."82 Mas José Rodrigues Coelho do Amaral, que Chong Hou e Xue Huan classificavam de "temperamento irritável," considerado por alguns portugueses como uma personagem sem um perfil ideal para as negociações, sem conhecimentos suficientes da mentalidade chinesa, não ligou nenhuma importância aos representantes chineses, suspendendo as conversações e voltou apressadamente para Macau.
  Antes da sua viagem de regresso a Macau, José Rodrigues Coelho do Amaral mandou uma circular ao corpo diplomático acreditado na China, em que acusava os delegados imperiais de voltar com a palavra atrás, o que mereceu uma refutação implacável da Corte Chinesa. De facto, o próprio José Rodrigues Coelho do Amaral, ao chegar a Macau, descobriu também, através de uma tradução feita por José Martinho Marques, passagens susceptíveis de polémica, tais como no artigo n° 9:
  "Continuar-se-ha da parte do Grande Imperador da China segundo lhe convier, a nomear, como d'antes, empregado (ou empregados) para residir em Macau e tratar dos assuntos attinentesao commercio geral, e vigiar sobre a observância dos regulamentos (do tratado)"
e no artigo n° 2:
  "Tudo quanto tem antes existido attinente às mútuas relações das duas nações chineza e portugueza, e que foi anteriormente tratado em Macau de Cantão por uma e outra autoridade em qualquer tempo ou logar, embora esteja esse convénio impresso ou escripto, ou tenha sido feito só de uma vez, fica tudo nullo e de nenhum vigor, devendo de ora avante prevalecer só este tratado ".
  As palavras "como d'antes" e "em Macau de Cantão" constantes destes dois artigos, traduzem de certa forma uma restauração do antigo regime da presença oficial chinesa em Macau. Renasceu-lhe o desejo de reiniciar o processo negocial. Como os representantes de ambos os países se despediram num clima pouco agradável e dadas as muitas divergências na acreditação de funcionários chineses em Macau, a troca das ratificações tinha poucas possibilidades, de modo que â primeira tentativa portuguesa no sentido de conseguir, mediante um tratado internacional, a soberania de Macau da parte do governo chinês sofrera um revés.
  Apesar dos esforços dos portugueses, como até essa altura sempre tinham feito, no sentido de conseguir apoio ocidental à sua posição, a Inglaterra, França e a Rússia, achavam José Rodrigues Coelho do Amaral pouco prudente nos seus actos. O Ministro português na Rússia tinha a mesma opinião, ao propor de novo a Lisboa o reinício das negociações conducentes às ratificações, recomenda: "se a negociação for conduzida pelo nosso Governador de Macau, aconselhe-se-lhe muita moderação, muito espírito de conciliação, excessiva polidez e uma grande seriedade [...]"83
  José Maria da Ponte e Horta84, novo Governador de Macau, quando oficiou a Casal Ribeiro, Ministro dos Negócios Estrangeiros, dois meses atrás, era de opinião de que "Os chineses não consentiram -- se é de crer que venham jamais a consentir, a não ser sob a pressão de imperiosos acontecimentos -- na cedência gratuita de um território cuja posse jurídica eles têm sempre sustentado com tanta obstinação como insucesso."85 Nesta situação, ele propôs três soluções possíveis para Portugal86:
  a) deixar as negociações com o Governo Imperial "no statu quo em que hoje se acham e esperar do tempo ensejo propício para entabular mais seguras negociações."
  b) prosseguir com decisão "nas que se acham pendentes, conquanto por este caminho jamais se possa esperar um desenlace definitivo da contenda".
  c) "mudar de táctica, alterar com arte a redacção dos dois artigos controvertidos, e assim, modificado o tratado, propô-lo de novo à aprovação do Império fazendo influir neste nosso empenho a influência no Oriente das potências europeias nossas aliadas."87
  As autoridades de Lisboa aceitaram a primeira alternativa, não obstante, estavam preparadas para a imediata adopção da terceira. Nos inícios de 1867, Zongliyamen, após ter recebido o ofício português em que se dava a conhecer a nomeação de José Maria da Ponte e Horta como Ministro Plenipotenciário de Portugal na China, mostrou-se disposto a iniciar novos contactos para as ratificações. José Maria da Ponte e Horta reagiu imediata e positivamente à iniciativa chinesa. No entanto, as diligências à volta dos artigos n° 2 e 9 não deixam de existir. Mesmo com a repetida troca de correspondência entre ambas as partes, não se conheceram progressos na solução deste impasse. Mais tarde, José Maria da Ponte e Horta perdeu a paciência, chegando a julgar que o texto do Tratado estava mal redigido logo no início. Em 9 de Maio do mesmo ano, num ofício que dirigira ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, perguntava: "Cônsul ou mandarim, que importa o nome? Se ele viria de necessidade exercer em Macau, onde a população dominante é China, uma influência perniciosa que seria pouco conducente à autonomia da nossa colónia!"88 Por isso, ele propôs que se retirassem os artigos polémicos.
  A China também estava cansada duma discussão arrastada e infrutífera. Já que não existia nenhuma esperança da saída do impasse da situação, procurou-se encontrar outras possíveis soluções.

3.2. O projecto da recuperação de Macau, da Dinastia Qing


  Com a demora sine die das ratificações, o banditismo e o contrabando em Hong Kong e Macau tornaram-se cada dia mais Caixa 950, Pasta 1866.intensos, o que levou as autoridades chinesas a adoptar medidas preventivas nas zonas vizinhas a Hong Kong e Macau. Disso o Príncipe Gong, Presidente do Zongliyamen, memorizou ao Imperador:
  "No Inverno do ano passado, o Inspector Geral das Alfândegas Imperiais da China Sir Robert Hart falou-nos, vossos humildes funcionários, sobre a inevitável decadência de Macau, que possam fornecer-nos uma oportunidade para recuperar a nossa soberania sobre Macau, através duma recompensação pecuniária. Nós julgamos que Macau, desde a extinta Dinastia Ming (1368-1644), está sob ocupação portuguesa. Dada a sua presença militar com fortificações e efectivos e a existência de construções feitas sem nossa autorização, que chegam a albergar mais de mil famílias, caso recuperarmos Macau para a nossa soberania, seria indispensável instituir um poder administrativo chinês. Não podemos exercer a jurisdição sobre Macau enquanto os portugueses não nos entregarem as estruturas militares e administrativas e não procederem à retirada das tropas de Macau.
  A discórdia, que levou muito tempo a ser discutida, sobre a soberania de Macau, está na origem do fracasso da missão dos nossos representantes. Seria extremamente difícil acrescentar mais cláusulas ao Tratado. Devemos avaliar minuciosamente os prós e os contras.
  Macau era uma praça muito importante do comércio entre a China e o resto do mundo. Com a ocupação de Hong Kong pelos ingleses, Macau perdeu muitos dos seus privilégios. Macau prejudica mais a parte oriental da Província de Guangdong do que Hong Kong. Se por acaso pudermos recuperar Macau para a nossa administração, tudo estará sob o nosso controlo, sem obstrução. Estabelecer-se-ão postos alfandegários para combater a fuga de direitos. Poder-se-á reprimir quem dê guarida a fugitivos. Proceder-se-á à fiscalização do tráfico de pessoas. Por se encontrar perto de Hong Kong, com a presença da nossa força naval, teremos o acesso ao alto mar e estaremos numa posição privilegiada para obter qualquer informação. A receita proveniente de direitos, impostos e contribuições prediais será um dado adquirido, embora menos significante em relação ao que foi exposto anteriormente.
  Sabemos que outras nações que têm relações comerciais connosco, tais como a França, os EUA, a Rússia e a Pníssia, de fortes recursos, não deixarão de cobiçar Macau. Não estará excluídaa hipótese de que Macau seja adquirido por alguma destas potências para a tomar numa praça militar. Se conseguirmos conduzir com sucesso o processo negocial, poderiam não fazer caso das nossas proibições, mas estaremos numa posição de levar a cabo uma intervenção quando for necessário. Caso contrário, sofreremos as graves consequências desta situação. Nós, vossos humildes funcionários, através de discussões e consultas, procurámos, durante já muito tempo, soluções para esta situação, não demos até agora com uma escapatória.
  Na primavera deste ano, aquando da saída de Dom Sinibaldo de Más, Ministro Plenipotenciário de Espanha na China, do seu cargo, o Inspector Geral Sir Robert Hart teve um encontro secreto com o diplomata cessante, com quem abordou esta questão. Dom Sinibaldo de Más é um grande conhecedor de Portugal, o que o colocaria numa situação privilegiada para falar sobre uma eventual transferência do poder administrativo de Macau, incluindo a entrega das estruturas militares de Macau, em troca duma indemnização da parte da China. Após a transferência de poderes, a China exercerá a plena soberania sobre Macau."89
  A proposta de Sir Robert Hart, Inspector Geral das Alfândegas Chinesas, tinha que ver com o seu desejo de completar a política alfandegária, de que ele era o principal mentor e executor, e com o aumento do seu vencimento e bónus. Não estando totalmente satisfeito com o Tratado de 1862 e sendo testemunha do descontentamento da Corte da Dinastia Qing e fora dela, em relação aos actos expansionistas incessantes portugueses, lançou esta proposta que poderia atingir outro objectivo -- evitar a perda de Macau na mão de outras potências ocidentais: dado o apuro económico e financeiro em que se encontrava Portugal, que, segundo diziam, estar interessado em vender algumas das suas colónias para remediar a situação. Pelo memorial ao trono do Príncipe Gong, sabemos que o maior receio da Corte Imperial seria a alienação de Macau a terceiros.
  O espanhol Sinibaldo de Más y Sans, com larga experiência vivida na China, além de ser residente em Macau, era um grande conhecedor tanto da China como de Portugal, e gozava duma elevada fama no meio diplomático europeu. A escolha dele como executor do projecto da recuperação de Macau não poderia ser melhor. O próprio PríncipeGong era de opinião de que "Qualquer contacto oficial costuma ser infrutífero, razão pela qual, após uma deliberação colectiva deste Ministério, instruímos Don Sinibaldo de Más no sentido de se encarregar também da aquisição de Macau, o que já foi aceite pelo enviado. Parece-nos uma medida de ‘matar dois coelhos duma cajadada'. Seria escusado expor as vantagens de nomear estrangeiros, peritos em negociações, como nossos enviados."90 Por isso, "Serão introduzidas alterações, conforme este plano, nos 54 artigos do Tratado, no que se refere a Macau. E será feita uma convenção, apensa ao Tratado, sobre a entrega das estruturas tanto militar como administrativa de Macau à China. Agora, segue-se uma cópia do Tratado, já com as devidas alterações, para Don Sinibaldo de Más, recomendando-o a assinar o texto, caso Portugal não levantar nenhuma objecção a nenhum artigo. Disponibilizar-se-á uma quantia de um milhão de taéis de prata como pagamento a Portugal pela retirada da presença militar e entrega das fortificações de Macau. Além disso, o Ministro Plenipotenciário Don Sinibaldo de Más e o Inspector Geral das Alfândegas Imperiais da China Sir Robert Hart receberão 300 mil ta~''eis de prata para custear as despesas decorridas deste processo."91
  Nas credenciais que se concederam a Sinibaldo de Más y Sans, a Corte da China deixou bem clara a sua intenção:
  "Verificamos que Macau fazia parte do território chinês. De há muito tempo que os portugueses vivem lá por aforamento, pagando uma anuidade de 500 taéis de prata. Os portugueses construíram lá repartições públicas e fortificações entre outras estruturas. Agora, a China pretende nomear funcionários seus para governar esta terra como dantes exercendo a soberania sobre ela. Caso não oferecermos indemnizações proporcionais às despesas com as obras, os portugueses sairão com muitas perdas, de modo que pretendemos pedir a transferência de fortalezas, repartições civis e militares, quartéis, todas as infraestruturas públicas construídas pelos portugueses, assim como todo o material bélico existente, pontes e o sistema viário para a competência de funcionários chineses que a China nomeará para Macau à troca dum determinado valor pecuniário como indemnização para os custos das construções portuguesas. Uma vez liquidada a verba a ser combinada, Portugal retirará toda a função pública e a presença militar de Macau sem mais poder mandar para lá pessoal seu. Todos os assuntos, tais comoa administração pública, o estabelecimento de postos alfandegários e a cobrança de direitos passarão a exclusiva competência da China, nos quais Portugal não terá mais intervenção. Doravante, as relações luso-chinesas em Macau serão regidas pelos regulamentos em vigor nos portos chineses abertos ao comércio estrangeiro."92
  Angariar fundos para estes projectos, foi um bicho de sete cabeças para o Príncipe Gong. O erário do Estado estava vazio, "Além disso, como é um processo sob sigilo, toma-se mais difícil a angariação da verba necessária para a sua realização, pelo que consultámos o Inspector Geral, Sir Robert Hart. Segundo este, a única solução seria contrair empréstimos com comerciantes estrangeiros residentes nos portos abertos ao comércio estrangeiro. O juro que se pratica actualmente é 10%, um empréstimo de um milhão de taéis de prata será liquidado ao fim de um ano por um milhão e quatrocentos e cinquenta e seis mil taéis de prata, enquanto o de dois anos será apenas um milhão e quinhentos e trinta e quatro mil taéis de prata. Comparando as duas modalidades, achamos que a segunda é mais viável por ter um prazo mais largo."93
  O Imperador Tongzhi despachou favoravelmente este projecto. Aconteceu que Sinibaldo de Más y Sans veio a falecer em Madrid, o que levou o Príncipe Gong a tornar a propor:
  "Gostaríamos saber se entregaríamos este caso ao Embaixador com a categoria de ministro itinerante, a Anson Burlingame ou a James Ducan Campbell ou reiniciaríamos o processo quando Portugal mandar o seu enviado para este efeito, que se dignem honrar-nos com vossas respostas.
  Eu, e outros humildes vassalos vossos, somos de opinião de que Anson Burlingame é o enviado para os países com que a China tem relações diplomáticas, cuja missão ainda está em curso, e James Ducan Campbell, sendo adjunto, não lhe conviria continuar com a missão. Já que agora Don Sinibaldo de Más faleceu sem deixar quem lhe possa suceder, além disso, tanto Portugal como outras nações não têm conhecimento desta missão, poderíamos pôr de parte este, assunto á espera duma melhor altura para este tema, pelo que deve ser dada já ordem ao Inspector Geral das Alfândegas Chinesas, Sir Robert Hart, para que este ordene, mediante carta, a James Ducan Campbell a recolher as credenciais e outros documentos.Não seria preciso providenciar a verba necessária às despesas destas negociações.
  No 18° dia da 10a lua (21 de Novembro) chegaram ao nosso poder as credenciais e os documentos deste Yamen.
  Verificamos que o Tratado com Portugal, embora tenha sido negociado, pela discordância sobre Macau não chegou a ser ratificado. Quando a situação em Portugal se normalizar, virão a pedir o rein'icio das negociações, nessa altura poderemos dar seguimento a este processo."94
  Este projecto da recuperação de Macau, antes de ser apresentado a Portugal, morreu antes de nascer.

3.3. A celebração do Tratado de Amizade e Comércio entre a China e Portugal


  Com o Tratado de Amizade e Comércio entre a China e Portugal pendente, o estatuto de Macau continuava por ser definido, o que fazia com que Macau sofresse de muitos problemas. Perante esta situação, o Vice-Rei de Cantão e o Governador de Macau, nos anos 70 e 80 do século XIX, sempre tiveram contactos entre si em torno das relações entre os dois territórios, que se poderiam resumir no seguinte: expansão extraterritorial incessante portuguesa, imposição portuguesa da décima territorial à comunidade chinesa, tentativa de ocupação da Ribeirinha, fiscalidade imposta aos comerciantes e à sociedade civil, frequentes conflitos à volta da jurisdição do domínio terrestre e marítimo. Tudo isto, além de provocar indignação na comunidade chinesa de Macau, dava motivos de preocupação às autoridades locais de Cantão.
  Os sucessivos governadores de Macau, tiveram o ardente desejo de definir o estatuto político-jurídico de Macau para melhorar a sua administração. Em 1872, o Governador Januário Correia de Almeida oficiou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros a solicitar instruções para as ratificações. Baseando-se na realidade, o Governador propôs:
  "Nós não precisamos de fazer inscrever núm artigo especial a declaração da completa cessão do território de Macau à coroa portugueza, e tem sido a meu ver um erro a insisência n'esse ponto, tanto mais quanto é sabido que o governo chinez só à força de armasconseguiria n'um tratado de alienação, por mínima que fosse, de uma parte do território do celeste império."95
  No entanto, esta proposta não encontrou nenhuma reacção junto do Governo de Lisboa. Em 1880, o Governador de Macau, Joaquim José da Graça, após se encontrar com o Vice-Rei de Cantão, fez uma proposta no mesmo sentido às autoridades centrais de Portugal. As instruções do Ministério dos Negócios Estrangeiros demoraram dois anos a chegar a Macau, para ele, devidamente credenciado, poder reiniciar o processo negocial. Em Janeiro de 1883, Joaquim José da Graça apresentou o novo texto do Tratado de 1862 ao Zongliyamen, juntando-lhe o pedido de autorização para ir ao Norte para as negociações. Parece que o Governo da Dinastia Qing, ainda com um pé atrás em relação à intenção lusa, insistia em usar a versão de 1862, com a seguinte declaração: "Caso não se deixar bem assente a questão de acreditação de funcionários chineses em Macau, seriam inevitáveis conflitos futuros [...] Seria escusado discutir o projecto do Tratado que foi remetido desta vez"96 Pouco depois, Joaquim José da Graça foi exonerado e o processo negocial voltou à estaca zero.
  Tomás de Sousa Rosa, que lhe sucedeu, em Abril, no cargo de Governador, mal chegou a Macau encontrou a situação do território insuportável, que poderia acabar de um dia para outro num desastre da sua governação. A única solução para esta situação difícil seria conseguir formalizar o tratado com a China, apesar das muitas dificuldades que se lhe afiguravam. Tal oportunidade apareceu em 1886, quando Sir Robert Hart, Inspector Geral, esteve em Macau para discutir com ele a cooperação entre ambas as partes na fiscalização do contrabando do ópio. Aproveitando-se deste ensejo, Tomás de Sousa Rosa apresentou três condições -- uma das quais era permitir a Portugal possuir a soberania sobre Macau, em troca da cooperação portuguesa na repressão do contrabando do ópio. Sir Robert Hart, após discussões com Tomás de Sousa Rosa, solicitou instruções a Zongliyamen com o seguinte telegrama:
  "Primeiro: no que respeita ao estatuto de Macau, a China permitirá a Portugal ocupação perpétua e governo de Macau ou não; segundo: a China retirará os postos fiscais ou não; terceiro: se Portugal cumprir com o acordado, nessa altura quereria pediremprestada a Lapa. Qual seria a atitude chinesa em relação a este pedido. O Governador de Macau quer respostas a estas perguntas não importando que sejam positivas ou negativas."97
  Inicialmente, Sir Robert Hart não estava a contribuir duma maneira activa para a celebração do Tratado de Amizade e Comércio entre a China e Portugal. Ele estava mais interessado em propor à Corte de Pequim a recuperação pecuniária de Macau. Com a morte prematura do Projecto Emily e o contrabando do ópio cada dia mais descontrolado, que prejudicando seriamente a receita fiscal da Fazenda Imperial, Sir Robert Hart tentava reforçar a administração alfandegária, o que ia ao encontro da necessidade da Corte Chinesa, de aumentar as receitas das autoridades centrais, a fim de fazer frente às enormes despesas do Movimento da Ocidentalização. Para tal, em 18 de Julho de 1885, entre a China e a Inglaterra celebrou-se o Tratado de Yantai, que determinava que o ópio, uma vez liquidado todo o seu imposto, poderia ser livremente comercializado no interior da China.
  No entanto, segundo as pautas chinesas, as mercadorias que circulavam entre o continente e Hong Kong estavam sujeitas à tarifa das exportações e importações para produtos estrangeiros enquanto os artigos que se movimentam entre Macau e o interior da China pagam apenas os impostos para os produtos nacionais chineses. Em consequência disto, a fiscalidade para Hong Kong era mais pesada do que a que se destinava a Macau. Os ingleses, em defesa dos seus próprios interesses, solicitaram que os impostos para as duas terras fossem igualados. Caso Macau não participasse na fiscalização integrada do contrabando, Hong Kong não respeitaria o Tratado de Yantai, obrigando deste modo o governo da Dinastia Qing a resolver o problema de Macau com Portugal mediante negociações, a fim de criar relações de cooperação entre os dois países. Após a eclosão do conflito sino-francês em 1884, houve rumores generalizados de que a França estava disposta a adquirir Macau para a sua base militar com o objectivo de invadir o sul da China98. Perante esta situação, a Corte Imperial, bem receosa de que Macau pudesse cair na mão de terceiros, começou a ter vontade política de definir o estatuto de Macau mediante um tratado.Por isso, a primeira condição portuguesa que foi apresentada oportunamente foi tacitamente aceite pela Corte. Zhang Zhidong, no seu memorial ao trono, datado de 12 de Junho de 1887, assim descreve a situação: "Sendo Macau ocupada por Portugal já durante muitos anos, seria em vão que decretemos alguma proibição neste sentido. Vai ser uma coisa que só fica no papel, mais nada."99 As restantes duas condições foram objecto de enérgicas oposições tanto de dentro da Corte como de fora dela. Para avançar com este processo, Sir Robert Hart, que, gozando da confiança pessoal do Príncipe Gong, era o coordenador geral do processo, mandou o seu delegado James Duncan Campbell para iniciar negociações em Lisboa.
  Mediante uma leitura da correspondência confidencial trocada entre Sir Robert Hart e James Duncan Campbell, pode-se fazer uma ideia do processo negocial que este levou a efeito junto das autoridades portuguesas. Sir Robert Hart, que estava com pressa de pôr em prática o Tratado de Yantai, antes da partida de James Duncan Campbell para Lisboa, disse a Tomás de Sousa Rosa: "No que diz respeito à questão da Lapa, não há dúvida que agora devemos discutir bem este tema, [...] caso o Governo da China reconheça a administração portuguesa da Lapa antes ou depois da chegada de James Ducan Campbell a Lisboa."100 Tendo conhecimento das enérgicas reacções tanto de dentro da Corte da Dinastia Qing como de fora dela, Sir Robert Hart começou a ter mais cuidado com os pedidos portugueses. Numa carta dirigida de Hong Kong, em 12 de Setembro de 1886, a James Duncan Campbell, escreve: "The Yamen will probably consent to a Status Article in the Treaty recognising that Portugal occupies and govems Macao, and will also probably close the Customs Stations round Macao as long as Macao co-operates with China in Revenue matters affecting opium, but it does not now seem likely that China will cede, lend, or even lease the island known as The Lappa (or Tui-mien-shan) to Portugal."101 Por isso, ele desejava que o Governador de Macau desistisse da reivindicação sobre a Lapa:
  "The addition of the Lappa is impossible, but will you Portugal -- neglect this opportunity of making a friendly treaty -- getting your position in Macao itself recognised, and getting thestations round Macao, which can interfere so seriously not only with the prosperity, but the comfort of the place, closed?"102
  Inicialmente, Portugal insistia na reivindicação da ocupação da Lapa, mas "the Government here are not disposed to concede Lappa, and, unless Roza withdraws that request, we shall have to tackle the opium-work single-handed, without either H'Kong or Macao help -- unless indeed China throws up the 'additional article', which is not quite impossible, when things will go on as before. If we go to work single-handed, we'll do the work very thoroughly, and Macao will feel the operation!"103 Deste modo, Sir Robert Hart instruiu James Duncan Campbell no sentido de reiniciar o nado-morto Projecto Emily, isto é, a compra de Macau da mão portuguesa, quando assim o permitissem as circunstâncias. Só após muitos contactos, o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Henrique de Barros Gomes "was most desirous to come to a good understanding with China in order to secure good neighbourship with the protection of the Chinese revenue. The fundamental point however was the status of Macao which was a vital point for the Ministry and the Government; and then the wished to put an end forever to the troubles arising from a conflict of jurisdiction in the waters around Macau."104
  As negociações secretas desenvolvidas por James Duncan Campbell tinham o estatuto de Macau como o seu tema central, "the minister replied to the effect that both countries should have regard to their respective difficulties, and by mutual allawances for the same, endeavour to arrive at an understanding consistently with their national honour and susceptibilities"105. Nessa altura, as duas partes estavam a braços com as suas respectivas dificuldades. A Corte Chinesa, nomeadamente as autoridades locais de Cantão só esperavam contar com "effective revenue cooperation". Para além de se oporem à retirada dos postos fiscais vizinhos a Macau, insistiam em delimitar as fronteiras de Macau, no entanto, do lado português, "the Chambers, Press and Public were all aware that there was a Treaty under consideration with a Status Article, and to accept a Treaty not mentioning Macao would put everyone against the Ministry and result in it's fall"106. Tomás de Sousa Rosa, que conduziu as negociações, "said that, rather than accept such terms, it would be better for Portugal to abandon Macao altogether [...] On another occasion he remarked that Portugal had too many colonies and he did notthink Macao could ever recover its former prosperity. It was not therefore on account of its value that Portugal wished the Status Article etc."107
  James Duncan Campbell não perdeu tempo em relançar o Projecto Más para aumentar a capacidade negocial. Henrique de Barros Gomes, confrontado com as opiniões discordantes do Conselho, andava cansado de suportar as pressões da parte das Cortes e da opinião pública e estava ansioso por minar quanto antes este secreto processo negocial. Ambas as partes acabaram por chegar a um acordo que se traduziu na assinatura do Protocolo de Lisboa, verificada em 26 de Março de 1887, com as seguintes quatro cláusulas:
  "Art° 1°-- Um tratado de commércio e de amisade com a cláusula da nação mais favorecida será concluído e assignado em Pekim.
  Art° 2°-- A China confirma perpétua occupação e governo de Macau, e suas dependências por Portugal como qualquer outra possessão portugueza.
  Art° 3°-- Portugal obriga-se a nunca alienar Macau e suas dependências sem accordo com a China.
  Art° 4°-- Portugal obriga-se a cooperar com a China na cobrança do rendimento do ópio em Macau do mesmo modo que a Inglaterra em Hong Kong"108.
  James Duncan Campbell, ao esclarecer a Sir Robert Hart a razão de ser deste procedimento, disse que "I had urged a Protocol was unnecessary but the Minister had explained that it was impossible to give the necessary Royal Decree or send a Plenipotentiary unless the result of the negotiation was confirmed by a Protocol as in Paris. They must he said have an official document duly signed and executed by the agents of both Powers before publishing the Royal Decree and giving the order for the cooperation of Macao."109
  No terceiro dia da assinatura do Protocolo de Lisboa, a Agência Reuter emitiu um telegrama de Londres, em que anunciava que "a Convention has been signed between China and Portugal ceding Macao to Portugal"110. James Duncan Campbell, que ainda se encontrava em Lisboa, apercebeu-se das graves consequências duma errada interpretação do Protocolo recentemente assinado, e não tardou em esclarecer Sir Robert Hart ao dizer que "the minister considered that yourtelegram meant that the protocol should express the 'ideas' of the Tsung-li Yamen's basis and that the wording of the Protocol should show the essence of the agreement arrived at, after a negotiation that went back to the time of your opening the negotíation at Macao. I told him that I could not take the responsiblility of signing the protocol as so worded, and I specially objected to the addition to Clause 2 of the words 'as any other Portuguese terrítory'",111 e fez chegar uma cópia dum telegrama ditado pelo Ministro português dos Negócios Estrangeiros:
  "We have never designated and will not designate action as cession of territory but we cannot prevent ill intended or inspired Newspaper telegrams etc.. Governor has telegraphed he believes Hongkong Council may make objections to some points of arrangement which may delay decision for a manth. Portuguese Government has replied that pending Hongkong decision cooperation is not to commence Macao but when cooperation commences Hongkong it must immediately commence Macao. From myself, Minister has informed British Minister who has telegraphed Lord Salisbury. Just presented to King who expressed best thanks to you and best wishes for China etc."112
  Sir Robert Hart achou este processo muito bem conduzido, com bastante êxito: "The Hong Kong Ordinance and extra-Ordinance co-operation will be very useful to us; in retum for it we give England nothing, and it is promised us on one condition that Macao does likewise. Thus, what we give Macao is the price China pays for the co-operation of both places. As regards what we give Macao, it is very little for China to give but it is a very big thing for Portugal to get. The Portuguese have 'ocupied' Macao over three hundred, and have 'governed' it as a Portuguese colony over forty years; thus occupation and governent have long been and are to-day fact, and, while China has not done ought to disturb the situation, other powers have more or less recognised it by appointing consuls, etc. Of course China might and any day have tumed round on Portugal and made the continuation of such a state of affairs impossible: and that was a thing for Portugal to fear, and fearing, seek to avoid; what China has now done has been simply to say that she 'recognises' the situation and will not disturb it -- the 'fact' continues as before plus a ming-wen or document for Portugal, and plus friendly co-operation in opium revenue matters for China, and Portugal undertakes not to make a bad use of the ming-wen by alienating Macao without China's consent. The amour propre of both Governments has been fairly well cared for, -- and,otherwise, things are just as they were. So we may consider the transaction as a tolerably pretty and well-featured success."113
  No entanto, as autoridades locais de Cantão, lideradas pelo Vice-Rei de Cantão, tinham as suas dúvidas sobre o Protocolo. Zhang Zhidong, no seu supracitado memorial ao trono, baseando-se em sete preocupações -- que são angariação de fundos em detrimento da soberania chinesa, a situação confusa das fronteiras de Macau, a expansão extra- territorial portuguesa às escondidas, a situação indefinida da jurisdição sobre a população de Macau, a dificultada prática da legislação chinesa, a difícil defesa tanto terrestre como marítima, a evangelização cristã e o aproveitamento português de Macau, apresentou cinco propostas bem achadas como "medulas que possam remediar a situação":
  "1a medida: Deliberar com minúcia sobre os artigos do Tratado. Embora o protocolo preliminar tenha sido assinado pelo Sr. James Ducan Campbell, os artigos do Tratado serão discutidos e definidos junto com o enviado português que está por chegar. O texto definitivo será autorizado pelo MNE, conforme e em cumprimento de edictos imperiais. A China confirma a perpétua ocupação de Macau por Portugal em troca da cooperação lusa na cobrança dos direitos sobre o ópio. Isto e a isenção do foro não querem dizer que a China reconheça a soberania portuguesa sobre Macau. Além disso, a cláusula de não alienação de Macau a outros países constitui uma prova irrefutável de que Macau é um arrendamento, portanto, continua a fazer parte do território chinês. Devemos deixar bem claro que a perpétua ocupação de Macau por Portugal e a isenção do foro não poderiam servir de base a uma presença soberana por arrendamento. Quanto à cláusula de não alienação de Macau a outros países, convém deixar bem assente que sendo parte inalienável do território chinês, Portugal não poderá, em nenhum caso, e a nenhum título, alienar Macau a terceiros. Desta maneira, manteremos intacta a nossa soberania sobre Macau mesmo confirmando a perpétua ocupação de Macau por Portugal, o que está conforme com o espírito do protocolo preliminar de Lisboa. Com esta estratégia, deixaremos os portugueses sem argumentos para qualquer tentativa de alienação de Macau, ao mesmo tempo, impossibilitando qualquer cobiça por Macau.
  2a medida: Delimitar rigorosamente as fronteiras entre a China e Macau. Falando das fronteiras, há terrestres e marítimas. As fronteiras terrestres de Macau consistem nas muralhas, com as portas respectivamente chamadas, de St° António, do Campo, a Nova, referenciadas nas monografias locais, cujas ruínas ainda persistem. As construções fora dessas muralhas, tais como fortalezas, estradas, quartéis, etc., resultaram de expansões extraterritoriais portuguesas. Nas negociações sobre o Tratado, deveremos dar ênfase à nossa posição que consiste em considerar as antigas muralhas de Macau como as suas fronteiras terrestres, sem os deixar anexar mais partes do nosso território, nem que seja um palmo. A Portugal lhe importava mais a possessão do que as zonas fora dela. Para que este processo não venha a ficar sem resultados práticos, devemos ser mais flexíveis ao tomarmos qualquer medida. No que respeita às fronteiras marítimas, pelo Direito Internacional, qualquer autoridade soberana possui a jurisdição sobre as águas ao alcance dum tiro de canhão. Quando os territórios de dois países estão separados por apenas uma via fluvial, cuja faixa central serve de fronteira. São princípios aplicáveis ao campo neutro entre dois territórios e às terras conquistadas. Macau, que é parte do território chinês, não possui mais privilégio do que a perpétua ocupação, de modo que Portugal só pode exercer jurisdição sobre a sua possessão. Convém fazer com que seja incluído no Tratado um artigo que permita a circulação de embarcações portuguesas pelas águas de Macau, sem poder exercer jurisdição sobre as mesmas à força do Direito Internacional.
  3a medida: Demarcar as fronteiras terrestres. Embora confirmemos a ocupação de Macau por Portugal e a isenção do foro, conservaremos a nossa soberania sobre as águas territoriais de Macau, portanto, seria escusado proceder às delimitações das fronteiras marítimas. As antigas muralhas devem ser tidas como fronteiras terrestres de Macau. Nos primeiros anos do Reinado Tongzhi (1862-1874) os portugueses chegaram a deitar a baixo algumas secções das antigas muralhas com a intenção de fazer desaparecer estas provas edificadas. As muralhas foram desmembradas, mas, sem embargo, persistem os vestígios. Na altura das futuras negociações sobre o Tratado luso-chinês, convém que o comissário, designado pelo Vice-Rei de Guangdong e Guangxi, e o comissário português façam pesquisas de campo in loco demarcando as fronteiras terrestres deacordo com as ruínas das antigas muralhas para que os portugueses não possam proceder a mais expansões territoriais.
  4° medida: Comparar o texto em chinês com o em português. Verificamos que os 4 artigos do protocolo preliminar são bastante diferentes dos publicados em jornais portugueses de Macau. No art° 1°, no texto em português aparece a expressão: 'com a cláusula da nação mais favorita: O art. 2° em português tem a seguinte redacção: 'como qualquer outra possessão portuguesa.' No texto em português do protocolo, Macau, que aparece três vezes, está sempre acompanhado da expressão 'e suas dependências.' Verificamos que 'suas dependências' é um termo muito ambíguo, nelas poderia ser incluída a zona que se estende fora das antigas muralhas até à Aldeia de Mong Há, inclusive as ilhotas povoadas adjacentes a Macau. Quanto a 'como qualquer outra possessão portuguesa', isto é algo muito absurdo. Embora as informações da imprensa portuguesa não sejam, de todo, credíveis, revelam muito evidente a exigência territorial portuguesa. Não há fumo sem fogo. O conteúdo do protocolo preliminar não corresponde ao teor do memorial imperial apresentado pelo MNE, nem coincide com a ideia inicial do edicto imperial de conceder-lhes apenas o direito da perpétua ocupação. Deve-se solicitar a Sua Majestade o Imperador da China que se digne instruir o MNE no sentido de proceder a uma comparação minuciosa dos textos em chinês e em português para que não haja nenhuma fraude que possa servir de base para expansões territoriais da parte portuguesa.
  5a medida: Deliberar com prudência a ratificação do Tratado luso-chinês. O Tratado, embora já assinado, terá de ser ratificado pela Corte Central como manda o Direito Internacional. Citamos como exemplo o Tratado sino-britânico de Yantai assinado no 2° ano (1876) do Reinado Guangxu (1875-1908), com três artigos por serem confirmados, só veio a ser ratificado no ano passado. Seguindo este caso poderemos assinar o Tratado luso-chinês, mas só o ratificaremos quando tivermos a certeza do aumento considerável da receita dos direitos e Lijin sobre o ópio e da pronta extradição de criminosos chineses, o que seria indispensável para evitar qualquer engano da parte dos portugueses.
  As 5 medidas expostas, cujos princípios estão presentes no texto do protocolo, procuramos toma-las infalíveis. São opiniõeshumildes e minhas pelas quais pretendo sugerir medidas preventivas para casos, conhecidos e analisados pelo MNE e também para situações que o MNE não conheça a fundo."114
  Em 11 de Agosto de 1887, o enviado português Tomás de Sousa Rosa chegou a Pequim para as negociações sobre o Tratado e apresentou ao Zongliyamen uns mapas e um texto de regulamento de cooperação na cobrança dos impostos de ópio. Antes da partida de Tomás de Sousa Rosa, o Ministro Barros Gomes instruiu o enviado no sentido de recorrer à máxima prudência, meios diplomáticos e habilidades negociais nas negociações a serem realizadas com o Celeste Império para tentar incluir os artigos do Protocolo no Tratado. Caso surgisse alguma oposição da parte do Governo da China, tentaria, pelo menos, incluir os últimos artigos e deixar bem expressa a definição da expressão "Dependências" e as condições da cooperação na cobrança dos impostos do ópio, da extraterritoriedade consular, o direito de evangelização e a extradição de criminosos. "São, porém, tão peculiares as condições de uma negociação coma China, e é tão vital o interesse de concluirmos com esse império um tratado em que seja liquidada de vez a situação de Macau e asseguradas as garantias internacionaes para os portuguezes residentes na China, que o governo de Sua Magestade entendeu não dever deixar V. Exa. desarmado d'aquella liberdade necessária para se afastar em um ou outro ponto das instrucções aqui exaradas, garantindo-se por essa forma, quando tanto seja necessário, a assignatura do Tratado."115
  Na realidade, já na Constituição de 1822, Portugal, unilateralmente, incluiu Macau no seu território. O próprio Sir Robert Hart reconhece que "são dependências aquelas localidades que se encontram sob a ocupação e administração de Daxiyangguo." Só que Zongliyamen, antes de recebido o relatório do Vice-Rei de Cantão sobre as fronteiras reais de Macau, recusou deixar as cláusulas 2 e 3 do Protocolo no texto do Tratado. Tendo recebido o tal relatório, o Zongliyamen decidiu respeitar as opiniões das autoridades locais a insistir na cooperação na repressão do contrabando e o desenvolvimento do comércio, adiando a delimitação das fronteiras de Macau para mais tarde, dada a complexidade deste problema. Tomás de Sousa Rosa, insistia nesta posição: "Devem figurar expressamente 'Macau e as suas dependências", no entanto, para poder garantir que as ratificações viessem a ser feitas, apresentou uma medidade meio termo que residia em "Caso houver a necessidade da delimitação das fronteiras de Macau, isto seria tratado pelos respectivos enviados, após a troca das ratificações do Tratado."116
  As divergências entre a China e Portugal em relação aos limites de Macau e as suas fronteiras eram enormes. Tanto as autoridades locais cantonesas como os habitantes locais esperavam poder ver definida a zona de convívio sino-estrangeiro, anterior a 1849, isto é, os portugueses limitar-se-iam a residir dentro dos antigos muros. Wu Dacheng117, Governador de Cantão, apresentou um memorial ao trono, em que mostrou inúmeras provas das expansões extraterritoriais portuguesas fora do antigo recinto. No mesmo documento, o mandarim cantonense salienta e demonstra a fragilizada administração portuguesa de Macau e as dificuldades lusas sem saídas à vista, por consequente ele adianta: "Pretendo solicitar adiar a troca das ratificações do Tratado ou mesmo suspendê-la."
  "Verificamos que dos portugueses residentes em Macau, não há funcionários competentes, nem comerciantes honestos, nem artesãos experimentados. Vivem unicamente dos jogos, da prostituição, do encobrimento de bandidos e da cobrança de impostos aleatórios, que são considerados como fontes de rendimento. Desde o pedido de Zhang Zhidaong, o vice-rei dos dois Guangs, no sentido de legalizar o jogo Weixing para reverter os lucros deste jogo para as autoridades locais, as autoridades portuguesas de Macau, que não contam com outra receita de vtdto, perdem, anualmente, umas 400 ou 500 mil patacas. Dizem que o ano passado, quando Firmino José da Costa tomou posse do cargo de Governador de Macau, havia grande falta no orçamento público, de modo que passou a explorar sem escrúpulos comerciantes e habitantes. Uma centena de embarcações de pesca que costumam fundear em Macau, a fim de fugir da pesada carga fiscal, deslocaram-se a outras ilhas, o que fez com que os portugueses tivessem perdido os impostos da pesca. Os habitantes do território chinês.são obrigados a pagar o foro. Mais tarde, quando se fizer a delimitação dos limites do terreno aforado pelos portugueses, nada se poderá fazer para mudar esta situação. Já que Portugal vai deixar de mandar barcos mercantis para cá e Macau não vai ter mais receitas de foro, uma recessão comercial seria inevitável, o que desanimaria oshabitantes. É de esperar aparecer uma situação difícil de isolamento dentro de pouco. A mais que metade das casas ocidentais seriam cedidas a comerciantes chineses. Em poucos anos, os seus terrenos serão de comerciantes chineses. Nessa altura, já terão capacidade para medir forças com a China. Pelo contrário, solicitariam a protecção da China. É o que vai acontecer inevitavelmente dentro da lógica."118
  Dado que a sua insistência em Pequim não tinha surtido nenhum efeito, Tomás de Sousa Rosa passou a solicitar instruções ao Ministro dos Negócios Estrangeiros. As instruções do Ministro exigiam que tentasse vencer as dificuldades para que fossem, quanto antes, feitas as ratificações, e propôs que não se tratasse a questão das dependências no âmbito do Tratado, cuja solução negocial seria confiada a enviados a extraordinários a ser nomeados pelos dois governos.119
  Tanto Sir Robert Hart com Tomás de Sousa Rosa, estavam bem conscientes da firme posição da Corte e do povo da China sobre esta questão e das divergências existentes. Com medo de que pudesse acontecer algo imprevisto que viesse a inutilizar todos os esforços até então realizados, fizeram, em 6 de Setembro, uma exposição ao Zongliyamen no seguinte sentido: "Em relação às dependências de Daxiyang, não existem divergências. O tema está a ser discutido. Será feita uma convenção especial após a troca das ratificações do Tratado, mas enquanto os limites se não fixarem, conservar-se-á tudo o que diz respeito como actualmente, sem aumento, diminuição ou alteração por nenhuma das partes."120 Em 27 de Outubro, Tomás de Sousa Rosa chegou a incluir isto no texto do Tratado a ser ratificado como prova da "condescendência portuguesa".121
  Na continuação do processo negocial, surgiu outro impasse quanto à extradição de criminosos. Sir Robert Hart interveio mais uma vez no processo. O interveniente alega que "Nas relações diplomáticas entre ambos os países, não valeria a pena regatear uns pormenores insignificantes, que possam prejudicar os assuntos importantes, [...] correr-se-ia o risco de por ganhar um pouco perder muito." 122 Após mais discussões, o Governo da Dinastia Qing obteve a promessa portuguesa de que "a entrega de criminosos será feita pelo Governador de Macau como se tem feito até agora", o que levou aChina a reconhecer in principio o texto do Tratado, mas retirando "as dependências" e "como qualquer outra possessão portuguesa" do artigo n° 1, deixando a delimitação das fronteiras para uma solução negocial futura. O Tratado de Amizade e Comércio entre a China e Portugal foi assinado em 1 de Dezembro de 1887 por Yi Kuang, Sun Mingwen e Tomás de Sousa Rosa, que representavam, respectivamente, a China e Portugal, cujas ratificações vieram a ser realizadas em 28 de Abril de 1888 em Tianjin. O artigo n° 2 do Tratado confirma o Protocolo de Lisboa, ao reconhecer os direitos portugueses da "ocupação perpétua e governo de Macau".

3.4. As repercussões do Tratado de Amizade e Comércio entre a China e Portugal


  Pelo exame da intenção inicial que levou a Corte da Dinastia Qing a entabular as negociações conducentes à conclusão do Tratado de Amizade e Comércio entre a China e Portugal, sabemos que a Corte da Dinastia Qing tentava reinstaurar a situação política de um convívio com administrações diferentes, com a esperança de poder acreditar de novo mandarins chineses em Macau para controlar os diversos problemas causados pela ausência das autoridades chinesas. Quando surgiu um novo impasse em relação à acreditação de funcionários chineses em Macau, houve a ideia de comprar Macau, para assim resolver um problema legado pela história. Do lado português, nas novas circunstâncias internacionais, todos os esforços foram feitos para obter um estatuto igual ao de Hong Kong e a soberania de Macau, mediante um tratado com o Governo Imperial e deixar bem definido, duma vez para sempre, o indefinido estatuto político-jurídico de Macau, que de há muito tempo se apresentava um bicho de sete cabeças para Portugal. Mediante um processo negocial, que se prolongou por mais de 4 décadas, por causa dos interesses financeiros da cobrança simultânea dos direitos de importação do ópio, a Corte Imperial reconhece, documentalmente, a ocupação e governo de Macau por Portugal, isto é, o facto consumado de que Macau é uma colónia portuguesa. Em contrapartida, Portugal promete não alienar Macau a terceiros sem o prévio acordo da China. Em relação ao conteúdo principal do Tratado -- o estatuto comercial e os privilégios de que Portugal pode gozar na China -- não foram questões prioritárias em todo o processo negocial tanto para a China como para Portugal.
  Assim pode-se afirmar que o Tratado de Amizade e Comércio entre a China e Portugal não passa dum tratado de conveniência, cujo conteúdo se afasta do que o seu título invoca, o que o torna um acordo imperfeito eventualmente conducente a uma polémica duradoira. Concretamente falando, através deste Tratado, a China obteve a promessa portuguesa da cooperação na cobrança dos direitos do ópio e de não alienar Macau a terceiros sem o prévio acordo da China, e, em contrapartida, Portugal obteve da China o reconhecimento chinês dos seus direitos de ocupação perpétua e governo de Macau e a concessão dos mesmos privilégios comerciais de que outras potências ocidentais gozam na China. Numa primeira análise, Portugal conseguiu a soberania e jurisdição, de há muito sonhadas, dando uma definição definitiva do estatuto político-jurídico de Macau. Na realidade, estava-se longe de significar uma verdadeira solução para a questão de Macau, dado que era preciso outra convenção especial para a delimitação das fronteiras que continuavam indefinidas, o que provocou muitas persecuções para as futuras relações luso-chinesas.
  É bem verdade que a indefinição das fronteiras de Macau constituíram o foco de conflitos luso-chineses durante os 50 anos, no entanto, é preciso reconhecer que o Tratado não estava de todo privado de um significado de certa maneira positivo. Para além da formalização dos esforços luso-chineses no combate ao contrabando do ópio, exerceu influência positiva na manutenção do statu quo de Macau.
  Como ficou exposto, potências ocidentais, sobretudo a Inglaterra e a França, sempre alimentaram ambições sobre Macau. Antes e após a assinatura do Tratado, Portugal, além de ter de se confrontar com a França, Inglaterra e Alemanha, no que tocava à repartição da Africa, viu-se a braços com a polémica em torno da manutenção ou abandono de algumas das suas colónias. O deputado Ferreira de Almeida, que veio a ser mais tarde Ministro da Marinha e do Ultramar em 1895, já em 1888 destacou que eram grandes encargos para as finanças portuguesas manter tantas colónias. O que ganhava não compensava o que perdia. Em 1891, numa intervenção junto das Cortes, lançou a ideia de vender essas colónias respectivamente à Inglaterra, França, Alemanha, Holanda e Itália. Macau seria cedida à França. Esta ideia foi bem acolhida por muitos deputados, dos quais podemos citar José de Azevedo Castelo Branco, que veio a negociar com a China o Tratado de 1903, e o meio intelectual, mas José Maria de Sousa e Costa,deputado pelo círculo de Macau, e que veio a ser Governador de Macau respectivamente em 1894 e 1900, mantinha uma posição dissidente desta proposta. Na sua opinião, Portugal alimentava um sentimento especial por Macau. O mais importante é que sem o consentimento da China, Portugal não poderia vender Macau. Ao mesmo tempo, José Maria de Sousa e Costa lançou um projecto destinado à reorganização da administração de Macau, à realização das obras do porto de Macau, à atracção do investimento estrangeiro e à revigorização da salga de peixe, fabricação de panchões, produção de cimento e indústria têxtil.123
  Os portugueses de Macau, ao tomarem conhecimento desta discussão sobre uma possível cedência de Macau, ficaram muito espantados. Na edição de 18 de Julho de 1891 de O Macaense, lê-se este comentário:
  "Não cremos que a Cidade de Macau será posta em almoeda, não só porque o tratado luso-chinês estipula que não poderá Portugal alienar esta Cidade sem prévio acordo da China, mas também porque Macau é apenas um palmo de terreno que não poderá render muito dinheiro pela venda [...] não podemos deixar de protestar contra este cinismo de dispor das colónias onde existe um certo grau de civilização, como Goa e Macau, sem consultar a vontade e tendência dos habitantes, como se nós fôssemos um rebanho inconsciente e destituído de sentimentos. Macau, principalmente -- que não foi conquista de Portugal mas sim uma verdadeira colónia, porque os navegadores portugueses, achando esta península desocupada, aqui se estabeleceram com a permissão tácita das autoridades chinesas e formaram uma cidade cujos habitantes foram sempre leais ao Governo Português -- merece ser tratado com mais consideração!"124
  A notícia duma possível cedência de Macau, que chegou a Cantão através da imprensa inglesa de Hong Kong, provocou uma grande exaltação no ânimo da população local. O Li-nan-ji-pao de Cantão, de 22 de Julho de 1891, aludia a essa hipótese, comentando "que não o pode fazer porque foi aforado aos Portugueses pela China como posto comercial e pelo qual pagavam uma certa renda annual"; além disso, recordava-se que pela letra do Tratado de 1887, "Portugal não pode alienar Macau". O comentárioadiantava: "Portugal já não pode ser considerado no número das grandes e poderosas nações como antigamente. Portugal vendendo as suas colónias às outras nações que desejam aumentar o território, muito embora o faça para pagar as dívidas do Estado, sujeita-se à irrisão pública. Se Portugal quer enriquecer, deve seguir os conselhos da imprensa estrangeira para que faça de Macau um grande porto comercial, cobrando impostos sobre as mercadorias e aprofundando o seu porto para que vapores de comércio possam nele ter ingresso. Com isto, poderá o comércio aumentar, tomando-se maior de dia para dia, e só assim se poderão pagar as dívidas do Estado e fundar as bases de uma boa administração. É este o bom conselho que os Portugueses devem seguir [...]"125
  O cônsul de Portugal em Cantão, ao ler esta notícia, remeteu um relatório ao MNE em Lisboa dando conta da situação e, desmentindo os rumores, reiterou o respeito pelas cláusulas pertinentes do Tratado de 1887. A ira popular acalmou-se, mas Sir Robert Hart, que se esforçara pela conclusão do Tratado, achou isto uma boa oportunidade para resgatar Macau da mão portuguesa e recuperar a sua reputação que ficara afectada pela assinatura do Protocolo de Lisboa126. Para este fim, ele relançou o "Projecto Más". No seu entender, "Macao's finances may make the old de Mas idea a possibility by and by, but I don't want to feel the waytill the right time comes."127 Numa carta que dirigiu a James Ducan Campbell, em 26 de Fevereiro de 1891, desde Pequim, perguntou: "Is it time yet, do you think, to broach the old 'de Mas project' in the other quarter?"128
  Respectivamente em 16 e 17 de Junho, ele telegrafou a James Ducan Campbell a ordenar-lhe que fosse fazer diligências em Lisboa, informando-o de que ele estava devidamente autorizado pelo Governo da China para comunicar o seguinte ao Governo de Portugal:
  "[...] if agreeable China would take over Macao, paying reasonable and liberal indemnity for Portuguese expenditure on public works fortifications etc. Macao would then resemble Treaty Ports, present private ownership would be recognized and European population be under Consular jurisdiction etc. Add that you suppose one million Dollars would be fair indemnity, but that you are not authorized to speak more definitely till the view of Portuguese Government is known here."129
  Ao chegar a Lisboa, James Ducan Campbell, além de contratar um jornalista para a recolha de informações, tomou a iniciativa de contactar personalidades do meio político e solicitou uma audiência com o Conde de Valbom, Ministro do MNE, para tentar obter informações sobre esta questão. O Ministro concedeu-lhe uma entrevista de 15 minutos dizendo que "[...] he could answer at once that neither the Government nor the Chambers would sell any Portuguese Colony anywhere and the King was equally against it: a discussion had been raised by a Deputy who presented a proposal to the Chambers which the Papers had written about, but it ended in nothing -- in fact, it was still -- bom." Antes da despedida, o Conde de Valbom acrescentou: "D'ailleurs, en toute circonstance, le Portugal devrait consulter avec la Chine avant de se défaire de Macao et lón ne pourrait rien-faire sans le consentement de la Chine."130 No mesmo dia, quando o Ministro discursou perante a Câmara, com muita solenidade afirmou:
  "Devo declarar solenemente perante a Câmara e o País que o Governo de Sua Majestade não tem ideia de alienar nem um palmo de território português, e não julga isso por forma alguma necessário, nem para conjurar a crise financeira, nem para assegurar os nossos domínios [...] Nós, para conjurarmos a crise financeira, não precisamos de alienar as nossas colónias; o que precisamos é fecund'a-las, fazendo com que elas, tendo sido até aqui um foco de despesas e conflitos, se transformem em fonte de receita [...] O Governo conta com os elementos que felizmente existem no País para poder vencer as dificuldades do presente e assegurar o futuro da nação"131
  James Ducan Campbell não se deu por vencido. Ele julgava que Portugal não alienava Macau por ter medo duma possível oposição da China. Caso a China decidisse resgatar Macau, esse medo seria infundado. Com esta ideia na mente, solicitou um encontro com o ex-Ministro do MNE, Barros Gomes, de que obteve a mesma resposta. Perante esta situação, aconselhou Sir Robert Hart a procurar outras soluções:
  "From the remarks made by M. de Barros Gomes and the attitude or bearing of the Count de Valbon, my impression is that Macao would be about the last possession they would care to part with -- not on account of its present or future value but on account of the sentiment attached to the past. But sentiment will be overoome by money, when the pinch makes itself felt, if the offer is tempting enough! I doubt whether one million dollars will be considered a fair surrender value for what is tantamount to a ‘perpetual lease without rent', whilst it will be a mere drop in the ocean of Portugal's debt. If they think of getting Millions Sterling for Colonies that don't pay at all, they will want a very tempting and substantial consideration for any Colony that shows any surplus or has any future before it.
  I think you should lose no time in commencing operations quitely through the Portuguese Press at Macao, and let them be the first to advocate the conversion of Macao into a Treaty Port etc."132
  Ao receber a mensagem de James Ducan Campbell, Sir Robert Hart não sem pena lamentou que "I thought it best to name that round sum in dollars first -- We'll have to go along on our own line bit longer".133 Até à sua morte, Sir Robert Hart não conseguiu perceber uma coisa: Para os portugueses, não seria uma simples questão de ofertas pecuniárias. Deixou este mundo com a ideia da recuperação de Macau na mente, com a esperança de reactivar o "Projecto de Más":
  "As regards Macao, the old de Mas idea will some day crop up again, but hardly in our time".134

4. Macau antes e depois da fundação da República da China


  Ao iniciar-se o séc XX, tanto a China como Portugal conheceram mudanças drásticas. Os regimes republicanos português e chinês foram implantados, respectivamente em 1910 e 1912. O Governador Álvaro de Melo Machado que foi testemunha destes adventos, numa sua obra publicada em 1913, colocou os seguintes problemas que urgiam ser resolvidos em Macau:
  1. a delimitação das fronteiras;
  2. as obras do porto;
  3. a organização administrativa descentralizadora e permitindo uma rasgada iniciativa;
  4. a organização de fontes sólidas de receitas que possam compensar, em parte, o desaparecimento dos rendimentos do jogo e do ópio;
  5. o estabelecimento de meios rápidos e práticos de comunicação com as regiões da província de Guangdong, vizinhas a Macau;
  6. a nacionalização dos portugueses espalhados pelas colónias e concessões estrangeiras do Extremo Oriente, assim como um pouco por toda a parte135.
  Em síntese: os factores que afectaram o desenvolvimento político, económico e social foram a delimitação das fronteiras de Macau, no âmbito das relações luso-chinesas, e a política portuguesa para com a China (com as suas consequências políticas).

4.1. Negociações e contactos sino-portugueses em torno da delimitação das fronteiras de Macau


  O Tratado de Amizade e de Comércio, no seu Art. 2, determina: "Fica estipulado que comissários dos dois governos procederão à respectiva delimitação que será fixada por uma convenção especial, mas enquanto os limites se não fixarem, conservar-se-'a tudo o que diz respeito como actualmente, sem aumento, diminuição ou alteração por nenhuma das partes."
  Este artigo, à primeira vista bastante claro, contém uma polémica muito grande, pois ambas as partes divergem quanto à interpretação de "tudo o que diz respeito como actualmente". Acontece que os portugueses fizeram todos os esforços, antes e depois das negociações sobre a delimitação das fronteiras de Macau, para expandir as suas fronteiras, a fim de criar factos consumados que obrigariam a China a um reconhecimento da situação. Por isso, antes da assinatura do tratado, Zhang Zhidong, Governador de Guangdong, assinalou com perspicácia:
  "Somos de opinião de que, grosso modo, o território de Macau está dividido nas seguintes partes, assaz diferentes: zona inicialmente arrendada; zona ocupada há 3 décadas; zona recentemente ocupada de há 10 anos para cá; zona que os Portugueses pretendem ocupar. Nesta altura das negociações, eles não deixarão de apresentar propostas ambíguas que possam concretizar as suas ambições extraterritoriais, o que nos obriga a ter mais cuidados ao analisar cada caso com o fim de acabar com futuras preocupações e maçadas de vez."136 Baseando-se nisso, ele propõe:
  "Em resumo, manteríamos o statu quo da possessão portuguesa dentro das muralhas. Demarcaríamos os terrenos já ocupados. Em consideração à situação geográfica e estratégica de cada caso ou arrendamos ou recuperamos para a nossa jurisdição. No que respeita a terrenos que os Portugueses pretendem ocupar, deveríamos proceder à sua delimitação rigorosa tomando medidas preventivas. Deveríamos negociar sobre o domínio marítimo conforme os Direitos Internacionais nesta matéria recusando-lhes qualquer exigência extraterritorial pelas nossas águas territoriais."137
  No ano seguinte à troca das ratificações do Tratado, o Zongliyamen, quando instruiu o vice-rei dos dois Guangs para dar uma resposta a uma nota do Governo de Macau, salientou, em relação às fronteiras, que não deviam ser alteradas as que "se referem à zona a sul da Porta do Cerco até à Porta de Santo António. A zona que se estende a norte da Porta do Cerco é da exclusiva jurisdição chinesa, que não tem nada que ver com os assuntos fronteiriços estipulados no Tratado."138 Por outras palavras, "Macau", para a China, é a zona primitiva da residência portuguesa dentro da península, isto é, a área dentro das antigas muralhas; as "dependências"antes das delimitações é a zona que existe entre as muralhas e a Porta do Cerco, isto é, o terreno militarmente ocupado pelo Governador Ferreira do Amaral, antes da existência do Tratado. Além disso, Portugal não tem jurisdição sobre o Porto de Macau e os seus domínios marítimos.
  Mas Portugal entendia de outra maneira, isto é, como "Macau" refere-se à Península de Macau; as "dependências" são Taipa, Coloane, Lapa, Montanha, D. João e os seus respectivos domínios marítimos. Perante esta diferença quase abismal, um crítico político português disse que, mediante o auxílio de potências europeias, haveria que "defender o que é portuguez, readquirir o que foi portuguez e adquirir o que deve ser portuguez."139 Concretamente, Portugal deveria:
  1. "Defender a cidade de Macau e as ilhas da Taipa e Co-lo-na, occupadas e na nossa posse effectiva.
  2. Reoccupação das vertentes da Lapa desde a margem fronteira a Macau até aos p'icaros que dominam completamente a cidade e o nosso porto interior.
  3. Reoccupação da ilha de D. João.
  4. Occupação da ilha de Tai-Vong-Cam ou da Montanha, cujos habitantes ainda há pouco pagavam tributo ao governo portuguez.
  5. Restabelecimento do campo neutro entre a Porta do Cerco e a fortaleza de Passaleão, abusivamente occupados há poucos annos pelos chins."140
  Uma vez conseguido isto, os portugueses não só poderão assegurar a defesa de Macau, mas também poderão livrar-se da dependência da China em matéria de víveres quotidianos, tentando obter uma verdadeira auto-suficiência, independência e autonomia. Não é difícil de perceber que a pretensão portuguesa de "dependências" revestia-se de um significado transcendental nos terrenos político, económico e militar.
  Aproveitando-se do empenho que ocupava completamente o Governo Qing-nos seus contactos com outras potências europeias com ambições territoriais na China, os portugueses andavam a tentar expandir a esfera das suas influências. Segundo uma comunicação de Cai Guozheng141, o Prefeito da Defesa Marítima em exercício na CasaBranca, que se tem ocupado dos contactos sino-portugueses, um mapa do território terrestre e das águas territoriais, elaborado pelos portugueses, "os portugueses já incluíram uma área tão basta que atinge a centenas de li quadrado, que começa, de leste, pelo Mar das 9 Ilhas a estender par o sul até à Ilha da Montanha e D. João, passando por Coloane e chegando a oeste a Ribeirinha e Ribeira Grande e a norte ao sopé da colina da Casa Branca, traçados a vermelho, o que constitui uma coisa absurdíssima"142. No seu entender, "Caso os portugueses saírem com a sua na paulatina expansão extraterritorial, disso lucrarão eles e disso teremos prejuízos, o que traria grandes estorvos à vida da nossa naçoão e do nosso povo."143
  Por isso, ele fez 5 propostas ao Governador de Cantão, levando em consideração a defesa marítima, o comércio, a receita fiscal, o combate ao contrabando e a captura de bandidos. A fim de deter a ambição extraterritorial portuguesa e acabar de vez com o pomo da discórdia sino-portuguesa, lançou 4 soluções, que destruíam ponto por ponto as pretensões portuguesas. A saber: Aproveitar-se da ocasião para recuperar Macau, como uma medida definitiva; procurar alguma medida que remedeie um pouco a situação actual; tolerar a presença portuguesa à espera duma melhor altura e aplicar uma medida de controlo sem acções visíveis. Tudo isto constituía uma tentativa de acabar com as pretensões extraterritoriais portuguesas e exterminar o foco dos conflitos luso-chineses.
  "Falando dos conflitos que temos, tudo se deve a não definição das fronteiras. Enquanto não forem delimitadas as fronteiras, não cessarão os conflitos. Os que temos agora não são mais do que o início dos conflitos vindouros. Caso não resolvermos esta questão com urgência, a paz reinante será quebrada. Na minha humilde opinião, o que urge fazer é delimitar as fronteiras através de representantes de ambos os países, a única medida para resolver de uma vez para sempre esta questão. Por isso, rogo a Vossa Excelência que se digne examinar a situação dando prioridade ao que mais urge, telegrafar ao Zongliyamen para mandar quanto antes o nosso comissário. Ao mesmo tempo, mande fazer uma nota ao enviado de Xiyang para procedermos juntos à delimitação das fronteiras para que conste de algum tratado. Uma vez cumprido o tratado, a paz será mantida, oque constituirá uma garantia para a situação em geral e uma alegria para as autoridades locais."144
  Como "o Zongliyamen fica longe daqui, de modo a não estar bem ao par das astutas pretensões portuguesas". Devido ao facto de que as fronteiras de Macau estão por ser delimitadas, "Nos últimos anos, Portugal nos tem dado muito mais trabalhos do que outras nações", facto pelo qual as autoridades locais estavam muito esperançadas de que o Zongliyamen "designasse quanto antes comissário para este efeito a fim de conservar a paz"145 Na realidade, o vice-rei dos dois Guangs, à vista duma proposta de Fang Zaiyu, um mandarim local, e o Inspector Alfandegário Alfred Hippisley146, mandou uma nota ao Cônsul Português a propor a linha central, da Aposiac para baixo e a Ilha Verde para cima, como a divisão temporária do domínio marítimo.
  "Verificamos que a localidade chamada Aposiac, para cima fica a aproximadamente 2 lis da Casa Branca e para baixo, 1 li da Porta do Cerco e cerca de 6 ou 7 lis da Porta de Santo António. Macau fica a sul da Porta de Santo António. A norte da Porta do Cerco, é ande costumam ancorar barcos de Gongdu e Gudu do Distrito de Xiangshan e fundear os barcos militares das forças fronteiriças chinesas. Desta vez, os barcos militares chineses não ultrapassaram as fronteiras existentes para as suas ancoragens. Segundo discussões que tive com o Inspector Alfandegário Alfred Hippisley, já que agora as fronteiras estão por ser delimitadas por comissários de ambos os países a serem nomeados, será conveniente que por enquanto os barcos militares chineses fiquem ancorados na zona equitativa que se estende entre Aposiac e a Ilha Verde. A situação manter-se-á até aos resultados das delimitações futuras entre os comissários respectivos. Eu e os meus colegas tivemos em consideração a mensagem do Inspector Alfandegário Alfred Hippisley e decidimos aceitar a proposta, como uma medida temporária de conveniência, deixando bem claro que isto não poderia ser considerado como uma demarcação das fronteiras, o que deveria ser comunicado ao Governador de Xiyang pelo mesmo Inspector Alfandegário Alfred Hippisley. Doravante, os barcos de ambos os países em missão não deverão ultrapassar essa zona equitativa. Que fique bem declaradoque esta medida não poderá ser invocada para as negociações futuras sobre a delimitação das fronteiras."
  Em 27, o Cônsul Português respondeu à supracitada nota a dizer "que reputo uma medida de grande inteligência tomada por Vossa Excelência. O pedido do Daotai Shi no sentido de mandar os barcos militares chineses a ancorar na zona equitativa entre Aposiac e a Ilha Verde a fim de evitar mais conflitos, foi autorizado por Vossa Excelência. Eu, devidamente autorizado pelo Governmador-de Macau, comunico a Vossa Excelência de que é aceite a vossa proposta para presenaar a nossa amizade e manter o statu quo das fronteiras como uma tarefa de absoluta prioridade."147
  Os portugueses de Macau não tinham águas territoriais, de maneira que uma divisão temporária das águas territoriais por si só já constituía uma cessão das autoridades de Cantão, com o propósito de contribuir para reduzir os conflitos entre Cantão e Macau, no domínio marítimo. Mas, não era uma solução completa para o caso. Ao que parece, a Corte de Qing não deu a devida atenção às dificuldades que as autoridades locais enfrentavam por não ter as fronteiras bem delimitadas e às consequentes reclamações da sua delimitação urgente. Até 1902, quando surgiu a necessidade do reajuste da taxa alfandegária de 5%, com os países com que a China tinha tratados, em consequência da desvalorização da prata, as negociações sino-portuguesas sobre as fronteiras de Macau, foram, pela primeira vez, agendadas para contactos oficiais entre os dois países.
  A intenção inicial da Corte de Qing era apenas negociar com Portugal sobre o reajuste da taxa aduaneira. Aconteceu que o enviado português Castelo Branco148 dirigiu uma nota ao Ministério dos Negócios Estrangeiros a dizer que "os súbditos portugueses terão os mesmos privilégios concedidos aos de outras nações, sem limitação alguma"149 a insistir na inalterabilidade do Tratado Luso Chinês. Passados alguns dias, solicitou à Corte da Dinastia Qing que nomeasse o Comissário Imperial para as delimitações para "assinar uma convenção especial com os direitos de cada país expressamente pactuados, que servirá de base para as relações futuras entre ambas as partes."
  Na realidade, há um mês atrás, Castelo Branco já tomara a iniciativa de propor à Corte de Qing a negociação sobre a delimitaçãodas fronteiras e a drenagem do Porto de Macau para promover o comércio:
  "Os habitantes e os comerciantes sob a nossa protecção estão dispostos a promover o comércio em Macau. Pelas muitas dificuldades que temos tido até agora, não foi possível tal promoção comercial, de modo que o meu país vê-se obrigado a colocar a questão da indefinição das fronteiras, no âmbito do Tratado, para criar condições para um feliz desenvolvimento comercial. Haverá alguma dúvida quanto ao nosso direito da perpétua ocupação e governo de Macau e das suas dependências? Espero que o vosso nobre país, levando em consideração as nossas relações diplomáticas e commais fé nas vossas palavras e na razão, se digne proceder à delimitação de tais dependências para que isto possa constar de um acordo. Hoje em dia, o porto de Macau, muito assoreado e sem abrigos contra tempestades, não serve para nada, como se não existisse. Se tivermos um mapa pela nossa frente, veremos que as ilhas vizinhas a Macau são vitais para a dragagem do Rio e defesa de Macau. Essas ilhas são dependências naturais de Macau, são terras indispensáveis a Macau. Sem Macau, essas ilhas não passariam de umas terras desertas. A Lapa, que fica a oeste de Macau, constitui uma defesa natural de Macau. A Ilha de D. João e a da Montanha, a sudoeste, são ancoradouros de abrigo contra as tempestades que vêm de sudeste. Caso deixarmos as coisas como estão, sem melhoramentos, Macau seria um porto morto."150
  Embora o Ministro de Portugal afirme determinantemente a dizer "Sem ambições extraterritoriais", vê-se com facilidade que ele tenta disfarçar a expansão territorial com a alegada promoção comercial de Macau. No entanto, o Governo da Dinastia Qing insiste na seguinte posição: "As dependências de Macau devem ser como realmente são. As ilhas espalhadas pelo litoral chinês sempre têm pertencido às suas respectivas prefeituras, sub-prefeituras, departamentos e distritos. Não existe nenhum antecedente que possamos citar para um caso de uma ilha pertencer a outra." Perante estas leituras muito diferentes acerca das dependências e vendo que não existia nenhuma base negocial, Castelo Branco mudou de estratégia, "vamos deixar de lado, mediante uma declaração bem expressa neste sentido, os assuntos fronteiriços para podermos discutir com preponderância sobre o comércio, de que sairemos beneficiadas ambas as partes." Com esta proposta, a Corte daDinastia Qing concordou em reiniciar o processo negocial, que contou com o completo apoio do Sir Robert Hart, que julgava que era "uma coisa muito rara" a autorização portuguesa para que as Alfândegas Marítimas Imperiais da China pudessem instalar uma inspecção dentro de Macau.
  Segundo Sir Robert Hart, "antes da delimitação das fronteiras, manter-se-á o statu quo do mapa em anexo. A ilha da Montanha, entre outras, desde sempre tem sido improdutiva e inabitada, aliás, tem estado sob a administração das autoridades de Macau, deve-se acrescentar no último artigo uma cláusula que autorize apenas a construção de obras e o exercício da administração, sem cedência da soberania de tais ilhas."151
  Em consequência disto, Castelo Branco propôs a construção do Caminho de Ferro Macau-Cantão, como contrapartida do consentimento português em relação ao reajuste da taxa alfandegária e autorização para a criação dum posto aduaneiro chinês em Macau. Embora bem consciente da intenção de ambição extraterritorial dos portugueses, e com a oposição do Governador de Cantão, o Ministério dos Negócios Estrangeiros achou uma solução de meio termo, isto é, "criar uma joint venture Sino-Português para a construção do Caminho de Ferro Macau-Cantão, que teria um comprimento de apenas duas centenas de lis. Seria uma medida para promover as actividades comerciais."152 A ideia era servir-se disto para oficializar o Tratado Comercial Luso-Chinês e negociar sobre o Acordo da Instalação da Inspecção das Alfândegas Marítimas Imperiais da China em Macau. Aconteceu que, com a oposição do Parlamento Português, no que dizia respeito à criação dum posto alfandegário chinês em Macau, do Tratado Comercial Luso-Chinês não foi feita troca das ratificações. Castelo Branco tornou à China em 1904 e assinou com Lu Haihuan153 e Sheng Xuanhuai154, em Shanghai, o Tratado Comercial Luso-Chinês de Shanghai, como complemento do Tratado de 1887. O novo Tratado anulava a cláusula que permitia à China instalar uma inspecção alfandegária em Macau. Em contrapartida, estipulava que o ópio a ser introduzido em Macau passaria a ser registado, e que o ópio a ser introduzido na China passaria a estar sujeito a impostos. Quanto ao Caminho de Ferro Cantão-Macau, que já constava dum contrato, "seria uma joint venture entre comerciantes chineses e estrangeiros" "sem intervençãoestatal de nenhum dos dois países envolvidos", isto é, vai ser uma iniciativa privada de comerciantes de ambas as partes, sem nenhuma intervenção oficial, a fim de "evitar mais complicações futuras e em defesa dos seus respectivos interesses."155
  No entanto, fracassada a intenção de expandir as fronteiras com o novo tratado, os portugueses não desistiram das suas actividades destinadas à expansão extraterritorial, o que provocava muita indignação na sociedade civil de Cantão, dando origem, de vez em quanto, a conflitos sino-portugueses. Um que foi muito publicitado foi o caso do Datsu Maru. A captura deste barco japonês que contrabandeava armas, em 5 de Fevereiro de 1908, pela marinha chinesa, nas águas vizinhas a Coloane, provocou acusações nipónicas de que forças chinesas haviam penetrado nas águas portuguesas para capturar um navio mercantil. E os portugueses, aproveitando-se desta situação, protestaram junto da China contra a invasão chinesa do "domínio marítimo português", exigindo a imediata libertação do barco detido. Sob estas pressões, a Corte da Dinastia Qing, não só restituiu o barco pedindo desculpa aos japoneses, como também foi obrigada a mandar salvar o acto da entrega do barco e comprar as armas contrabandeadas no mesmo barco, instaurar processos disciplinares a todos os funcionários chineses envolvidos no processo e indemnizar todas as perdas japonesas. Com o conhecimento destas notícias, a gentry e o povo de Cantão organizaram-se espontaneamente em manifestações de protesto e boicote de produtos japoneses. Foi nestas circunstâncias que surgiu a reivindicação popular de se proceder à delimitação. Pressionada com esta forte opinião pública, a Corte da Dinastia Qing ordenou que Liu Shixun, Ministro da China na França, fosse a Lisboa para discutir a questão da delimitação com Portugal.
  O diplomata chinês chegou em 14 de Janeiro a Lisboa, onde foi recebido pelo Rei de Portugal em 22 do mesmo mês. O monarca português declarou: "Nunca houve conflitos dos grandes entre Portugal e a China, que estão unidos por uma amizade de longa data. O meu Pais fará tudo o possível para encontrar uma solução pacífica a esta questão, que transmita esta minha mensagem a Sua Majestade Imperial." No dia seguinte, Liu Shixun também transmitiu uma mensagem chinesa: "O nosso país alimenta o mesmo desejo de encontrar uma solução pacífica a esta questão a fim de estreitar os nossos laços amistosos." Além disso, a Inglaterra, que andava a dificultar aaproximação luso-chinesa e que tentava tirar partido disto, já "não vai favorecer os portugueses." No entanto, as autoridades de Cantão e a sociedade civil da mesma província continuavam com ânimos exaltados, tornando as relações entre Cantão e Macau mais tensas, até à simples nomeação de enviados para a delimitação foi motivo de incidentes. O mandarim da Casa Branca156 chegou a classificar os três representantes indigitados pelo Governador de Macau, encabeçados por Francisco Diogo de Sá157, de "canalhas que têm andado a fazer a vida negra a chineses de Macau. Como as negociações sobre a delimitação das fronteiras são de importância vital para o nosso território. Sendo avessos aos chineses, existe um receio justificado de que eles possam trazer mais dificuldades à delimitação das fronteiras. Gostávamos que o vosso nobre Ministério contacte, mediante algum ofício, o Ministro de Portugal para que esse país nomeie funcionários de boa reputação para esta missão."158 Waiwubu, alegando que "os indigitados são desconhecedores da realidade chinesa", conseguiu que Portugal mudasse os representantes, após muitas discussões neste sentido. O General Machado foi nomeado comissário régio português para a delimi tação159. Ao mesmo tempo, as autoridades centrais conseguiram convencer o vice-rei de Cantão a desistir da ideia de nomear alguém local, conhecedor da situação de Macau, para a chefia da delegação chinesa. Para tal, foi escolhido o comissário dos Negócios Estrangeiros de Yunnan, Gao Erqian160, que tivera uma missão bem sucedida na delimitação das fronteiras entre Yunnan e o Vietname francês.
  Os comissários chineses e portugueses, desde 15 de Julho até 13 de Novembro de 1909, realizaram 9 conferências em Hong Kong. As posições tanto da China como de Portugal pouco divergiam do que fora discutido aquando das negociações com Castelo Branco, em 1902. As maiores divergências residiam na interpretação de "dependências", o que deu lugar a um impasse, em que Gao Erqian e Machado se enfrentaramsem nenhuma possibilidade de reconciliação, defendendo cada um a posição do seu Governo. Gao Erqian, confrontado com a pressão das sociedades de protecção das fronteiras, espalhadas pelas comunidades chinesas no mundo inteiro e a ameaça portuguesa de entregar o caso a uma arbitragem internacional, chegou a propor a Waiwubu que tentasse deslocar a sede das conferências para Guangzhou, a fim de manter uma consulta permanente com o vice-rei de Cantão, usando isto como um expediente dilatório. Só que Waiwubu, estava com receio dum resultado negativo deste processo, que "possa desagradar o povo e transtornar a administração."161 A Corte da Dinastia Qing acabou por prometer fazer algumas concessões no sentido de autorizar os portugueses a ocupar a Taipa e Coloane sem que lhes dessem o estatuto de dependências. Disso não ficou satisfeita a parte portuguesa, o que arrastou as negociações a mais um impasse. A delimitação voltou à estaca zero.
  Doravante, Portugal, a braços com as suas próprias instabilidades políticas, não teve possibilidade de se preocupar com os assuntos de Macau. Em 5 de Outubro de 1910, fundou-se a República Portuguesa. A Sociedade Protectora das Fronteiras de Hong Kong e do Distrito de Xiangshan apelaram a Waiwubu que aproveitasse esta mudança política em Portugal para abolir o Tratado existente a fim de recuperar Macau. Em 10 de Outubro, Waiwubu telegrafou a Liu Shixun, Ministro da China na França, a avisá-lo de que "Como o novo Governo de Portugal ainda não foi reconhecido por nós, parece que os tratados existentes não se encontram revalidados. Não é altura para discutirmos a questão de Macau." A resposta do diplomata transmitiu a mensagem do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal no sentido de "disposto a reiniciar o processo negocial". Ele propôs deslocar-se a Lisboa. Waiwubu, por uma questão de prudência, tornou a mandar-lhe instruções telegráficas. "Antes do nosso reconhecimento, aproveite-se da ocasião para sondar, a título oficioso, junto do MNE de Portugal, sobre alguma possível cedência portuguesa nos assuntos fronteiriços de Macau. Caso vier a satisfazer os nossos pedidos, não haveria inconveniente em dar o nosso reconhecimento primeiro." Como nessa altura, nenhum país ocidental tinha reconhecido o novo regime, Liu Shixun respondeu, via telegráfica, a Waiwubu a dizer que "caso avançássemos com o reconhecimento, ficariam muito gratos, mas não sei se eles vão oferecer alguma cedência nos assuntos fronteiriços como contrapartida." Após uma melhor recolha de informações, ele informou o governo chinês. "O novo Governoé de opinião de que a delimitação das fronteiras é um assunto de grande importância, cuja solução não caberia a um Governo provisório. Só podem retomar este assunto quando a remodelação governativa conhecer algum resultado alentador." Em 28, Liu Shixun informou: "Tive uma visita oficiosa ao MNE de Portugal, em que indirectamente sondei a posição portuguesa sobre a questão de Macau. Segundo dizem, seria muito difícil prometer alguma cedência a priori, o que pode vir a ser motivo de chantagem. Caso a China tiver pressa em reiniciar o processo negocial, poderia reconhecer primeiro o novo Governo ou dar início já às negociações com um reconhecimento tácito."
  No mesmo dia, ele conseguiu ter uma entrevista com o novo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Castelo Branco, que participara nas negociações com a China em 1903. O Ministro disse que "sendo Portugal e a China amigos de sempre, na minha opinião, a continuação do processo negocial suspenso poderia ser mais sumária sem discussões de palavras por palavras a citar todos os antecedentes, que só vão fazer-nos perder mais tempo. Sou franco. Fui Governador de Macau e enviado especial junto da China. Com estas experiências, julgo-me conhecedor da China. Não haveria coisas que não possam ser resolvidas mediante discussões amigáveis. O novo Tratado que foi discutido juntamente com Sua Excelência Lu levou muito tempo sem ser concluído. Foi felizmente finalizado com os meus esforços, de modo que é meu desejo ardente ver este processo poder conhecer um desfecho feliz quanto antes."162
  Em 24 de Novembro, perante os sucessivos reconhecimentos do novo regime português pelos diversos países da comunidade internacional, Waiwubu mandou uma nota ao Ministro de Portugal na China a reconhecer a República Portuguesa, pelo que o Governo português expressou o seu agradecimento, mas continuava sem interesse em negociar sobre a delimitação e disposto a manter o statu quo. De todas as maneiras, negou determinantemente qualquer intenção portuguesa de alienar Macau, apesar de ser uma versão muito circulada no estrangeiro. Os conflitos entre os liberais e os conservadores da comunidade portuguesa de Macau provocaram uma tensão no território, o que deu origem a um medo generalizado na comunidade chinesa de Macau e preocupações à Corte da Dinastia Qing e às autoridades locais de Cantão. Liu Shixun continuava com as suas diligências em Lisboa, com a esperança de que Portugal pudesse contribuir para a estabilidade da situação de Macau e solicitou a Waiwubu que tentasse acalmar aanimosidade popular de Cantão a tomar conhecimento da ausência do interesse luso em reiniciar as negociações sobre a delimitação.
  "Os círculos de Cantão, sem quererem perder esta oportunidade, advogam pela recuperação de Macau, o que é admirável por ser motivado pelo amor à terra, mas acontece que o monarca de Portugal poderia alegar a caducidade do Tratado e recusar uma recorrência aos factos históricos e Direitos Internacionais. Pelos vistos, Portugal não estaria interessado em vender Macau. No caso de revelarmos, de repente, a nossa intenção de recuperar Macau, sem respeito pelo Tratado existente, isso poderá provocar um impacto negativo nas potências europeias que possuem dependências asiáticas, que poderiam conjugar esforços numa intervenção conjunta contra nós, e disso poderia surgir uma situação incontrolável. Nessa situação, mesmo querendo proceder à delimitação das fronteiras, seria uma coisa dif'icil de ser abordada. Na minha humilde opinião, a recuperação de Macau não poderia passar por uma compra nem por uma tomada violenta, nem recorrência aos factos históricos, Direitos Internacionais ou às actuais circunstâncias. Pareceria conveniente realizar um acordo secreto que nos garanta o direito de preferência no caso duma venda portuguesa de Macau. Poder-se-ia fixar este acordo como anexo a algum acordo que possa surgir das negociações da delimitação das fronteiras para ser mais tarde respeitado."163
  No entanto, a indefinição das fronteiras continua a ser o foco de novos conflitos. Os aterros que alguns populares do distrito de Xiangshan realizaram perto da Porta do Cerco, foram classificados pelos portugueses como invasão do território de Macau, e as obras de dragagem do Rio, a serem realizadas pelos portugueses, foram impedidas pela Província de Guangdong. Casos deste género tornam o relacionamento luso-chinês numa constante contenda, que inquietava ambas as partes. Mesmo assim, parecia que nenhuma das partes conflituantes estaria interessada em recuar na sua irreconciliável posição para chegarem a um pacto. O Governador Álvaro Melo de Machado fez uma análise bem serena desta situação ao afirmar que "a menos que circunstancias extraordinarias venham collocar a China em situação de não lhe convir ser-nos hostil, ou que alguma opportunidade nos apresente um ensejo facil de appoiarmos os nossos direitos, com mais fortes razões que as empregadaspela logica e pela diplomacia acceites, a delimitação nunca se fará, a não ser que desistamos dos nossos indiscutíveis direitos."164
  Este relacionamento turbulento prejudicava a boa vizinhança entre Macau e Cantão e também exercia uma influência negativa no desenvolvimento de Macau. Há uns 30 anos atrás, os portugueses passaram a estudar projectos de obras do porto de Macau, para dragar os canais de navegação, com a esperança de melhorar a navegabilidade do Rio para promover o comércio de Macau. Com as obras autorizadas pelo Governo provisório republicano, os barcos deixaram de esperar pela maré cheia para entrar no Rio, apesar da sua limitada navegabilidade não conhecer uma melhoria essencial. Macau, sendo um porto franco, continuava a não possuir um embarcadoiro apropriado para os barcos de grande tonelagem. Evidentemente, os débeis recursos financeiros de Macau contribuiram para esta situação, mas os factores mais decisivos seriam, sem dúvida, o statu quo das indefinidas fronteiras e o controverso domínio marítimo, que estavam pendentes de soluções. Sem a anuência e cooperação das autoridades chinesas, não era possível levar a efeito as obras do porto de Macau, de modo que tais projectos foram adiados sine dia.
  O que merece ser realçado é que, tradicionalmente, os assuntos relacionados com Macau eram tratados pelas autoridades de Cantão. A não ser na diplomacia, onde se verificava uma intervenção central de Pequim, as autoridades centrais pouco se preocuparam com os assuntos de Macau, ou desinteressados em intervirem neles. Com o Levantamento de Nanchang165, ocorrido em 10 de Outubro de 1911, que deu fim à Dinastia manchu, criou-se em 1 de Janeiro do ano seguinte, o Governo provisório da República Chinesa. Nesta sucessão do regime político, a nação chinesa, a braços com muitas dificuldades tanto a nível internacional como nacional, não tinha mãos a medir com a reestruturação do país e pôs de lado a questão da delimitação, que nunca merecera uma suficiente consideração do poder central. Só na Conferência de Paz de Paris de 1919, o delegado português, Egas Moniz, teve oportunidade de iniciar algum contacto oficioso com Lu Zhengxian, Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo de Pequim, numa tentativa de abordar a questão da delimitação. Pouco tempodepois, com o Movimento de 4 de Maio166, esta questão foi posta outra vez de lado. Na Conferência de Washington de 1921, Portugal ensaiou mais uma tentativa de abordagem da questão de Macau e propôs a arbitragem norte-americana. No entanto, o poder central chinês considerou uma questão a resolver com o Governo militar de Cantão, porque a mesma só indirectamente dizia respeito ao poder de Pequim. O processo não conheceu nenhum avanço, pois o Governo militar de Cantão não nomeou nenhum representante para a Conferência.167 No entanto, Portugal assinou a Convenção dos Nove a prometer "respeitar a soberania e a independência da China, assim como a sua integridade territorial e administrativa (Artigo 1)".
  Na realidade, o MNE do Governo de Pequim, ao receber os telegramas dos ministros chineses na Inglaterra e em Portugal a comunicar a intenção lusa de lançar a questão de Macau na Conferência de Washington, deu logo instruções a Gu Weijun (Wellington Koo), entre outros, no sentido de "não se recorrer a uma arbitragem internacional."168 Em 5 de Dezembro, Wellington Koo informou o MNE:
  "Segundo afirmações do representante de Portugal, para resolver quanto antes o caso da Questão de Macau, o Governo de Portugal pretende solicitar uma arbitragem norte-americana, disso está informado o Governo dos USA. Parece que o governo contactado não levanta nenhuma objecção. Caso for consentido isto pelo Governo da China, vai ser anunciado no âmbito da Conferência de Washington. Fomos inquiridos em tomo disso, que nos dêem instruções."169
  Dois dias mais tarde, o MNE respondeu nos seguintes termos: "Macau foi alugada aos portugueses para a ancoragem dos seus barcos. No 13° ano (1887) do Reinado de Guangxu (1875-1908), por causa da cobrança dos impostos do ópio, o Inspector Geral assentou um acordo com os portugueses, em que se reconhece a perpétua ocupação e governo de Macau por Portugal. No 1° ano (1909) do Reinado de Xuantong (1909-1911), quando as negociações entre o Comissário Imperial Gao e o representante de Portugal conheceram o seu fracasso, o representante de Portugal lançou a ideia de submeter a questão a uma arbitragemdo Tribunal Internacional de Haia, o que foi recusado. O ponto essencial deste caso reside na delimitação das fronteiras. Trata-se dum caso de grande complexidade, em que há diferenças entre terras recentemente ocupadas e inicialmente aforadas. Pela sua complexidade e a impossibilidade dum conhecimento completo da situação por parte de terceiros, seria muito difícil submeter esta questão a uma arbitragem. Ou vamos inclui-la no âmbito de concessões para procurarmos uma recuperação definitiva como a solução final da questão. Que discutam esta questão para encontrar uma solução adequada e nos dêem uma resposta sobre o caso."170
  As autoridades chinesas e portugueses ainda andavam empenhadas nas diligências à procura duma solução do assassinato dum chinês de Macau por um português, ocorrido havia pouco em Macau. Em 14 de Fevereiro do ano seguinte, o Ministério dos Negócios Estrangeiros recebeu um relatório que o Conselho de Estado tinha apresentado à Presidência da República do seguinte teor:
  "Por informações, soubemos que J. Batalha de Freitas171 recebeu telegramas das autoridades diplomáticas do seu país a informá-lo de que já que Macau pertence á jurisdição de Guangzhou, todos os contactos deveriam ser levados a cabo junto das autoridades locais."172
  Um mês mais tarde, o Ministro dos Negócios Estrangeiros Yan Huiqing prestou esclarecimentos a respeito de Macau ao dizer que uma possível transferência da questão de Macau para o poder central "era um boato e não uma verdade". Em 24 de Abril, quando o chefe da diplomacia chinesa recebeu o Ministro Plenipotenciário J. Batalha de Freitas, este declarou: "nesta sua viagem ao Sul, em primeiro lugar ele vai levar em consideração a extrema necessidade de não ferir a dignidade do Governo Central. Por isso, não vai viajar na qualidade de Ministro de Portugal, mas sim como conselheiro do Governador de Macau. Quanto a Chen Jungming, vai tratá-lo como o Governador de Cantão. Nos encontros que vai ter com Wu Tingfang e outros, não vai tocar no assunto, de modo que tudo isto não tenha mais do que um cunho local, isto é, uns contactos entre a colónia de Macau e a Província de Cantão."173 Durante a guerra civil da China, isto é, durante os Governos do Sul e do Norte, a questão de Macau voltou a ser tratada, de certa maneira, num âmbito local. Embora fosse uma medida baseada numa estratégianegocial, constituía uma prova da verdadeira situação de Macau na política chinesa e da sua melindro sidade.

4.2. O Tratado de Amizade e Comércio Sino-Português


  No 1° Congresso Nacional do Partido Nacionalista da China, que teve lugar em Janeiro de 1924, foi traçada a política externa chinesa que visava abolir os tratados desiguais.
  1. Todos os direitos de que gozam os estrangeiros ao abrigo dos tratados desiguais, tais como, as concessões estrangeiras na China, a extraterritorialidade, a administração das alfândegas chinesas por estrangeiros, assim como todos os direitos políticos que os estrangeiros gozam no território chinês e que prejudiquem a soberania chinesa deverão ser abolidos para poderem celebrar tratados em pé de igualdade e com respeito mútuo das soberanias.
  2. A aqueles países que renunciem, de livre vontade, aos seus privilégios na China e dispostos a abolir os tratados prejudiciais à soberania chinesa, a China lhes concederá o estatuto de nação mais favorecida.
  3. Os tratados que prejudiquem os interesses chineses que a China mantém com as potências serão reexaminados com o critério do respeito das soberanias das partes contratantes.
  O Governo Nacionalista, que foi remodelado em 1 de Julho de 1925, em consequência do falecimento do Dr. Sun Yat-sen, reiterava que "o maior objecto da revolução nacional reside em conseguir a independência, a igualdade e a liberdade para a China, a começar por abolir os tratados desiguais."174
  Em 1928, com o fim da guerra civil entre os senhores de guerra e a reunificação da nação, o Governo nacionalista começou a pôr em prática a política externa no sentido de abolir os tratados desiguais. Em 7 de Julho, publicou-se a declaração de reexame dos tratados com o seguinte teor:
  "Pela presente, declara-se que em conformidade com as actuais circunstâncias, a fim de promover a amizade e o bem estar internacionais, de há muito tempo para cá, consideramos urgente abolir todos os tratados desiguais para actualizá-los em novos tratados em pé da igualdade e com respeito mútuo das soberanias. Esta vontade foi reiterada em repetidas ocasiões, da qual esteMinistério fez ainda em 23 de Novembro do ano passado uma solene declaração que se encontra devidamente registada. Com a situação em Pequim e Tianjing estabilizada e a reunificação conseguida, o Governo Nacionalista deseja executar imediatamente esta vontade de há muito alimentada, pelo que, além de continuar a oferecer protecção à pessoa e bens dos estrangeiros na China, dá a conhecer esta declaração, em relação aos tratados desiguais, da forma seguinte:
  1. Todos os tratados vencidos, que se celebraram entre a República da China e os países estrangeiros, são declarados abolidos para serem actualizados em novas formas convencionais;
  2. Os que ainda não caducaram serão abolidos, mediante processos negociais, pelo Governo nacionalista, para serem actualizados;
  3. O Governo nacionalista procurará medidas adequadas para os casos em que os velhos tratados se encontram vencidos e para os tratados novos por celebrar."175
  Nessa altura, o Tratado de Amizade e Comércio, que mal cumpria o seu 40° aniversário, devia ser revalidado de acordo com o seu artigo n°446 que determinava a sua revalidação de dez em dez anos. As revalidações anteriores foram automáticas, umas meras rotinas. Desta vez, o Governo nacionalista quer aproveitar-se desta oportunidade para celebrar um novo tratado em pé de igualdade e no respeito mútuo pela soberania territorial, numa tentativa de erradicar de vez o foco de todos os conflitos no relacionamento sino-português. A partir daqui, a questão de Macau deixa de ser um processo de delimitação e passa a ser uma questão de recuperação da soberania. De facto, Wang Tingzhang, o Ministro chinês em Portugal, em 1927, oficiou ao Departamento dos Tratados do Ministério dos Negócios Estrangeiros a lembrar-lhe da necessidade de celebração dum novo tratado. No seu entender, o Tratado existente "não deixaria de ser uma grande vergonha para a China" e que "todas as cláusulas desiguais (por exemplo, a extraterritorialidade) deverão ser abolidas." Em 28 de Abril do ano seguinte, o Ministério dos Negócios Estrangeiros mandou uma nota oficial a João de Bianchi176, Ministro de Portugal em Pequim, com o seguinte teor:
  "Verifica-se que o actual Tratado de Amizade e Comércio foi assinado em 1 de Dezembro de 1887. Desde lá para cá, ambos os países assinantes do Tratado conheceram mudanças radicais, o que deixou o Tratado ultrapassado, daí a necessidade de actualizá-lo.
  O Governo da China é da opinião de que o relacionamento sino-português deverá basear-se na igualdade e no respeito mútuo das suas soberanias territoriais, pelo que urge actualizar o tratado existente a fim de consolidar ainda mais as relações diplomáticas entre ambas as nações. Para atingir este objectivo, o Tratado de Amizade e Comércio, assinado em 1 de Dezembro de 1887, deveria ser revisto em conformidade com os princípios acima declarados para dar lugar a uma nova forma convencional, que esteja de acordo com as modernas normas das relações internacionais.
  Verifica-se que o actual tratado foi ratificado em 28 de Abril de 1888 e logo entrou em vigor, cujo artigo n°46 determina que 'Qualquer das duas altas partes contratantes poderá no fim de dez anos pedir uma revisão da tarifa ou dos artigos comerciais deste tratado, entendo-se que, não sendo feito dentro de seis meses contados sobre os primeiros dez anos, continuará em vigor a mesma tarifa por mais dez anos contados sobre os precedentes dez, e assim de dez em dez anos.'
  Dado que em 28 de Abril deste ano se vai cumprir mais uma dezena de anos do Tratado, o Governo da China tem a honra de informar o vosso nobre Governo que ele não estará interessado em revalidar o tratado da maneira como até agora tem feito, a partir do sétimo mês do vencimento do Tratado e propõe ao vosso nobre Governo negociações para introduzir alterações nele, para que um novo tratado possa vir a ser assinado dentro de 6 meses a partir do vencimento do actual Tratado.
  O Governo da China espera poder contar com uma reacção positiva do vosso nobre Governo a esta proposta e prometer aceitar o princípio da igualdade e do respeito mútuo das soberanias territoriais para o texto do novo Tratado. Para tal, o Governo da China espera que os dois países iniciem quanto antes as negociações sobre o novo Tratado, para que possa ser concluído no prazo de seis meses, estabelecido pelo artigo 46.° do actual Tratado a fim de evitar uminterregno entre os dois tratados, que possa arrastar as relações diplomáticas dos dois países para uma situação indefinida [...]"177
  Dois dias mais tarde, o Conselho de Estado do Governo nacionalista aceitou a proposta do Ministério dos Negócios Estrangeiros e decidiu actualizar o Tratado de Amizade e Comércio. Em 2 de Maio, num ofício de resposta, o Ministro do MNE de Portugal destaca ao dizer: "Tomei conhecimento da nota do vosso nobre Governo, apresentada poder V. Exa. o Senhor Ministro e tenho todo o prazer de garantir a V. Exa. que o Governo de Portugal, em consideração dos laços amistosos que sempre existiram entre os nossos dois países, irá estudar esta questão com amizade e espírito da cooperação e disso dará em breve uma resposta."178 Nesta resposta, não há nenhuma menção à actualização do Tratado de 1887. Em 11 de Julho, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da China mandou uma nova nota ao Ministro português, para que este a transmitisse ao seu Governo:
  "As actuais circunstâncias políticas, económicas e comerciais de ambos os países conheceram mudanças drásticas. À vista desta situação, o Governo nacionalista é de opinião de que o Tratado deverá ser actualizado por representantes de ambos os países, em pé de igualdade e com respeito pela soberania territorial com base nas novas circunstâncias que vivemos e preservar a nossa amizade, que vai beneficiar os nossos interesses comuns." Eis a resposta de João Bianchi, datada de 25:
  "Vossa Excelência declara que o Tratado Luso-Chinês de 1 de Dezembro de 1887 será tido como nulo quando caducar em 28 de Abril e as relações entre os nossos países serão reguladas pelas medidas provisórias constantes da nota, etc. Verifica-se que tanto pela letra como pelo espírito do Tratado não existe nenhuma alusão à sua caducidade em 28 de Abril. Pelo Artigo N° 46, o prazo de revalidação é de dez em dez anos. Nos 6 meses anteriores ao fim do prazo, qualquer parte tem o direito de solicitar alterações a serem introduzidas na pauta alfandegária e nos artigos respeitantes ao comércio. A China não poderá declarar unilateralmente caducado o Tratado alegando as mudanças verificadas nos campos político, económico e comercial que Vossa Excelência acaba de expor. Nestas circunstâncias, o meu Governo vê-se obrigado a rejeitar esta versãoque tente anular o Tratado de 1 de Dezembro de 1887 e a aplicação das medidas provisórias. Mas levando em consideração a multissecular amizade existente entre os nossos dois países e os legítimos esforços do povo chinês para concretizar os seus desejos nacionais e com o objectivo de estreitar os nossos laços amistosos e desenvolver o nosso bem-estar comum, o meu Governo está disposto a negociar sobre alterações a serem introduzidas no actual Tratado, com base na igualdade e no respeito mútuo da soberania territorial e até celebrar um novo Tratado com o Governo da China caso se reunirem condições para tal."
  Após repetidas discussões, Wang Zhengting, Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo Nacionalista e João Bianchi, Ministro de Portugal na China, assinaram em Nanquim aos 19 de Dezembro de 1928 o Tratado de Amizade e Comércio Luso-Chinês, que veio a ser ratificado em 27 de Março do ano seguinte. Eis os cinco artigos do Tratado:
  "Artigo 1.°: As duas Altas Partes Contratantes concordam que as tarifas aduaneiras e todas as questões que com estas se relacionam serão reguladas exclusivamente pelas respectivas legislações nacionais.
  Mais convencionam que cada uma das Altas Partes Contratantes gozará nos territórios da outra Parte, pelo que se refere às questões aduaneiras ou àquelas que com estas se relacionam, tratamento que não seja por qualquer forma menos favorável do que o tratamento concedido a qualquer outro país.
  Os nacionais de cada uma das duas Altas Partes Contratantes não serão obrigados, sob qualquer pretexto, à pagar, adentro dos territórios da outra Parte, quaisquer direitos, impostos internos ou taxas sôbre a importação e exportação de mercadorias diversos ou mais elevados do que aqueles que são pagos pelos nacionais do próprio país ou pelos nacionais de qualquer outro país.
  Artigo 2.°: Os nacionais de cada uma das duas Altas Partes Contratantes ficarão sujeitos, no território da outra Parte, às leis e jurisdição dos tribunais dessa Parte, aos quais terão livre e fácil acesso para a garantia de execução e defesa dos seus direitos.
  Artigo 3.°: As duas Altas Partes Contratantes resolvem entabular, o mais cedo possível, negociações com o fim de concluir um tratado de comércio e navegação baseado nos princípios de absolutaigualdade e não discriminação nas suas relações comerciais, e de mútuo respeito pelos direitos de soberania.
  Artigo 4.°: Do presente Tratado se fizeram duas cópias em cada uma das línguas portuguesa, chinesa e inglesa. No caso de haver divergência na interpretação, servirá o texto inglês para decidir as dúvidas que se suscitarem.
  Artigo 5.°: O presente Tratado será ratificado com a maior brevidade possível e entrará em vigor no dia em que os dois governos notificarem um ao outro que a ratificação se efectuou.
  Em fé do que os respectivos Plenipotenciários assinaram o presente Tratado e afixaram os seus selos."179
  Além disso, no dia da assinatura, foram trocados 6 anexos180. No entanto, no novo Tratado e nos seus anexos há uma ausência completa de qualquer referência sobre o statu quo de Macau. A delimitação das fronteiras deixou de ser mencionada e as relações tensas entre Cantão e Macau conheceram distensões consideráveis.
  A comunidade científica tem tentado procurar uma resposta para o facto da ausência completa de qualquer referência sobre o statu quo de Macau. Já lá vai mais de meio século desde a assinatura deste Tratado. Neste período, os assuntos fronteiriços de Macau, que têm vindo a assarapantar as relações luso-chinesas, não conheceram nenhum progresso no sentido duma solução. Por algum motivo teria sido, que ambos os governos tentaram arrumar esta questão em apenas meio ano mediante um novo tratado. Tentámos em vão encontrar algum esclarecimento acerca deste caso nas fontes chinesas e portuguesas, sobretudo na documentação chinesa não foi localizada nenhuma referência directa a esta questão. Uma possível justificação teria sido o facto de que, nas mesmas circunstâncias, o Governo nacionalista tinha o desejo de abolir os tratados desiguais, mas como não era possível convencer Portugal a abandonar Macau, optou por um meio termo, isto é tentar celebrar um tratado provisório, com ênfase na autonomia aduaneira e na extraterritoriedade, deixando de lado, provisoriamente, aquestão de Macau, legada pela história, à espera duma melhor altura para a sua solução.
  Segundo um relatório181 da Embaixada de Portugal na Inglaterra, apresentado aos 2 de Outubro de 1928, ao Governo Britânico, o Ministro de Portugal na China soube que o Delegado dos Negócios Estrangeiros de Cantão emitira um comunicado oficioso na imprensa local a declarar que recebera instruções do Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo de Nanquim no sentido de iniciar negociações sobre a recuperação de Macau. O Ministro de Portugal na China solicitou logo esclarecimentos junto do Ministro dos Negócios Estrangeiros e destacou a gravidade do caso. Ao mesmo tempo, ele comunicou ao Ministro da Inglaterra na China, sugerindo que, por ocasião das celebrações de 5 de Outubro, a Inglaterra mandasse navios de guerra de Hong Kong para Macau. Além disso, o Ministro de Portugal na China ainda informa de que durante as suas conversações com o Director do Departamento dos Tratados Internacionais do Ministério dos Negócios Estrangeiros recebera um projecto de tratado, em que se solicitava que Portugal renunciasse ao Tratado de 1887 ou aos direitos dele emanados, incluída a questão de Macau. China Critic, uma publicação com forte cunho oficial, publicou artigos que advogavam a recuperação de Macau pela China. Caso não se conseguisse recuperar Macau de maneira pacífica, não estaria excluída a hipótese do uso da força para tal fim. Por isso, "[...] the Portuguese government hope that, in the event of a surprise action of a grave nature being taken by China, they may rely on the valuable and friendly support of their ancient Ally with whom they desire to act in complete accord in the course of the negotiations with the Chinese Government."182
  Uma memória do MNE da Inglaterra183, com data de 25 de Outubro, não deixou de mencionar a questão ao dizer que quando a China e Portugal começarem a negociar sobre o Tratado de 1887, não se falaria, segundo se julgava, na questão de Macau. Mas após a ocorrência do incidente acima referido, a pedido de Portugal, o Governo da Inglaterra decidiu apoiar Portugal ao mandar navios de guerra ingleses aMacau. Mais tarde, Wang Zhengting, Ministro dos Negócios Estrangeiros, prometeu ao Ministro de Portugal na China:
  "[...] his representative was not authorised to raise the Macao question and that the Commissioner at Canton had merely been authorised to undertake delimitation negotiations. This information was at once communicated by the Foreign Office to the Portuguese Embassy. Mr. Chu has also assured the Acting British Consul General at Canton that he never authorised the statement in the local press, and that the report was untrue."
  De facto, no mesmo dia da assinatura do Tratado, além dos 6 anexos já referidos, foi trocada uma nota confidencial, assinada por Wang Zhengting:
  "I have the honour to acknowledge the receipt of Your Excellency's Note of to-day's date which reads as follows:
  ‘Regarding the Sino-Portuguese Preliminary Treaty of Amity and Commerce signed this day, I have the honour to state, in the name of the Portuguese Government, that it is to be clearly understood that agreement is restricted exclusively to the following matters: customs tariff and related matters and extraterritorial jurisdiction, and therefore the conclusion of the said Treaty can, under no circumstances or pretext, be interpreted as involving or having a bearing, in any shape or form, on any other matter.
  This statement does not affect the decision of the Portuguese and the Chinese Government, contained in Article III, to enter into negotiations for the conclusion of a new Treaty of Commerce and Navigation or prejudice the purport of the annexes to the Preliminary Treaty.'
  I have the honour to state that the Chinese Govemment is in full agreement with the above statements.
  I avail myself of this opportunity to renew to Your Excellency the assurance of my highest consideration."184
  Quando João Bianchi informou, via telegráfica, o seu Ministro acerca da assinatura do Tratado, assim justificou a nota confidencial: "[...] Governo Chinês reconhece acordo ser restrito duas questões: aduaneiras, extraterritorialidade, não podendo o presente Tratado ser jamais interpretado como afectando qualquer outra questão. Tem vantagem ressalvar possibilidade Governo Chinês dizer todo o tempo que este Tratado substituir Tratado 1887 e atestarnosso repúdio sondagens feitas para cedência outros direitos incluindo Macau. Em circunstâncias normais pouco seria, mas, atendendo intenção disposição governo Nacional e radicalismo influência que o movem, é muito."185 Por outras palavras, já existia um entendimento tácito entre as partes: o novo Tratado não substituiria o de 1887. Apenas se introduzem algumas alterações neste último.
  Nas instruções secretas186 que em 2 de Outubro de 1930 o Ministro Luís António de Magalh~æs Correia mandou a Armando Navarro, Ministro de Portugal na China, revela-se o ardente desejo português de manter o statu quo de Macau. No entender de Luís António de Magalh~æs Correia, o ponto mais importante do Tratado de 1887 reside na confirmação chinesa da perpétua ocupação e governo de Macau por Portugal e "o Governo Português mantem portanto que o Tratado de 1887 se acha em vigor de pleno direito salvo na parte em que foi modificado pelo Tratado Preliminar de 1928". Além disso, as notas confidenciais trocadas aquando da assinatura do Tratado de 1928 declaram que "[...] o tratado Preliminar é restricto às seguintes questões: Pautas aduaneiras e Jurisdição exterritorial e portanto não poderá, sob qualquer circunstancia ou pretexto ser interpretado como abrangendo ou afectando qualquer outra questão."
  Nas suas instruções secretas, ele destacou que "O facto de terem estas notas confidenciais derivado das manobras chinesas para a retrocessão de Macau confere-lhes um significado muito especial e não deverá basear-se nelas qualquer diligencia ou argumentação sem autorisação expressa do Ministro dos Negocios Estrangeiros. Teem conhecimento destas notas apenas o Governador de Macau e o Ministro de Inglaterra em Pequim e não será dado conhecimanto delas a mais ninguem". Pelos vistos, Luís António de Magalh~æs Correia deu muita importância às instruções entregues a Armando Navarro, nas quais fez um exame do processo da assinatura do Tratado lembrando o Ministro:
  "Quanto à negociação dum tratado definitivo de Comercio e Navegação, atendendo a que a garantia da ocupação de Macau está incorporada no tratado de 1887 é certo que os chineses, procurando negociar um tratado definitivo em substituição deste, terão como principal objectivo o agitar a questão da soberania de Macau, risco este fóra de toda a proporção com a extensão dos beneficios quepoderiam advir ao nosso insigmficantissimo comercio com a China, é portanto inoportuno entrar em negociações de grande amplitude."
  Ao falar da soberania, o Ministro dos Negócios Estrangeiros salienta no mesmo documento:
  "O nosso principal interesse no extremo oriente é a província de Macau e as comunidades portuguesas de filhos de Macau, -- uns 6 000 estabelecidos principalmente em Shangai e Hong Kong.
  Na campanha para abolição dos tratados desiguais figura com grande proeminencia a restituição de todos os territorios ocupados por estrangeiros. Sendo nós o mais fraco detentor de tais territorios os chineses j'a fizeram e continuarão a fazer de Macau uma pedra de toque para aquilatar da nossa resolução em defendê-la e poder avaliar, pelo apoio que encontremos, da disposição das outras potências em toda a questão da retrocessão. Acresce que há precedentes muito perigosos como seja a retrocessão da concessão inglesa de Hankow, Wei-hei-Wei, a belga de Tientsin, alem dos antigos territorios alem~æs e russos, etc.
  A pratica dos chineses é provocar pequenos incidentes à espera que estes lhes facultem a oportunidade de realisar os seus fins ulteriores. Os estrategemas de que teem lançado mão em Macau tem sido estabelecer-se subrepticiamente por varias formas na zona neutra; abusos da fiscalisação aduaneira chinesa nas nossas aguas principalmente baseando-se no contrabando do opio e no recente estabelecimento da autonomia aduaneira, que os põe em conflito com as vedetas da Capitania do Porto; greves, sublevações e disturbios da população; campanhas na imprensa chinesa e de lingua estrangeira. Estes incidentes que cumpre ao Governador de Macau suprimir rapidamente, precisam ser tidos na devida atenção pela Legação, pois na quasi totalidade dos casos tem um alcance muito alem do caracter aparentemente insignificante e local. A sua feição mais perigosa é constituirem violações do Statuo-quo.
  É o Statuo-quo que em Macau o Governo Português defende com toda a firmesa resolvido a eliminar com decisão toda e qualquer tentativa de alteração. Por serem inoportunas quaisquer negociações sobre a delimitação é indispensavel afastar inteiramente tal assunto da nossa iniciativa. Não convem que o Governo Chinês conheça esta maneira de sentir. Se por ventura alguma alusão fizerem à delimitação deverá o Ministro de Portugal na China limitar-se adizer que a vai transmitir para Lisboa informando o Ministro dos Estrangeiros com toda a urgencia e minucia."

4.3. A política portuguesa para com Macau


  Desde o decreto real, assinado em 20 de Setembro de 1844, por D. Maria II, que separou Macau da tutela do Governador da 'India para formar, juntamente com Timor e Solor, uma província autónoma, num período de quase 70 anos, praticamente Portugal não elaborou nenhuma especial medida política e administrativa. Perante esta situação, Álvaro Melo de Machado, que assumiu o cargo de Governador de Macau em 1913, lamentava-se ao dizer:
  "Emquanto Macau estiver sujeito ao regimen de centralisação metropolitana em que tem vegetado, é escusado pensar em que possa progredir. Se todas as outras colonias que nos pertencem, ha muitos annos que vêem protestando com todas as suas forças contra a pressão minuciosa, asphixiante, ridicula, da metropole -- ellas que têem uma população nativa consideravel em estado selvagem e de fraca sujeição -- ellas que pouco abundam em elementos portuguezes relativamente á sua area, e que não estão encravadas entre colonias extrangeiras extremamente proximas, que se desenvolvem a olhos vistos, e pelo contacto nos amesquinham -- nem estão situados em paizes civilisados que se esforçam por se collocarem a par das nações occidentaes, como poderá Macau, cuja população embora na grande maioria chineza, é indiscutívelmente civilisada, que numa ama restrictissima abrange milhares de habitantes de pender para a resolução dos seus mais insignificantes problemas, para a adopção das mais simples medidas, do consentimento previo e ainda da interferencia, a maior parte das vezes prejudicial, da metropole? Como é possivel conceber-se que uma colonia d'esta natureza tenha que esperar longos mezes, na mais favoravel das hypotheses, depois de uma complicada e extenuante troca de correspondencia, para resolver o mais banal dos incidentes da sua administração, tal como a diminuição de um imposto, a cadastração de terrenos, a revogação de um artigo de lei que se tome obseleto, prejudicial, incompativel?"187
  Álvaro Melo de Machado continuava a salientar que a não ser querer criar obstáculos ao desenvolvimento de Macau e empurrar Macau a um abismo de destruição, de outro modo, "não pode ser, não deveser". "Devemo-nos lembrar que todos esses capitaes, todo o commercio, todas as industrias, toda a vida de uma colonia, não podem estar sujeitos a má disposição, ao desconhecimento completo do meio, ás phantasias e á politica de pessoas que a milhares de leguas de distancia e assoberbadas por muitos outros afazeres, não fazem ideia dos transtornos, dos prejuízos, que uma pequena demora por vezes causa aos assumptos que carecem de uma resolução prompta e rapida."188
  Por isso, ele propôs a Lisboa que nomeasse governadores de confiança e com comprovadas competências administrativas, dando-lhes os suficientes poderes e responsabilidades a fim de reactivar a economia macaense com a presença de comerciantes chineses abastados, que se refugiavam em Macau fugindo do caos do interior chinês.
  "Em Hong-kong, soube-se aproveitar habilmente este fluxo de riqueza, estabeleceram-se defenitivamente centenas de commerciantes e industriaes, affluiram importantes capitaes, havia gente a mais não poder, e as propriedades venderam-se por preços fabulosos, varias vezes no mesmo dia. E isto, porque as facilidades das leis inglezas permittiam toda esta actividade, toda esta vida, porque os emigrantes sentiam bem a differença entre a venal e difficultosa administração dos mandarins e a facil, liberal e pratica administração ingleza.
  E em Macau? Asphixiados nos estreitissimos limites das possibilidades da nossa administração colonial, repletos de leis antipathicas á população chineza, absurdas para o meio, inimigas da vida activada que em semelhantes occasiões se impõe, nós tivemos que contentar-nos com o refugo que já não cabia em Hong-kong; sem que d'ahi tivesse advindo para a colonia mais do que as vantagens demasiadamente restrictas de um importante augmento de população, sem que tivessemos conseguido fixar um só capitalista, activar as transacções sobre propriedades, chamar industrias, desenvolver o commercio.
  E no entanto, teria sido tão facil obter resultados semelhantes aos de Hong-kong!"189
  Embora o Governador Álvaro de Melo Machado tenha apelado a reformas da legislação para as colónias, a fim de criar uma administração empreendedora e vigorosa, numa tentativa de melhorar as condições de vida de Macau, mesmo quando não se consegue salvar Macau, as autoridades de Lisboa, conforme as mudanças introduzidasna política geral para as coloniais, fizeram algumas adaptações para satisfazer necessidades reais das sociedades locais. No entanto, as condições políticas e económicas de Macau não conheceram melhorias significativas. Durante um período bastante longo, as actividades industriais e económicas mantiveram-se numa recessão prolongada, de modo que o jogo e o ópio continuavam a ser os pilares da sua economia e as principais fontes de rendimento. Se bem que a administração política e administrativa de Macau tenha sofrido algumas reformas e a autonomia conhecido alguma ampliação, toda a estrutura administrativa se encontra numa fase instável, sem poder possuir uma série de políticas estáveis de desenvolvimento e nunca tem conseguido livrar-se do pesado jugo do poder central que possui um alto grau de centralização.
  Em 1914, em conformidade com o modelo britânico de administração das colónias, foi promulgada a Lei Orgânica de Administração Civil das Províncias Ultramarinas, que servia de directrizes e bases jurídicas para a elaboração da lei orgânica das províncias ultramarinas. Esta lei conta com 50 artigos, que estipulam todos os pormenores das relações entre as províncias ultramarinas e o poder central, as atribuições do Governador, a constituição do Conselho de Governo e as suas competências. A Base 3.a estipula: "O Conselho Colonial será sempre ouvido sôbre todos os assuntos a respeito dos quais os governadores das colónias hajam discordado das deliberações dos Conselhos de Govêmno e sôbre os que, por excederem as atribuições dos govêrnos locais, hajam de ser objecto de disposições legislativas ou regulamentadoms do Govêmno da metrópole."
  Se se afirmar que o Decreto de 20 de Setembro de 1844 constitui a primeira lei orgânica de Macau, a Carta Orgânica da Província de Macau, aprovada com base na Lei Orgânica de Administração Civil das Províncias Ultramarinas, é a segunda, mas a mais completa, em que se estipulam todos os regulamentos pormenorizados para os assuntos políticos, administrativos, financeiros, militares e municipais, no que respeita às suas organizações e aos seus funcionamentos. Segundo esta Carta, a Província de Macau compreende os territórios de Macau e as suas dependências, conforme o Tratado de 1887 com a China (Artigo 1). A Província de Macau desfruta de autonomia administrativa e financeira, sob a superintendência e fiscalização do Governo Central (Artigo 2). A Colónia de Macau conta com duas instituições próprias: o Governadore o Conselho de Governo. O Governador administra a Província de Macau, segundo a lei e o bem público. A nomeação do Governador é feita nos termos da Constituição da República e da lei. O mandato do Governador de Macau é exercido em comissão, que dura, regra geral, 5 anos, podendo a recondução do mesmo funcionário ser feita por períodos sucessivos de dois anos. A falta de recondução do Governador, feita em decreto pelo Ministro das Colónias, publicado dois meses antes de terminada a comissão, tem o significado legal de exoneração de funções por termo de comissão de serviço (Artigos 30, 31 e 32).
  O Governador é directamente subordinado ao Ministro das Colónias e responde pelos seus actos, civil e criminalmente. As acções civis, comerciais e criminais em que seja réu o Governador da Província, só poderão, enquanto dure o seu Governo, ser instauradas na comarca de Lisboa (Artigo 37). O Governador é, em todo o seu território, quando em exercício, a superior autoridade, tanto civil como militar (Artigo 41). O Governador é agente e representante do Governo da República (Artigo 42). Compete ao Governador exercer o poder executivo, militar, financeiro e legislativo (Artigos 43, 45, 46 e 47). O Governador, no exercício do seu poder legislativo, expede portarias (Artigo 48).
  O Conselho de Governo é o "seu primeiro e principal órgão, depois do Governador, funcionará regularmente em assídua colaboração com ele, nos termos fixados neste diploma." (Artigo 54). O Conselho de Governo é constituído por membros funcionários e membros não funcionários. O Governador, o Secretário do Governo, o Delegado do Procurador da República, o Chefe dos Serviços de Saúde, o Director das Obras Públicas, o Director dos Serviços de Fazenda, o Chefe dos Serviços de Marinha e o Chefe dos Serviços Militares. A sua principal função é de expor e elucidar tecnicamente os assuntos a discutir e a resolver, bem como a de fazer sentir a acção ponderadora das tradições e normas administrativas. São membros não funcionários do Conselho de Governo vereadores, portugueses ou naturalizados, da Câmara Municipal de Macau, dois representantes da Comunidade Chinesa, escolhidos pelo Governador de entre os portugueses ou naturalizados com cinco anos, pelo menos, de naturalização, sabendo ler e escrever português com residência na Colónia por tempo não inferior a oito anos, que representam a população para os efeitos de promover e defender os seus interesses legítimos e exprimir a sua opinião (Artigo 55). Pelos vistos, osinteresses locais começam a ser levados em consideração, se bem que ainda não merecem uma devida atenção.
  Embora, pela Lei Orgânica de Administração Civil das Províncias Ultramarinas, se conceda o poder legislativo genérico ao Governador, que lhe permite "estatuir, em geral, sobre todos os casos e assuntos que à colónia digam respeito" (Base 14, n° 4), a nova Carta Orgânica da Província de Macau estipula que ao Governador de Macau compete estabelecer ou modificar a divisão territorial do ponto de vista administrativo ou fiscal; organizar os quadros dos serviços da Província, fixando o vencimento do pessoal, as condições da sua admissão, promoção e outras conexas e regular a circulação fiduciária e monetária. Não são executórias, sem aprovação do Governo da metrópole, as deliberações do Conselho de Governo que versem sobre algum dos assuntos seguintes: 1)direitos e deveres dos habitantes; 2)organização e constituição dos tribunais e repartições de justiça; 3) execução de obras, melhoramentos e serviços públicos; 4)contrair empréstimos e realizar as operações de crédito. Dependem também de prévia aprovação do Governo da Metrópole, para terem efeito executório, as deliberações que alterem leis em vigor ou decretos com igual força (Artigos 80 e 81).
  O Conselho de Governo não é apenas um órgão consultivo. Conta já com certa função de órgão legislativo oficial e como tal constitui uma força vigiadora dos poderes do Governador. Pela primeira vez, o Conselho de Governo possui a iniciativa de apresentação de propostas. Os vogais do Conselho de Governo têm o direito de apresentar em sessão, por escrito, pedidos de esclarecimentos sobre todos os assuntos relativos à administração da Província, junto do Governador (Artigos 70 e 71). O Governador só pode-exercer o seu poder legislativo com a aprovação do Conselho de Governo. Considera-se o Conselho de Governo no exercício da função consultiva quando seja solicitado pelo Governador da Província a emitir parecer sobre qualquer assunto interessando a sua administração, sendo dever deste ouvi-lo em todos os casos graves ou importantes. No entanto os pareceres do Conselho de Governo sobre o poder executivo do Governador não são vinculativos (Artigos 44, 77 e 78). Sob proposta fundamentada do Governador da Província, "O Govêrno da Metrópole tem competência para dissolver a parte composta pelos vogais vereadores e representantes da Comunidade Chinesa do Conselho do Govêmno, no caso de ofensa à autoridade superior da Província ou aos poderes constituídos, desobediência às determinaçõesdêstes ou às leis, insistente perturbação da marcha regular dos trabalhos ou acentuada indiferença ou desleixo no exercicio das suas funções." (Artigo 74). Os conflitos entre o Conselho de Governo e o Governador serão arbitrados pelo Governo Central após ouvido o Conselho Colonial (Artigos 3, 6 e 69).
  Com a revisão constitucional de 1920, concedeu-se maior autonomia às colónias (Lei N° 1005, de 7 de Agosto de 1920). A colónia passa a ter 3 órgãos: o Governador, o Conselho Legislativo e o Conselho Executivo. O antigo Conselho de Governo foi dividido em dois novos conselhos, que passam a ser mais aperfeiçoados do que o antigo. "A competência legislativa dos governos coloniais exerce-se sob a fiscalização da metrópole e com o voto de conselhos legislativos onde haverá representação local adequada ao desenvolvimento de cada colónia." (Artigo 3).
  De acordo com a nova Lei, o Congresso da República conserva apenas a competência exclusiva para fazer as leis orgânicas coloniais e os diplomas legislativos que abrangerem cessão de direitos de soberania ou resolução sobre limites de território da Nação, autorização ao Poder Executivo para fazer guerra ou paz, resolução definitiva sobre tratados e convenções, alteração da organização do poder judicial, sendo as restantes matérias "da competência do Poder Executivo se respeitarem a providências gerais extensivas a mais de uma colónia ou dos governos coloniais se respeitarem a providências restritas a colónias determinadas" (Artigos 2 e 3). Assim, verifica-se um substancial alargamento da acção legislativa do Governo e do Governador.
  A competência legislativa dos governos coloniais, porém, exerce-se sob a orientação e fiscalização da metrópole e com o voto de conselhos legislativos. Se o Conselho Legislativo não votar favoravelmente uma proposta do Governador, esse voto pode ser suprido pelo governo central se "urgentes e imperiosas circunstâncias de administração pública o exigirem", devendo, portanto, esse suprimento ser submetido depois ao Congresso para fiscalização.
  O Conselho Executivo é constituído pelo Governador, o mais graduado representante do Ministério Público, quatros chefes de serviços nomeados anualmente pelo Governador sob confirmação do Poder Executivo e um vogal nomeado anualmente pelo Governador sob confirmação do Poder Executivo (Artigo 2). Os membros do Conselho Executivo são também membros do Conselho Legislativo. Os membros não funcionários do Conselho Legislativo são: 1) O presidente do LealSenado da Câmara de Macau; 2) um vereador do Leal Senado da Câmara de Macau, eleito por este; 3) um cidadão, elegível para vereador, eleito pelos 30 maiores contribuintes de todas as contribuições; 4) dois representantes da comunidade chinesa escolhidos pelo governador de entre membros dessa comunidade (Artigo 10).
  Apesar de os membros do Conselho Legislativo passarem a ser eleitos, o poder legislativo do Governador fica sujèito a maiores limitações. Qualquer proposta de novo diploma que tenha imediata força executória, antes de ser discutido em Conselho Legislativo, deve expor ao Ministro das Colónias os respectivos fundamentos, com a antecedência necessária para poderem receber quaisquer instruções que o Governo da metrópole julgar conveniente dar sobre a respectiva matéria (Artigo 24).
  Em 1926, foram introduzidas novas reformas na legislação colonial portuguesa (Decreto N° 12421, de 2 de Outubro de 1926). A legislação colonial portuguesa foi sistematizada para "obstar à desorganização administrativa e financeira em que as colónias se encontram." (Cf. a parte introdutória do Decreto N° 12421, de 2 de Outubro de 1926).
  Quase ao mesmo tempo, as autoridades portuguesas aprovaram a Carta Orgânica da Colónia de Macau (pelo Decreto N° 12499-C, de 4 de Outubro de 1926). Conforme esta nova carta, Macau passou a contar com duas instituições políticas: o Governador e o Conselho de Governo. A nomeação do Governador é feita pelo Governo da metrópole, em Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro das Colónias (Artigo 7). É directamente subordinado ao Ministro das Colónias (Artigo 13). O Governador é quem preside ao Conselho de Governo. O Conselho de Governo tem atribuições deliberativas e consultivas e é composto por vogais natos, vogais de nomeação do Governador e vogais eleitos (Artigo 32).
  Os vogais natos são os seguintes funcionários: o director dos Serviços da Administração Civil, o delegado do Procurador da República da Comarca, o director das Obras Públicas e o director dos Serviços de Fazenda (Artigo 42). Os vogais de nomeação e os vogais eleitos, são sempre em número igual e escolhidos entre os habitantes da colónia (Artigo 33). Os 3 eleitos são um representante do Leal Senado da Câmara de Macau, por ele eleito, de entre os seus vogais; um representante da população, eleito por sufrágio directo, e um representante da comunidade chinesa, eleito pela Associação Comercial(Artigo 43). A introdução do sufrágio directo constitui uma novidade legislativa neste diploma. Tanto os de nomeação como os eleitos têm um mandato de dois anos. Podem ser reconduzidos ou reeleitos. Em alguns casos, sob proposta fundamentada do Governador, pode o Ministro das Colónias, decretar a dissolução da parte eleita do Conselho de Governo (Artigo 62).
  Compete ao Governador exercer o poder executivo e legislativo (Artigo 19). Compete ao Governador, com o voto consultivo do Conselho de Governo, regulamentar a execução das leis, decretos e mais diplomas no território (Artigo 32). A elaboração de diplomas legislativos importantes compete especialmente ao Conselho de Governo, como corpo deliberativo (Artigo 70). O Conselho de Governo tem dois períodos de sessões ordinárias anuais (Artigo 52). Os vogais não oficiais têm o direito de apresentar em sessão, por escrito, pedidos de esclarecimentos sobre todos os assuntos relativos à administração da Província, junto do Governador (Artigo 57 e 58 ) As divergências entre o Governador e o Conselho de Governo são arbitradas pelo Ministro das Colónias (Artigo 56).
  Mesmo após a fundação da República Portuguesa, a situação política estava numa instabilidade constante, o que provocou repetidas mudanças na política colonial portuguesa. Em 1928, Salazar assumiu a pasta das Finanças e começou a tomar conta do poder, o que lhe permitia remodelar o Governo. Em 1930, pelas divergências que tinha com o Ministro das Colónias, chegou a acumular esta pasta. Em 1932, assumiu as funções de Presidente do Conselho de Ministros e criou o chamado Estado Novo numa dominação ditatorial. O Decreto N° 18570, de 8 de Junho de 1930, vulgo Acto Colonial, constitui o início das reformas ultramarinas do Estado Novo. O Acto Colonial, levando em consideração as correntes mundiais do anti-colonialismo, tentou corrigir a desorganização da administração pública das colónias. Para tal, realçou-se a solidariedade moral e as políticas existentes nas suas diversas componentes e, no que se refere ao Império, reforçou-se o poder central metropolitano e reduziu-se a autonomia das colónias.
  A Constituição de 1933 confirmou o conteúdo do Acto Colonial e decretou a sua promulgação com as alterações requeridas pela revisão constitucional. Nas duas décadas seguintes, nenhuma das colónias possuía a sua própria lei orgânica, cuja administração se regia pela Carta Orgânica do Império Colonial Português (Decreto-Lei N° 23228 de 15 deNovembro de 1933) e pela Reforma Administrativa Ultramarina (Decreto-Lei N° 23229).
  A Carta Orgânica do Império Colonial Português, que entrou em vigor em 1 de Janeiro do ano seguinte, estipula todos os pormenores da administração colonial, as relações entre o poder central (A Assembleia, o Governo, o Conselho de Ministros, O Ministro das Colónias) e os governos das colónias. O Ministro das Colónias passa a ser "o principal orientador e dirigente da política colonial" (Artigo 9), que, auxiliado pelo Conselho Superior das Colónias, a Conferência dos Governadores Coloniais e a Conferência Económica do Império Colonial Português como corpos consultivos, exercia todos os poderes sobre as colónias, excepto o poder legislativo, que era como o Governador dos Governadores. O poder central com uma administração integrada e centralizadora das colónias, tornou-se mais poderoso. As características específicas da sociedade macaense foram menosprezadas. Disso um estudioso de Macau fez uma análise bem penetrante:
  "De entre os muitos factores da queda de Macau, um dos mais fatais é sem dúvida a sistemática e habitual indiferença pelas exigências da situação local e do meio, quer do ponto de vista legislativo, quer comercial. Daí resulta um círculo vicioso de anomalias bem sugestivas do ditado: verdade é mais estranha que a ficção. Ainda mal adaptadas aos usos e às condições locais, as leis estatuárias, melhor ajustadas às colónias africanas e outras, são tragicamente aplicadas a Macau, embora sirvam apenas inconscientemente para espantar os interesses reais em perspectiva."190

4.4. Macau e a política portuguesa


  Sem dúvida alguma, as políticas institucionais portuguesas para com Macau são importantes, sobretudo com a sua adaptabilidade à legislação vigente. Serão mais proveitosas caso haja executores adequados. Devido ao factor distância que separa Macau da metrópole e às dificuldades nas comunicações, não tem sido muito marcante a directa influência da política portuguesa em Macau. A notícia da fundação da República demorou a chegar a Macau e não foi por isso muito celebrada, o que constituiu um contraste em relação à criação da monarquia constitucional havia 90 anos atrás, que foi festejada compompa e circunstância,191 o que nos leva a crer que os portugueses, naturais de Macau, se revelavam de algum modo indiferentes à política da M~æ-Pátria. No entanto, após o advento republicano, desembarcaram muitos portugueses em Macau, o que levou ao surgimento de contendas entre os republicanos e os monárquicos. Isto constituiu o início da extensão da política portuguesa a Macau, origem de impactos negativos na política de Macau.
  Com a vitória da República em Portugal, no seio dos próprios republicanos surgiram muitas facções. Ao mesmo tempo, apareceram o Partido Democrático, que lutava por reformas radicais, e o Partido Progressista que advogava a reconciliação nacional. Até surgiram das circunstâncias dessa altura muitos partidos de coligação. A eclosão da 1a Grande Guerra provocou mais divisões nas forças políticas, em torno da participação ou neutralidade em relação à Guerra. Na década logo a seguir ao pós-guerra, com o agravamento dos problemas económicos, financeiros e sociais da sociedade portuguesa, a vida política de Portugal conheceu as maiores instabilidades. Só em 1920, houve 8 governos sucessivos. As personalidades ligadas à política que se encontravam afastadas do poder, procuravam Macau como o seu refúgio ou base de apoio para o seu reaparecimento na vida política portuguesa. Para os que se refugiavam em Macau pelo motivo acima exposto, Macau era um paraíso de empregos. Conforme a legislação dessa altura, os funcionários portugueses mantinham os seus escalões, isto é, os vencimentos fixados em Lisboa. Como o câmbio oficial entre o escudo e a pataca nem correspondia a 5% do seu valor real, assim os que vinham trabalhar em Macau recebiam vinte vezes mais do que receberiam na metrópole em escudos192. O grande número de portugueses que vieram buscar o sustento em Macau constitui um pesado encargo para as finanças macaenses.
  Mesmo para aqueles que se auto-exilavam em Macau, esta cidade não deixava de ser um trampolim ideal para o seu reaparecimento na vida política metropolitana. Rodrigo José Rodrigues, que foi Ministro do Interior do Governo de Afonso Costa, veio com o cargo de Governador de Macau, após o seu fracasso político em Lisboa, trazendo consigo o espírito revolucionário democrático para o Oriente. Manuel Ferreira Rocha, Secretário do Governo que veio com ele, voltou,passado pouco tempo, a Lisboa para tutelar a pasta do Ministério das Colónias. O Capitão Henrique Travassos Valdez, de ideais revolucionários diferentes, juntou-se às forças conservadoras locais para fazer oposição a Rodrigo José Rodrigues. E acabou por ser eleito pelo círculo de Macau deputado à Assembleia Nacional recuperando a sua vida política. Uma vez eleito, voltou a Lisboa para a continuação das suas actividades revolucionárias.
  Exemplos como estes são inumeráveis. Um insignificante lugar de deputado de Macau chegou a ser objecto de disputa generalizada. Esta luta não deixou, sem dúvida, de imprimir as suas marcas directas na governação de Macau. Por exemplo, o contrato que Rodrigo José Rodrigues assinou com uma firma estrangeira para as obras de melhoramento do porto de Macau, chegou a ser foco de lutas político-partidárias, que só pararam quando foram levadas a Lisboa. As lutas político-partidárias também penetraram nas forças armadas, que se saldaram num motim mais ou menos grave, que quase chegou a derrubar o Governo. Esta situação só conheceu alguma melhoria com a criação da Segunda República em 28 de Maio de 1926, com o Marechal Gomes da Costa (que tirou os seus cursos primário e secundário no seminário de Macau). Esta melhoria deve-se à instabilidade da situação política na metrópole e à retirada para Lisboa de bastantes portugueses refugiados em Macau. Artur Tamagnini de Sousa Barbosa, que veio pela segunda vez para Macau, tomou posse de mais um mandato de Governador de Macau em Dezembro de 1926, e manteve-se neste cargo milagrosamente durante 5 anos, desempenhando um papel muito positivo para a estabilidade e desenvolvimento da economia e da sociedade de Macau.193
  Pouco antes da posse de Artur Tamagnini de Sousa Barbosa, serenou a Greve de Cantão e Hong Kong. A Fábrica de Ópio e as casas de Fantan, principais fontes de rendimento do Governo, foram suspensas, o que provocou uma recessão económica generalizada em Macau. O projecto lançado pelo Governador Machado, havia 10 anos atrás, concretizou-se em parte com este mandato de Artur Tamagnini de Sousa Barbosa. As indústrias, o turismo e o sector imobiliário de Macau recuperam rapidamente para um desenvolvimento sustentado. Foram lançados bons alicerces para as telecomunicações, correios e transportes. O novo Governador não só soube promover investimentos dacomunidade comercial chinesa de Macau, como também se preocupou como desenvolvimento das relações de boa vizinhança com a zona vizinha a Macau, conseguindo uma significativa melhoria no relacionamento luso-chinês que tinha vívido muitas turbulências até esse momento. Os contactos a alto nível entre Cantão e Macau foram reiniciados e reforçados. Os conflitos fronteiriços tiveram tendências para se sanarem. A Estrada entre Macau e Shiqi foi oficialmente inaugurada em 18 de Março de 1928. Além disso, com as mais estreitas relações que unem Macau a Hong Kong, os transportes marítimos entre as duas localidades iam conhecendo melhorias e desenvolvimento ainda maiores. O desenvolvimento económico deu força motora às actividades educativas e culturais. Iniciou-se um processo paulatino, mas estável, para a modernização de Macau. Tudo isto se deve "à bôa política seguida pelo Governo da Colónia de colaboração com chineses, nossos amigos" e "ao esforço e inteligência do actual Governador, sua Excelência o Snr. Artur Tamagnini de Sousa Barbosa, aproveitando convenientemente as oportunidades, seguindo uma hábil e profícua política de bons entendimentos e atracção com elementos chineses cujo concurso é muito valioso."194
  No entanto, o factor mais decisivo teria sido a distensão entre as relações luso-chinesas e o seu desenvolvimento em consequência do Tratado de 1928. Os assuntos fronteiriços, que durante muito tempo tinham sido o vexata questio, foram postos de lado e promoveu-se uma cada vez mais estreita cooperação económica entre Cantão, Hong Kong e Macau. Ao iniciar-se a década de 30, a situação política portuguesa entrou numa fase de estabilidade. A sua situação económica e financeira começou a conhecer melhorias. Estes factores produziram consequências positivas no desenvolvimento político e social de Macau.

5. Macau e a revolução chinesa moderna


5.1. A presença de pensadores reformistas em Macau


  Nos finais do séc. XIX e inícios do séc. XX encontrava-se o povo chinês numa constante luta contra as invasões de potências ocidentais, numa tentativa de ultrapassar uma crise de vida ou de morte em que vivia a nação chinesa. O pensamento e os movimentos reformistas espalhavam-se um pouco por todo o lado. Macau, com a sua proximidade geográfica junto a Cantão e com o ambiente político daadministração portuguesa, forneceu um espaço especial e condições favoráveis para os pensadores reformistas, dos quais se pode destacar Zheng Guanying,195 Kang Youwei,196 Liang Qichao197, que desenvolveram dinamicamente as suas actividades em Macau. O Dr. Sun Yat-sen, pioneiro da revolução democrática da China, em diferentes períodos, serviu-se também de Macau como base para a sua causa revolucionária198.
  Zheng Guanying nasceu em 1842 numa família feudal da Vila Yongmo, do Distrito de Xiangshan. Aos 17 anos, reprovado no exame académico imperial a n~'vel distrital, suspendeu os seus estudos e dedicou-se a actividades comerciais. Durante a sua estadia em Shanghai, aprendeu línguas estrangeiras e recebeu alguma educação de estilo ocidental. Nessa altura, vendo as dificuldades que a China atravessava, vivia muito ressentido da crise em que se encontrava a nação chinesa, o que lhe inspirou um forte patriotismo e a ideia de salvar a nação com actividades mercantis. Como a sua terra natal ficava perto de Macau, já na sua adolescência visitara, em repetidas ocasiões esta cidade, o que lhe permitiu adquirir profundos conhecimentos da situação desta colónia. Vendo os barracões de cules e casas de prostituição que enchiam Macau, assim como os conluios entre estrangeiros e comerciantes chineses desonestos, não hesitou em qualificar Macau de "terra de animais" nos seguintes termos:
  "Eu, viajado por meio mundo, nunca vi uma terra com tantos bandidos e gente vil como em Macau! Pensando bem, a razão é simples: a Administração Portuguesa dá guarida a estes indivíduos, tomando esta parcela do nosso território imperial numa linha de divisão entre pessoas e diabos, numa terra de animais, onde reinam os mais extravagantes disparates, que tomam a vida social num inferno, o que reputo um grande passo em falso da nossa estratégia."199
  No entanto, ao tempo que exteriorizava a sua ira contra um mundo tenebroso, não deixou de reconhecer as "tecnologias avançadas europeias", de modo que lançou a ideia de "vias de se enriquecer" que pudessem contribuir para o desenvolvimento do capitalismo nacional chinês, e apresentou propostas para melhorar os costumes sociais, com fortes ódios e críticas contra o consumo do ópio. Durante o seu repouso em Macau, dedicou-se, de alma e corpo, à elaboração de Palavras Amargas para uma Época Próspera, que é apreciado como o melhor documento teórico de todos os tempos do pensamento do reformismo moderno chinês. Colocou, com base em informações muito pormenorizadas, os mais variados temas das reformas modernizadoras da China, ao alertar os chineses para urgentes reformas políticas, e para darem importância ao mercantilismo e à promoção da educação, de forma a possibilitar o enriquecimento da nação e o fortalecimento das forças armadas. Trata-se duma obra que beneficiou as reformas sociais dessa época com muitas mensagens inspiradoras e que exerceu profunda influência nos movimentos reformistas que conduziram à queda da última Dinastia Imperial.200
  Após a Guerra Sino-Japonesa de 1895, os movimentos reformistas começaram a ganhar o seu carácter político. Perante as fortes influências do feudalismo cantonês, reformistas, tais como Liu Zhenling, puseram-se em contacto com He Tingguang, comerciante multimilionário de Macau, com ideais patrióticos, e em consequência disto, Kang Youwei, líder do reformismo, deslocou-se em Novembro de 1886 a Macau, a fim de ali promover os ideais reformistas. Estas iniciativas mereceram apoios da comunidade local, de modo que Kang Youwei decidiu tomar Macau como base de operação dos reformistas no sul da China e deixou o seu irmão Kang Guangreng201 ficar em Macau, onde se dedicava aos preparativos da criação dum jornal reformista. Com uma angariação de fundos bem sucedida -- uma boa parte vinda de portugueses de Macau -- a pedido dos accionistas, Liang Qichao, chefe de redacção do jornal shanghainês Shiwubao (The China Progress)202, que se encontrava de visita aos seus familiares em Cantão,foi convidado a vir a Macau, onde fundou com outros o jornal Reformador da China.
  O primeiro número do Reformador da China saiu em 22 de Fevereiro de 1897. Inicialmente, publicava-se de 5 em 5 dias. A partir do n° 20, passou a ter um intervalo de 10 dias. Este jornal tornou-se numa importante tribuna de opinião pública a favor do reformismo, onde se davam a conhecer actualidades, notícias políticas do mundo, ciências e tecnologia. Os seus editoriais eram breves, mas penetrantes. Tudo isto fez com que ele fosse muito procurado tanto dentro da China como fora dela. Além desta iniciativa jornalística, os reformistas deram especial atenção à criação de escolas de estilo ocidental em Macau, com o objectivo de preparar a flor e a nata da juventude para as organizações reformistas. Além disso, fundaram várias organizações, tais como Associação contra a Deformação dos Pés e a Associação contra o Ópio em Macau, ambas destinadas a erradicar os usos e hábitos antiquados.
  Com o fracasso da Reforma de 1898203, os reformistas que actuavam no continente chinês deixaram sucessivamente a China para o exílio. Kang Youwei e familiares de Liang Qichao refugiaram-se em Macau. Mesmo após o encerramento de jornais e revistas reformistas, com sede na China, o jornal Reformador da China continuou com a sua publicação, devido à especial conjuntura política de Macau, tornando-se deste modo, o único jornal que continuava a advogar o reformismo. No entanto, para evitar represálias da Dinastia Qing, a partir do n° 60, os artigos de fundo passaram a ser assinados com pseudónimos e o português Francisco Fernandes foi convidado para director do jornal desde Novembro do mesmo ano.
  Em Julho de 1899, Kang Youwei criou a Sociedade da Protecção do Imperador, no Canadá, e decidiu tomar o jornal Reformador da China e o jornal Qingyibao (Political Comentary)204, fundado por Liang Qichao e outros em Yokohama, Japão, como órgãos da recém-constituída sociedade. Dado que a Sociedade da Protecção do Imperador contava com bastante influência em Macau, que é "uma ponte entre a China e o exterior", Kang Youwei tomou outra decisão, isto é, instalar a sede da Sociedade da Protecção do Imperador em Macau, tornando-a numa importante base de luta contra a Imperatriz-M~æ, e também como uminstrumento de angariação de fundos. Foi a partir de Macau que se planejou a sublevação do Príncipe Qing, a fim de tomar a Cidade de Cantão.
  O plano da tomada da Província de Guangdong não se concretizou. Aconteceu que a Sociedade da Protecção do Imperador de Macau se envolveu no caso Jing Yuanshan205. Jing Yuanshan, Director Geral dos Correios de Shanghai, por ter dirigido um telegrama aberto à nação chinesa contra a entronização de "Daage-Príncipe Regente"206 tornou-se objecto duma ordem de captura emitida pela Dinastia Qing e refugiou-se em Macau, onde veio a ser encarcerado pelas autoridades portuguesas do território. Li Hongzhang207, Vice-Rei dos dois Guangs, solicitou a sua extradição junto das autoridades portuguesas de Macau mas a Sociedade da Protecção do Imperador de Macau saiu em sua defesa. Com a mobilização das comunidades chinesas no ultramar e com a solidariedade da comunidade internacional, foi atingido o objectivo de obrigar o Governo Português de Macau a reconhecer o estatuto de exilado político ao preso. Este viria posteriormente a ser posto em liberdade e sendo-lhe concedido asilo político.208
  Macau também foi a porta, pela qual o Dr. Sun Yat-sen tomou contacto com o mundo e a cena onde ele iniciou a sua vida política e social. Na sua adolescência, viajava muitas vezes entre a aldeia Cuiheng, do actual Distrito Zhongshan, sua terra natal, e Macau. Aos 12 anos, embarcou em Macau para Honolulu, para realizar ali os estudos que lhe vieram a alargar a visão ao receber novos conhecimentos e novos conceitos. Ele assim escreve na sua memória essas primeiras impressões sobre Macau: "Fiquei a conhecer uma coisa tão maravilhosa que era o barco a vapor e a imensidão do oceano, daí nasceu-me a admiração pelos conhecimentos ocidentais e o desejo de percorrer o mundo "
  No Outono de 1892, o Dr. Sun Yat-sen, ao acabar o seu curso no College of Medicine for Chinese of Hong Kong, veio praticar medicina em Macau por conta própria e acumulava um cargo no Hospital Kiang Wu, começando a prestar os seus serviços à sociedade macaense. Dois anos antes, publicara na imprensa chinesa de Macau Uma Carta dirigida aZheng Zaoru209 e discutiu com reformistas como Zheng Guanying sobre as reformas do regime político. Em 1893, ajudou o seu amigo português Francisco Fernandes a criar a edição chinesa do jornal Echo Macaense210, em que passou a advogar os pensamentos democráticos da revolução burguesa. Em Agosto de 1905, com a fundação da Liga Unida em Tóquio, o Dr. Sun Yat-sen mandou Feng Ziyou211 a Hong Kong e Macau para "contactar mais camaradas". Foi criada a Sala de Leitura Lequn em Macau, para levar a cabo actividades promovidas pela Liga Unida. No Inverno de 1909, a Liga Unida criou a sua secção de Macau, que mantinha contactos com os jovens progressistas locais, para recrutar mais recursos humanos para a sua revolução, divulgar as ideias revolucionárias, angariar fundos, preparar a luta armada contra a Dinastia Qing, e contribuiu decisivamente para a independência de Cantão.
  Reformistas e revolucionários, sobretudo, as actividades do Dr. Sun Yat-sen obtiveram apoios de não poucos portugueses, nomeadamente de Francisco Fernandes, Joaquim Bastos e a simpatia do Governador Horta e Costa, mas encontraram obstáculos nos tradicionais conservadores, incluindo a Igreja Católica. Estes bem receavam que as actividades dos revolucionários pudessem vir a afectar a estabilidade social de Macau e as suas relações com o Império Chinês. Com apenas um ano de actividade médica em Macau, o Dr. Sun Yat-sen foi proibido de exercer a sua profissão em Macau pelas autoridades portuguesas, com a alegada desculpa da falta de habilitações literárias obtidas numa instituição portuguesa do ensino de medicina. Perante esta proibição viu-se obrigado a mudar para a cidade de Cantão, onde recomeçaria a sua vida profissional. Sobre este caso, um autor português salienta:
  "Embora os correligionários de Sun Yat-sen fossem na sua esmagadora maioria jovens ocidentalizados, e em grande parte cristãos, constituíam um perigo maior, pois defendiam não só as ideias republicanas que o Governo Português também combatia, como se revelavam hostis à presença estrangeira na China, pelo menos soba forma de colónias, que era o caso de Macau e de Hong Kong -- apesar de se servirem destes dois territórios como importantes bastiões de apoios locais de refúgio e centros de agitação. Por outro lado, a sua associação com os bandos de piratas e com a Tríade constituía outro motivo de preocupação. Esta política do governo português de Macau não impedia, no entanto, que fosse prestada discreta protecção aos oposicionistas chineses que eventualmente aqui se refugiavam e se tornavam notados pelo governo da Província de Guangdong, o qual, frequentemente, pedia a extradição de inimigos políticos ao Governador português, ao abrigo de acordos existentes."212
  Mas, esta política de tolerância não significava que o governo português de Macau deixasse os reformistas e revolucionários completamente à vontade nas suas actividades "[...]a administração colonial permanecia tão atenta quanto podia aos seus movimentos e actuava quando as suas acções ultrapassavam os limites considerados aceitáveis, de modo a não pôr em risco as relações entre Portugal e a China. Encarregava-se da vigilância do mundo chinês a Repartição dos Assuntos Sínicos (RAS), um departamento administrativo do Governo [...]"213 A Procuratura Sínica (Repartição dos Assuntos Sínicos) era uma instituição directamente tutelada pelo próprio Governador. Além de se dedicar à tradução de documentos oficiais, contava com uma secção de investigação, cujos trabalhos atingiam todos os campos. No entanto, a sua actividade principal, era acompanhar os fenómenos e movimentos políticos dentro da comunidade chinesa, através da censura à imprensa, ao teatro e ao cinema, até à vigilância de comícios e figuras suspeitas de actividades subversivas. Para tal, serviu-se de todos os meios ao seu alcance. Porém, isto não impediu que os reformistas e revolucionários se aproveitassem das facilidades fornecidas pelo especial ambiente político de Macau para promover actividades destinadas ao derrube da Dinastia Qing. Mesmo após a Revolução de 1911, o Dr. Sun Yat-sen visitou por várias ocasiões Macau à procura da solidariedade da comunidade chinesa do ultramar e da comunidade internacional, tendo levado a cabo outras actividades revolucionárias que contribuíram para a aceleração do processo de modernização da China.

5.2. O Movimento Operário de 29 de Maio


  Os anos 20 do presente século assistiram a um movimento operário assolador e em franca expansão no triângulo Cidade de Cantão--Hong Kong--Macau. Aquando da gigantesca greve dos marinheiros de Hong Kong, verificada em Janeiro de 1922, as autoridades portuguesas bem receavam que isto pudesse vir a alastrar-se até Macau. Em 1 de Maio, os operários de Macau saíram à rua a festejar em desfile a sua festa. Disso as autoridades portuguesas de Macau já estavam mais do que apreensivas. O que sucedeu contra todas as suas expectativas, porém, foi que em Macau também se desencadeou uma greve de grande envergadura.
  Na tarde de 28 de Maio de 1922, uma mulher chinesa que circulava pela Rua da Tercena foi assediada e humilhada em público por um soldado africano. Os transeuntes que assistiram ao caso, indignados com o comportamento do soldado negro, deram-lhe uma sova valente. Ao saber isto, a polícia compareceu logo no lugar do incidente e deteve sem mais nem menos três operários jovens, um dos quais, de nome Zhou Jing, barbeiro de profissão, foi levado a um interrogatório que lhe fizeram no Quartel General. Na mesma noite, foi condenado a 12 dias de prisão. Esta notícia deixou a sociedade civil chinesa furiosa. Centenas de operários compareceram no posto policial da Rua da Caldeira e cercaram-no por completo, a reivindicar a libertação de Zhou Jing e de outros presos. Um grupo de militares portugueses que vieram acudir ao posto policial, foi surpreendido pelos populares a meio do caminho e disparou contra a multidão, causando uma morte e vários feridos. Os populares em fúria não cederam com medo. Como as autoridades não aceitaram o pedido dos sindicatos de libertar os operários presos, a multidão que cercava o posto policial crescia sem cessar, até que na manhã do dia seguinte, já atingia uma dezena de milhar. As autoridades portuguesas de Macau, trespassadas de medo, mobilizaram mais reforços. As tropas que vieram a acudir ao posto policial começaram por disparar para o ar. Como a multidão não arredava pé, chegaram a disparar contra ela, causando imediatamente mais de 70 mortos e centenas de feridos. Este incidente,214 que ficou conhecido na comunidade chinesa como "Massacre de chineses por soldadosportugueses", provocou uma greve geral do operariado de Macau, em protesto contra as atrocidades perpetradas pelas autoridades portuguesas de Macau.
  Na noite da tragédia, a Associação Geral dos Operários de Macau reuniu-se numa sessão urgente, na qual foi decidido mandar representantes para iniciar diligências junto das autoridades portuguesas para castigar os criminosos e indemnizar os familiares tanto dos mortos como dos feridos. Ao mesmo tempo, mandou um telegrama ao Governo Militar de Cantão para que este entrasse em contacto com o Governo Português. Mas as autoridades portuguesas não se mostraram nada arrependidas do que tinham feito e chegaram a mandar publicar um número especial do Boletim Oficial do Governo, em forma de suplemento, em que o Encarregado do Governo decretou o estado de sítio:
  "Estando, desde ontem, a passar-se nesta Colónia, factos de natureza extremamente grave, que atentam não só contra a dignidade da soberania nacional e do prestígio das autoridades, mas contra a segurança da própria população e que mais se acentuaram na manhã de hoje;
  Considerando que falharam até agora todas as medidas conciliatórias tendentes ao restabelecimento da normalidade; e
  Considerando finalmente a necessidade imperiosa de empregar medidas imediatas de carácter excepcional e urgente, sendo tambén indispensável manter a todo o transe a ordem e segurança pública e o abastecimento da população;
  O Encarregado do Govêrno da Província de Macau, com o voto unânime do Conselho Executivo e nos termos da secção la da base 20a das bases Orgânicas da Administração Civil e Financeira das Colónias, aprovadas por decreto n° 7:008, de 9 de Outubro de 1920, declara, pelo prazo de 8 dias a contar desta data, o estado de sítio em todo o território desta Província, com suspensão de todas as garantias constitucionais, ficando o Comando Militar da cidade de Macau entregue ao coronel do quadro de Macau e Timor, Joaquim Augusto dos Santos".
  Joaquim Augusto dos Santos mandou publicar, no mesm suplemento, o seguinte edital:
  "1a -Será garantida pela forma mais eficaz a vida e haveres de todo o cidadão pacífico, seja qual fòr a sua nacionalidade;
  2a-É expressamente proibido lançar panchões;
  3a-Todo o trânsito de pessoas e veículos na via pública fima suspenso desde as 19 horas até às 7 excepto para os que apresentem a competente licença passada pelo Quartel General;
  4a-Qualquer fôrça armada sendo atacada defender-se-á pelas armas;
  5a-As requisições de géneros ou quaisquer artigos feitas pela fòrça pública, deverão ser logo satisfeitas sendo entregues aos fornecedores, pelos Comandantes das fôrças, os competentes vales cuja importância será paga logo que os vales sejam apresentados nos estabelecimentos requisitantes;
  6a-É expressamente proibida a saída da Colónia de quaisquer mantimentos, géneros ou artigos indispensáveis à alimentação pública;
  7a-Serão reprimidos pelas armas quaisquer assaltos ou tentativas de assalto a toda e qualquer propriedade;
  8a-A entrada e saída de estrangeiros em Macau será devidamente fiscalizada;
  9a-Todos os contraventores dêste edital serão presos e punidos com o maior rigor."215
  Em 30, o Governador Henrique M. Correia da Silva, que já se encontrava em Hong Kong a caminho de Portugal, regressou apressadamente a Macau para tomar conta da situação. Ele mandou publicar outro edital em que se determinava: "São mandadas encerrar imediatamente e consideradas dissolvidas todas as associações de classe que tenham existência de facto nesta Colónia e cujos estatutos não sejam aprovados pelo Govêrno da Província" e ilegalizou 68 sindicatos216. No mesmo dia, Joaquim Augusto dos Santos também mandou emitir um aviso "[...] são avisados todos os comerciantes desta cidade de que devem reabrir os seus estabelecimentos ao público para o livre exercício do comércio desde o dia 1° de Junho próximo, inclusive, reservando-se o Govêmno tomar as providências que julgar necessárias contra comerciantes que não atenderem o presente aviso."217
  Em sinal de protesto contra as atrocidades do Governo Português de Macau, dezenas de milhares de moradores chineses voltaram aointerior chinês, deixando Macau quase como uma cidade fantasma. Perante esta retirada em massa, o Quartel General emitiu outro edital em 10 de Junho, numa tentativa de deter a fuga dos chineses.
  "l°-Que serão rigorosamente punidos todos os indivíduos que, por ameaças ou por qualquer outra forma, coajam os residentes pacíficos desta Colónia a abandoná-la ou impeçam os trabalhadores ou comerciantes de, livre e honestamente, exercerem as suas profissões."
  O objectivo desta medida era conter a continuação da greve do operariado e dos comerciantes. No entanto, as greves em curso já contavam com a firme solidariedade e enorme apoio dos chineses de dentro e fora da China. No terceiro dia depois do massacre de 29 de Maio, as grandes organizações da cidade de Cantão reuniram-se numa sessão urgente, tendo tomado oito decisões:
  1. Apelar a uma rápida recuperação de Macau ao Governo, que deveria mandar navios de guerra da Armada do Norte para fornecer protecção aos emigrantes chineses de Macau;
  2. Deixar o povo de Macau tomar medidas espontâneas a cortar relações com os portugueses de Macau;
  3. Não realizar trabalhos em Macau nem prestar serviços a empresas portuguesas;
  4. Boicotar os produtos portugueses. Os simpatizantes dos portugueses serão igualmente boicotados;
  5. Avisar a milícia da vila da Casa Branca para reforçar as medidas de defesa;
  6. Fazer circular um telegrama pela China inteira, em que se denunciarão as atrocidades perpetradas pelos portugueses, a fim de atingir o objectivo de recuperar esta parcela do nosso território;
  7. Suspender o fornecimento a Macau de víveres pelas localidades vizinhas a Macau;
  8. Suspender o fornecimento de água a Macau do reservatório da Ribeira Grande.218
  Em 2 de Junho, Chen Gengshen, Liang Gongxia, representantes dos sindicatos de Macau, em companhia de membros da Associação de Apoios Diplomáticos de Cantão, foram entrevistar-se com o Presidente da República Chinesa, o Dr. Sun Yat-sen, que prometeu activar diligências junto dos portugueses. Em 4, o Governo de Cantãomobilizou navios de guerra para as águas da Casa Branca, e ao mesmo tempo apresentou três pedidos ao Cônsul de Portugal, a saber:
  1. Retirar os soldados africanos de Macau;
  2. Indemnizar os mortos chineses;
  3. Proibir definitivamente o consumo do ópio e os jogos em Macau.
  A resposta do Cônsul de Portugal foi esta: "O Governador de Macau julga que os disparos efectuados por soldados portugueses eram para reprimir uma rebeldia, de modo que é um procedimento irrepreensível."219 Em 5, foi convocada outra "assembleia nacional", que se solidarizava com os compatriotas macaenses na sua luta contra as atrocidades portuguesas. Após o encerramento da assembleia, os participantes foram pedir a solidariedade da Presidência da República, onde foram recebidos pelo Dr. Sun Yat-sen:
  "O Presidente discutiu durante mais de uma hora, com os visitantes, as medidas a serem tomadas na solução deste caso. Mais tarde, o próprio Presidente declarou com solenidade aos presentes que, devido às dificuldades que o seu Governo atravessava, não havia grandes possibilidades duma intervenção governamental no caso, mas apenas na medida dos esforços dos nacionais chineses nesta causa, o Governo interviria oportunamente. Já que vocês todos, indignados com os factos, não toleram este comportamento português, poderiam é persuadir os imigrantes e residentes chineses em Macau a procurar meios de deixarem Macau em demanda de Xiangzhou, Jingxin e outros portos comerciais vizinhos a fim de reorganizar lá a vida. Por mais autoritários que sejam os estrangeiros, não poderiam impedir que a comunidade chinesa deixasse Macau. A agirem assim, sem necessidade de violência, nem necessidade de rebeldia alguma, obrigarão os portugueses a torcer o braço. Para os nossos nacionais, seria uma das medidas mais viáveis. Ao mesmo tempo, da parte do Governo tudo se faria para procurar uma solução negocial, que é o dever do Governo."220
  Quase ao mesmo tempo, muitas confederações profissionais dos diversos sectores da China inteira, mandaram telegramas ao Governo de Cantão e lançaram apelos ao povo chinês com o seguinte conteúdo:
  1. Recuperar Macau;
  2. Obrigar as autoridades portuguesas de Macau a pedir desculpas ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da China e aos Ministros estrangeiros acreditados na China;
  3. Indemnizar mortos e feridos chineses;
  4. Castigar os responsáveis pelo massacre.221
  Em 10, o Governo Militar de Cantão mandou uma nova nota ao Cônsul de Portugal, em que se solicitava que Macau mandasse o(s) seu(s) representante(s) para pedir desculpas. Houve outros pedidos, tais como, castigar os responsáveis homicidas das forças militares e policiais, indemnizar os familiares dos mortos e pagar as despesas médicas dos feridos, determinar um prazo para que os soldados africanos deixassem Macau e proibir os jogos. Na sua resposta de 17, o Governo Português de Macau replicou assim:
  1. As três acusações são assuntos internos da "ordem pública" de Macau, que competem única e exclusivamente ao Governo Português, que não têm nada que ver com o Governo de Cantão;
  2. Serão instaurados processos, com justiça, de averiguação dos funcionários civis e militares envolvidos no caso;
  3. O Governo de Macau ajudará a Santa Casa da Misericórdia, em coordenação com o Hospital Kiang Wu, a tratar a assistência a ser prestada aos familiares dos mortos;
  4. A retirada dos soldados africanos competirá decidir ao Governo da República Portuguesa;
  5. Quanto aos jogos, que já foram objecto de discussões entre o Governo de Macau e o Governo de Cantão, o Governo de Macau manterá inalterada a sua posição.222
  Com o motim militar desencadeado em 15 de Junho por Chen Junming223, Governador e Comandante em chefe das forças armadas da Província de Guangdong, o Governo de Cantão foi dividido. Esta dramática mudança da situação interna chinesa trouxe um desfecho inglório às diligências junto das autoridades portuguesas de Macau.224Mesmo assim, o movimento operário de 29 de Maio ainda perdurou durante mais algum tempo, o que lançou alicerces para as greves futuras de maior envergadura no triângulo Cidade de Cantão -- Hong Kong Macau. Esta greve desestabilizou a ordem social de Macau, pondo em causa a autoridade e a legitimidade da administração portuguesa em Macau, levando, ao mesmo tempo, as autoridades portuguesas de Macau a reforçar as suas medidas preventivas. Em 14 de Outubro, Artur Almeida Cabaço, Prefeito do Conselho e Comandante da Polícia, mandou emitir um edital com o seguinte teor:
  "Para conhecimento da comunidade chinesa, faço público:
  1° .Que são absolutamente proibidas quaisquer manifestações públicas de carácter político;
  2° .Que quaisquer outras manifestações públicas, embora não tenham o carácter político, só podem realizar-se depois de previamente autorizadas pelo Governo da Província;
  3° .Que nenhuns impressos redigidos em língua chinesa podem ser distribuídos ao público, sem prévio conhecimento e consentimento do Prefeito do Concelho.
  Aqueles que infligirem o que neste edital se determina serão considerados incursos no artigo 188° do Código Penal por desobediência aos mandados da autoridade, se outra penalidade mais grave não corresponder aos actos que praticarem e, por tal razão, presos e entregues ao Poder Judicial."
  Ao mesmo tempo, foi criado um Tribunal Especial para se ocupar de casos de "infracções da ordem pública"225. Vê-se por esta medida extraordinária quão tensa estava a situação em Macau. Mais tarde, com a mediação de personalidades locais, tais como Lu Lim lôc226, a situação voltou à normalidade e a vida comercial recuperou o seu curso normal e tranquilo. Até um português que foi capitão tenente da Armada em Macau confessa:
  "Esta é, sem dúvida, a crise mais grave por que esta Colónia tem passado nos últimos tempos [...]". "A greve durou três meses; pouco a pouco as coisas foram voltando à normalidade, mas só em situação melhor pelo menos temporariamente não só devido essa união mas por constar Chan não simpatisar movimento operario caracter bolchevista que Sun tem apoiado. Não ficando Chan inteiramente subordinado Pekim poucas melhoras podemos esperar pois atitude Chan comnosco durante negociações posteriores incidentes 16 Setembro e questão jurisdição aguas foi sempre pouco amigavel por vezes irritada". (Arquivo do MNE, 3° P, A12, M.28 a 45, N.I. A70M).Outubro do mesmo ano Macau retomou o seu aspecto habitual e se não tivesse aquela intervenção indirecta (de Lu Lim lôc), a digressão das fôrças do Kuansi sôbre Cantão contra Sun-Iat-Sen, piores quartos de hora haveria talvez a registar nos atribulados fastos de Macau."227
  Apesar de tudo, o Governo da China não deixou o caso de Macau cair em esquecimento. Mal se restabilizou a situação interna da China, o Conselho de Estado mandou em 23 de Outubro um ofício ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, em que se referenciavam os contactos sino-portugueses em torno de Macau. O documento salienta:
  "São cinco os contenciosos entre ambas as partes, de que temos conhecimento:
  1. A oposição oficial portuguesa à retirada da comunidade comercial chinesa de Macau;
  2. Portugal deve desocupar todos os lugares sob a sua Jurisdição, excepto aqueles concedidos ao abrigo do Tratado de 1887;
  3. Jurisdição das águas do Porto Interior;
  4. Proibir os jogos;
  5. A presença dos soldados de cor."228
  Em 13 de Novembro, Liu Yulin, enviado especial da Direcção dos Negócios Estrangeiros de Cantão, informou o Ministério dos Negócios Estrangeiros do massacre de operários chineses por soldados portugueses e propôs acreditar um comissário em Macau para poder iniciar contactos imediatos caso sucedam mais conflitos no futuro:
  "O anterior enviado especial Li Jinglun fez várias diligências, em que chegou a apresentar as nossas condições, que foram transmitidas mediante nota ao Governador de Macau, ao cuidado do Cônsul Geral de Portugal em Cantão, de que não houve até agora nenhuma resposta concreta. Com o golpe de estado que houve, este caso foi adiado durante meses. Desde a minha nomeação, com instruções pessoais do Sr. Chen, Governador da Província de Guangdong, fui pessoalmente a Macau, onde tive encontros com o Governador de Macau para discutirmos sobre as condições de ambas as partes. Após vários contactos, o processo negocial conheceu progressos alentadores. Mais tarde, o Sr. Chen, Governador da Província, levantou a questão do massacre de operários chineses pormilitares e polícias de Macau, por se encontrar ainda pendente, apesar das diligências havidas:
  ‘Trata-se dum caso em que se perderam muitas vidas humanas, o que me dói muito. Pensando que V. Exa. o Governador deveria ter os mesmos sentimentos dolorosos, a fim de defender os interesses do operariado chinês e manter as nossas relações diplomáticas, eu sendo o Governador da Província de Guangdong apresento cinco condições que se seguem:
  1. Indemnizar os mortos, feridos e aleijados, em sinal de compaixão;
  2. Apurar as responsabilidades dos soldados que cometeram estes actos e castigá-los conforme o resultado dos inquéritos;
  3. Tornar a permitir as actividades aos sindicatos legalizados em Macau, em conformidade com a legislação portuguesa, retirando todos os processos judiciais contra eles instaurados;
  4. O Governo de Cantão mandará um enviado especial para ser acreditado em Macau, a fim de estar em contacto com a opinião pública local e estreitar os laços amistosos entre os nacionais de ambos os países;
  5. Os navios de guerra chineses em operação militar ou barcos civis recrutados para o serviço militar terão livre trânsito nas águas do Porto Interior. Se tiverem necessidade de ancorar no mesmo Porto serão dispensados de cumprir com qualquer trâmite.
  As cinco condições supracitadas são elementos do código de comportamento civilizado, que contarão, julgo eu, com o consentimento de V. Exa. Solicita-se resposta.'
  A nota ao Governador de Macau encontra-se devidamente registada. A resposta vinda da parte dele é esta:‘Todos os pedidos são negociáveis, excepto a acreditação dum enviado especial em Macau. É uma decisão fora da competência do Governador de Macau, que caberá unicamente ao Governo da República Portuguesa.'
  O enviado especial julga que Macau, embora seja uma terra ligada a Xiangshan por via terrestre, está afastada, por via marítima, pelo mar de Linding, do continente. Os comerciantes e civis lá residentes, na sua maioria, são oriundos de Guangdong. No caso de incidentes, a sua volta à China não é tão fácil como parece. A comunidade chinesa emigrada em Macau alimenta um ardente desejo de poder contar com um enviado especial, com residência permanenteem Macau, que em tempos normais se dedique a actividades destinadas ao estreitamento das nossas relações diplomáticas com Portugal, e em caso de incidentes poderá iniciar imediatamente diligências para que não suceda uma situação fora de controlo. Se se conseguir isto, será meio caminho andado. Por outro lado, a localidade de nome Casa Branca, da jurisdição do Distrito Xiangshan, sempre tem tido um organismo encarregue dos negócios estrangeiros, com um funcionário nomeado pelo Governador da Província de Guangdong, que é responsável perante o seu nomeador e por algum enviado especial por este designado nos contactos com Macau. A Casa Branca é, por assim dizer, um lugarejo e est'a fora de Macau. O dignitário da Casa Branca ocupa um cargo ínfimo com poderes muito limitados, disso foi informado o Sr. Chen, Governador da Província de Guangdong. Com um despacho favorável deste, prepara-se para deslocar o Departamento dos Negócios Estrangeiros de Casa Branca para Macau, dando-lhe o nome de Missão de Guangdong em Macau, que será chefiada por um enviado especial nomeado pelo Governador da Província de Guangdong, a fim de coordenar os contactos com os portugueses. Em casos de acontecimentos de relevância só actuará com instruções do Governador da Província de Guangdong. Com a sua presença em Macau, os contactos tornar-se-iam mais fáceis. Sendo um cargo importante, desempenhará melhor as suas funções, o que seria altamente útil e proveitoso para os assuntos públicos.Considerando que se trata de algo sem precedentes e no âmbito da diplomacia, é nosso desejo que o Ministério dos Negócios Estrangeiros discuta directamente esta proposta com o Ministro de Portugal. Caso seja aceite pelo Ministro de Portugal, que nos dêem instruções para podermos apresentá-la ao Governador da Província de Guangdong e pô-la em prática, dando satisfação ao desejo popular e melhorar os contactos."229
  Embora esta proposta tivesse caído em saco roto, eram bem patentes as preocupações das autoridades locais de Guangdong com a situação em Macau e o seu zelo pela solução dos assuntos deste território. Em 25 de Janeiro de 1923, o novo Governador Rodrigo Rodrigues determina que se não façam mais referências a esse triste acontecimento, para que caiam no esquecimento, convidando, ao mesmo tempo, as associações declaradas ilegais, a 8 de Junho de 1923, aregularem os seus estatutos para poderem reabrir. Ele determina ainda que sejam readmitidos nos serviços públicos aqueles operários que, pelo mesmo acontecimento, tinham sido despedidos, além da promessa de apagar qualquer referência a isto nos seus cadastros.230

5.3. Macau durante a Guerra Anti-Japonesa


  Após a assinatura do Tratado de Amizade entre a China e Portugal em 1928, as relações de vizinhança entre Guangdong e Macau e as relações diplomáticas entre a China e Portugal conheceram melhorias. A invasão japonesa à China, desencadeada em 1931, acarretou para a China e Sudeste Asiático uma instabilidade que durou vários anos. Durante a Guerra Anti-Japonesa, Macau com o seu especial ambiente político, não só forneceu refúgio ao povo de Guangdong, como também serviu de base para actividades clandestinas anti-japonesas. Patriotas macaenses dedicaram-se activamente a movimentos anti-japoneses, a fim de recuperar o território ocupado pelos japoneses.
  Com a eclosão da Guerra Anti-Japonesa, o Governo de Guangdong escolheu Macau para albergar as escolas que deveriam ser evacuadas da China. Mais de 30 escolas do ensino secundário e profissional foram transferidas para Macau. E a Igreja Católica de Macau também criou novas escolas para receber jovens que vindos do interior chinês se refugiaram em Macau. Em 1939, as forças japonesas desembarcaram na Baía de Shenzheng e desencadeou-se a Batalha da Cidade de Cantão, obrigando mais pessoas a demandar Macau como seu refúgio. A população duma minúscula cidade que era Macau atingiu drasticamente 250 mil habitantes. Nos finais de 1941, as tropas japonesas ocuparam Hong Kong, e Macau também se tornou o destino de refugiados da colónia inglesa. Muitos agentes secretos chineses, que trabalhavam em Hong Kong, vieram para Macau ou voltaram à retaguarda da Guerra Anti-Japonesa no continente chinês, via Macau. Por não ter sido ocupada pelos japoneses, Macau tornou-se num enclave sossegado nas ocupações japonesas da Guerra do Pacífico.231
  São muitas as versões sobre o (s) motivo (s) por que Macau não foi ocupada pelos japoneses. Há quem opine que Portugal, sendo um país neutro, e Macau, sendo uma sua colónia, conseguiu escapar a uma ocupação. Caberia perguntar: a Ilha de Timor, estando na mesmasituação que Macau, foi ocupada pelos japoneses em 1942; não falta quem advogue que pelo facto de o Japão ter uma comunidade emigrada no Brasil que atingia um milhão de pessoas, Portugal conseguiu convencer o Brasil, um país seu irmão, a mandar uma nota ao Japão avisando-o de que se Macau fosse ocupada, seriam tomadas medidas que poderiam atingir os imigrantes japoneses no Brasil, etc. Trata-se das duas versões mais correntes, mas pouco convincentes, que foram fortemente contestadas recentemente por um estudioso nipónico232, que, após o exame de fontes japonesas, formulou a sua opinião sobre a não ocupação japonesa de Macau. Segundo ele, o principal motivo foi o extremo isolamento em que se encontrava o Japão. O Japão queria aproveitar-se de Lisboa, conhecida nessa altura como a "janela da Europa e América," como uma base de recolha de toda a espécie de informações. De facto, o Consulado japonês em Macau só se encarregava da recolha de informações militares sobre o Extremo Oriente.
  "Deste modo, sendo Portugal um país neutro, para o Japão, Lisboa e Macau tinham, respectivamente, as funções de bases de recolha de informações sobre a Inglaterra e os EUA e sobre o Governo Nacionalista de Jiang Jieshi.233 Com uma ocupação militar japonesa de Macau, esta cidade perderia as suas funções acima referidas. Isto até poderia provocar um corte de relações diplomáticas entre os dois países, o que faria com que o Japão perdesse uma base de recolha de informação tão importante como Lisboa."234
  Segundo o mesmo investigador japonês, "economicamente falando, o Japão quase conseguiu um controlo completo de Macau. Em outros termos, a sobrevivência de Macau estava na mão japonesa. Esta situação pouco diferenciava duma ocupação militar efectiva. Dada a grande influência que o Japão exercia sobre Macau, não havia necessidade duma ocupação militar". Quanto à ocupação japonesa da Ilha do Timor, ele acha que como essa Ilha "ocupa um lugar de relevância na estratégia do controlo da Oceania, do ponto de vista duma estratégia global, era indispensável usar a Ilha do Timor como uma base militar. Já se pensou no resultado que disso pudesse vir, isto é, Portugal passaria para o lado das Nações Aliadas, mas isso pouco influenciaria a guerra naEuropa". Mesmo assim, as tropas japonesas eram sensatas para "reduzir ao mínimo as hostilidades contra as forças portuguesas"235.
  De facto, as autoridades portuguesas tinham adoptado uma política de neutralidade, procurando manter o bom relacionamento com os japoneses, o que naturalmente era aproveitado pelas autoridades nipónicas. O Comandante da Polícia, Capitão Carlos de Sousa Gorgulho, instruído pelo Governador de Macau, partiu para o Japão em meados de Fevereiro de 1939 com vista a aperceber-se das intenções japonesas sobre o território e mereceu uma calorosa recepção. Durante a sua visita, o Vice-Ministro dos Negócios Estrangeiros do Japão "agradeceu a cooperação de Macau durante o conflito sino-nipónico, encontrando-se o seu Governo bastante reconhecido por esse facto". Quando foi convidado para um encontro com o Ministro da Guerra, no seu Gabinete, o coronel japonês que o acompanhava "disse-me ele muito secretamente, dadas as boas relações de amizade entre Portugal e o Japão, que o Governo Português poderia permitir secretamente o estabelecimento de uma base militar japonesa na nossa ilha de Timor, onde se instalariam depósitos militares." Sousa Gorgulho agradeceu o convite, "mas que não podia aceitar visto estar fora do âmbito dos assuntos que tinha a tratar com o Ministério da Guerra". O Governo Japonês, porém, "acedeu à nossa proposta em respeitar os nossos direitos sobre aquelas ilhas em litígio", e "o seu Exército respeitaria os direitos de Portugal naqueles territórios". Além disso, chegaram a um certo entendimento sobre questões tais como as alfândegas chinesas circundantes de Macau, direitos de navegação no Rio das Pérolas e das pescas, etc.236
  A imprensa japonesa fez grande publicidade da visita do Comandante da Polícia de Macau, causando estranheza nas nações aliadas. O Embaixador de França em Tóquio, tendo recebido instruções "pediu informações acerca da visita a Tóquio do capitão Gorgulho, comandante da polícia de Macau, o qual, segundo artigo publicado na imprensa japonesa, teria ido ali para, entre outras coisas, assentar bases de reconhecimento da Manchúria e tratado de comercio com o Japão, e combinar a forma de conceder facilidades em Macau às forças japonesas. Encarregado de Negócios confirmou desmentido o já publicado por ele nos jornais japoneses e acrescentou ser o capitão Gorgulho estranho a todas as fantasias publicadas, tendo sido único objectivo da sua missão a entrega de um documento que só interessava à nossa legação e a Macau. Ministroda China em Lisboa veio há dias a esta Secretaria de Estado perguntar se as notícias publicadas na imprensa japonesa eram verdadeiras. Foi-lhe dito serem notícias inexactas, podendo contudo haver qualquer entendimento local entre governador Macau e autoridades japonesas, só relativo a facilidades de navegação fluvial. Na visita ao nosso Encarregado de Negócios, o Embaixador francês queixou-se discretamente das facilidades concedidas pelas autoridades de Macau aos japoneses, tendo o nosso representante respondido que sabia não serem elas nem mais nem maiores do que as feitas por autoridades de outras potências e que se é de grande interesse uma mais forte reacção contra o avanço japonês não é de esperar que ela parta das autoridades portuguesas quando outras, dispondo de meios mais convincentes, o não têm feito"237 Daí, não é difícil perceber como era delicada a situação de Macau.
  Macau, sendo um território isolado, com a incessante chegada massiva de refugiados chineses viu a sua população aumentar duma maneira drástica, o que piorou as condições de vida. Ao mesmo tempo, sendo Macau a única zona no Pacífico livre da guerra, com as prósperas actividades de exportação e importação permitia a um reduzido grupo de pessoas acumular fortunas em pouco tempo, com que mantinham uma vida luxuosa. De facto, Macau que era objecto dum embargo cada vez mais apertado da parte japonesa, carecia de víveres. Eram cenas frequentes ver mortos de fome pelas ruas. Por outro lado, casas de jogos, de ópio e de prostituição apareciam como cogumelos depois da chuva. Grandes quantias de ouro e prata foram introduzidas em Macau, através de todos os canais possíveis, dando origem a um boom do mercado financeiro, muito caracterizado por especulações. Não faltava quem se tornasse milionário de um dia para o outro ou quem perdesse tudo num ápice.
  Até ao Inverno de 1941, o comércio andava de mal para pior. Sob a pressão japonesa, proibia-se que os barcos chineses saíssem para o mar, de modo que as rendosas importações e exportações quase ficaram reduzidas a zero. Mesmo a importação de cereais, só se fazia mediante barcos de carreira regular de/para Hong Kong e de/para a Cidade de Cantão, ou chegavam a Macau via Porta do Cerco, após encarecidos com pesados impostos japoneses. Dois barcos motorizados japoneses, disfarçados em barcos de diversões, vigiavam dia e noite os movimentos portuários de Macau.
  Mesmo com uma política assaz tolerante de neutralidade, os portugueses não perderam a face, mas um punhado de chineses pró-Japão, com o apoio das tropas japonesas, conseguiram infiltrar-se nas forças policiais, com a tarefa de recolher informações para os japoneses. Havia uns que conseguiram entrar em departamentos governamentais. Por isso, "embora a polícia de segurança pública contasse com muitos elementos europeus, a maioria dos chineses perdera a confiança nela". Uma muito limitada capacidade de defesa de Macau deixava muita gente bem preocupada, como a análise penetrante que um português fez:
  "mas se os japoneses pretenderem conquistar Macau não necessitam de dar um tiro: basta-lhes bloquear a Colónia e ao fim de uns dias ou quando muito, umas semanas, nós seremos forçados à rendição [...] pela fome!"238
  Após a queda de Hong Kong, os japoneses apertaram o embargo levantado contra Macau. Agora a proibição de saída estendia-se a embarcações portuguesas. Um dos motivos disso explica-se pelo facto de os japoneses fazerem todo o possível em esconder à espionagem dos aliados as movimentações das suas tropas. À medida que os japoneses marchavam para o Sul da China, as forças armadas de Macau entraram em estado de alerta máximo para qualquer eventual invasão japonesa que pudesse vir pela Porta do Cerco. Todos os artigos de primeira necessidade deviam ser registados e armazenados para serem depois distribuídos pelo Governo do território. A sociedade civil de Macau estava à beira dum ataque de nervos. Qualquer agitação, por mais pequena que fosse, seria suficiente para dar origem a desordens generalizadas!
  Os japoneses, com as suas sucessivas vitórias nos campos de batalha da Ásia Oriental, passaram a tomar liberdades com as autoridades portuguesas de Macau, sem levar sempre em consideração a perda de face dessas mesmas autoridades. Soldados japoneses, armados até aos dentes, faziam e desfaziam, chegando a capturar barcos macaenses mesmo em frente da Capitania dos Portos de Macau e a Polícia Marítima de Macau não podia intervir pela força. Dois barcos de drenagem, propriedade do Governo de Macau, foram recrutados à força para trabalharem numa base japonesa, situada na Ilha de Hainan.Nacional de Lisboa, 1962.Embora as autoridades portuguesas de Macau tivessem feito todo o possível para atrasar a entrega das embarcações, acabaram por ceder às pressões japonesas, perdendo deste modo a sua dignidade e credibilidade pública.239
  A alegada política de neutralidade das autoridades portuguesas de Macau, sofria alterações com o evoluir da situação. Citemos alguns exemplos. Em 1937, a comunidade chinesa de Macau organizou um grupo para trabalhos de mobilização rural, com jovens residentes em Macau para se integrarem no movimento anti-japonês que se desenvolvia nos distritos vizinhos de Xinhui, Jiangmen e outros lugares, a fim de recuperar o território chinês sob ocupação japonesa. Com a queda da Cidade de Cantão, foi criado um grupo de voluntários para socorrer terras chinesas em sofrimento, promovido por quatro grandes organizações de Macau. Esta iniciativa mandava jovens com ardentes ideais anti-japoneses para o interior chinês, em apoio ao movimento anti-japonês. Inicialmente, tanto estas organizações como as suas actividades de angariação de fundos em Macau, foram tacitamente consentidas pelas autoridades portuguesas de Macau. Até houve dirigentes governamentais que foram convidados para serem consultores de algumas organizações. Mas, a partir de 1939, com a expansão das forças invasoras japonesas, a atitude das autoridades portuguesas de Macau mudou. Para salvaguardar Macau, toleravam toda a espécie de actividades de japoneses e dos chineses pró-Japão. Desde o Inverno de 1940, passaram a proibir angariações e peditórios públicos em Macau e adoptaram uma atitude pouco amigável para com os grupos anti-japoneses.
  Em 17 de Novembro de 1939, a Secção Macaense do Partido Nacionalista mandou um ofício ao Conselho Executivo do Governo Nacionalista, em que denunciou a busca que as autoridades portuguesas de Macau mandaram fazer à sua sede no território. Segundo este documento, "Como os vende-pátrias chineses não se deram por vencidos, procuram todos os meios para criar rumores e calúnias, como prova disso, houve quem tenha mandado telegramas urgentes falsos às instituições e organizações chinesas a dizer que o camarada Zhou240 não deveria ficar em Macau na qualidade de funcionário chinês, mais informara que o próprio fora humilhado pela Pol'icia de Macau, entre outras coisas. O facto foi que a Missão de Assuntos dos Chineses doUltramar em Macau foi autorizada pelo. Conselho de Assuntos dos Chineses do Ultramar, disso existe expediente bem guardado. Caso a missão não ficasse em Macau, como é que se poderia ocupar dos assuntos dos chineses do ultramar? Aliás, o camarada Zhou, com ordem superior acumulava o cargo de membro permanente da Secção Macaense, de modo que a sua presença em Macau era indispensável. Os vende-pátrias, sem saberem estes factos, inventaram estas calúnias. Parece imprudente distribuir alguns pasquins (volantes), julgando poder atingir algum objectivo com isto."241
  Com denúncias secretas de vende-pátrias chineses, a Polícia de Macau, alegando que "a Secção Macaense do Partido Nacionalista que tem a sua sede na Escola Chong Tak, situada no n° 15 da Rua da Barra, recruta elementos anti-japoneses para toda a espécie de actividades anti-japonesas, pondo assim em risco a ordem pública em Macau pelo que o comandante em chefe da marinha japonesa no sul da China apresentara vários protestos e o adido militar da marinha japonesa comparecera pessoalmente na Polícia de Macau, etc.", realizou, em 16 de Setembro, uma busca à Secção Macaense do Partido Nacionalista. Mais tarde, após várias diligências, foram recuperados os documentos confiscados, mas "teve informação de que António Maria da Silva, Chefe da Repartição Técnica do Expediente Sínico, com instruções do Governador Tamagnini Barbosa, chamara Xu Weiqing, Presidente da Associação Comercial de Macau, Lu Xuanzhong, Deputado à Assembleia Nacional pelo círculo de Macau, e Liang Yanming, Presidente da Associação da Educação Chinesa de Macau. António Maria da Silva, com palavras não sem ameaças, tentou semear divisões entre os convocados. Eis um resumo do que foi dito a Xu Weiqing: 'Na angariação de fundos por ocasião de 13 de Agosto, convidaste um tal Zhou a presidir à cerimónia. Mais tarde, este próprio Zhou começou a mandar nos imigrantes chineses em Macau, como se fosse o líder deles. Desta vez, nos preparativos para 18 de Setembro242 tudo se fizera conforme a vontade deste Senhor Zhou. As incitações às actividades anti-japonesas prejudicam os interesses locais de Macau'."243 Finalmente, aconselhou Xu a preocupar-se mais com os seus negócios, do que com o movimento anti-japonês. Em 22, António Maria da Silva tornou a salientar:
  "Pelas circunstâncias actuais, Macau continuava com a sua rigorosa política de neutralidade, de modo que não se permite qualquer actividade anti-japonesa, promovida pelo Partido Nacionalista em Macau [...] O Governo de Macau mantém a mesma atitude em relação a Jiang Jieshi, Wang Jingwei244 e os japoneses.
  A Ribeirinha fica separada de Macau por apenas um canal de água. Caso fosse alvo de algum raid aéreo, poderia trazer consequências para a segurança de Macau. Os japoneses já declararam a intenção de bombardear a Ribeirinha, pelo facto de lá existir uma estação de rádio, que à ordem de Chongqin245, emite notícias anti-japonesas. Qualquer falha no raid poderia deixar cair bombas sobre Macau, o que seria um grave entrave para a sua prosperidade, de modo que devem retirar imediatamente a tal rádio."246.
  Pelo acima exposto, vê-se que Macau, embora não tivesse caído na mão japonesa, de facto, foi profundamente condicionado pela vontade dos japoneses, onde os vende-pátrias chineses pró-Japão andavam à vontade. Os mass media de Macau, particularmente os jornais patrióticos, foram objecto de rigorosa censura por parte das autoridades portuguesas de Macau. No entanto, vários órgãos da comunicação social, tais como Sai Nam Iat Pao (Jornal do Sudoeste) e o Jornal Popular converteram-se em porta-vozes dos japoneses, onde se advogava o "Círculo da Prosperidade Conjunta da Grande Ásia Oriental".
  Sem embargo, com os fracassos sofridos pelos japoneses na Guerra do Pacífico, a posição neutra portuguesa também deu outra volta. A partir de 1944, inclinava-se a apoiar às escondidas a China na sua luta anti-japonesa. Na Primavera de 1944, o Grupo de Voluntários de Zhongshan pôs-se em contacto com as autoridades portuguesas de Macau. Com autorização destas, mandaram os seus membros para realizar operações, a partir de Macau e para onde mandaram feridos para receber tratamento. Em Macau, eles fizeram angariações de fundos, compra de munições, medicamentos e equipamentos médicos. O mesmo Grupo reconhece que colaborou com a Polícia de Macau na luta contra os marginais e bandidos, contribuindo para a manutenção da ordem pública em Macau.247

5.4. As reivindicações da recuperação de Macau, no pós guerra


  Em 14 de Agosto de 1945, foi conhecida a rendição incondicional do Japão. Em 20, o Embaixador da China em Portugal solicitou junto do Governo de Lisboa a abolição da extraterritorialidade consular. Em 31, o Departamento da Europa do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês elaborou um projecto, em que se lançaram várias propostas alternativas de medidas políticas a tomar para com Macau, face à nova situação no pós-guerra:
  "1. A recuperação de Macau baseia-se nas razões a seguir:
  - Do ponto de vista da defesa nacional, Macau constitui a vanguarda tanto marítima como terrestre, sita a direita do Rio das Pérolas.
  - Economicamente falando, as nossas exportações via Macau são ínfimas. Caso os portugueses queiram fazer negócios, poderiam servir-se de outros portos comerciais nossos no sul da China, tais como, Cantão, Hong Kong etc. Aliás, argumentos históricos, tais como empréstimo desta terra para secar mercadorias ao sol, deixam, de há muito, de existir.
  - Em termos sociais, Macau é tristemente famoso pelos três pecados que são o ópio, os jogos e a prostituição. Além disso, é um covil de marginais. Sem a recuperar, não seria possível manter a ordem pública das localidades vizinhas.
  - No campo político, a maioria da população de Macau é chinesa, enquanto a percentagem portuguesa é muito pequena. Para uma vizinhança pacífica, convém resolver esta situação desigual paraerradicar quaisquer conflitos que possam surgir desta desigualdade numérica e obstáculos para as nossas relações diplomáticas.
  - No âmbito jurídico, os portugueses, ao ocupar mais terras fora do conteúdo do Tratado de 1887, o próprio tratado já fora violado. Na melhor das hipóteses, poderemos adoptar uma posição dura, com base na invalidez do tratado, que nos permita levar a cabo uma acção determinante.
  2. Proceder-se à delimitação dos limites de Macau. A própria ilha (sic) de Macau, a zona a sul da Porta do Cerco, a zona a sul de Longtian, Shagang continuam a ser administradas por Portugal e o resto será restituído à China.
  3. A própria ilha (sic) de Macau, a zona a sul da Porta do Cerco, para Portugal.
  4. Colocar a própria ilha (sic) de Macau, sob um condomínio sino-português durante 5 ou 10 anos. Ao fim deste período, realizar-se-á um referendo universal (A intenção é deixar os portugueses retirar-se paulatinamente).
  Das quatro alternativas, a primeira constitui uma solução cabal, a segunda é uma medida de tampão, a terceira parece uma má estratégia, mesmo no caso da ausência de outras soluções viáveis, e a quarta será a pior de todas as medidas que possam vir a ser tomadas e só será discutida na pior das hipóteses.
  5. Projecto da Recuperação de Macau."248
  O Departamento da Europa ao detalhar o Projecto da Recuperação de Macau alegou sobre este argumento: "Durante a Guerra, aquando do embargo japonês contra Macau, Macau colocou todo o material disponível à disposição japonesa. Houve casos de venda de armas aos japoneses, que constituem provas de que o Governo Português não foi capaz de cumprir a sua política de neutralidade, o que nos provocara imensas perdas"249 Ao mesmo tempo, elaborou os detalhes para a recuperação: 1) Decidir a soberania mediante um referendo universal. 2) Negociações intergovernamentais sobre as condições da recuperação -- Macau foi incondicionalmente cedida aos portugueses, de modo que da mesma forma deveria ser restituída à China. O património público será avaliado por ambas as partes em conjunto e será adquirido pelo Governo chinês. Este projecto realizar-se-á em três fases:
  "1) Deve-se mobilizar a opinião pública a criar uma atmosfera favorável à recuperação de Macau.
  2) Deve-se tentar conseguir o apoio dos EUA e da URSS. Como a Inglaterra é aliada de Portugal, Portugal reconvr-se-'a da intervenção britânica, de maneira que se deve tentar conseguir a compreensão da parte inglesa. Para tal, podemos fazer algumas concessões aos ingleses no que diz respeito a Hong Kong, como contrapartida para a compreensão britânica face à recuperação de Macau.
  3) Instruir por via telegráfica o Sr. Zhang Qian, Ministro da China em Portugal, para fazer chegar a nossa decisão firme ao Governo Português a solicitar que este apresentasse soluções e condições, que nos serviriam de referência para contactos futuros."250
  Acabada a Guerra Anti-Japonesa, os militares e civis de Guangdong também levavam em discussão a recuperação de Macau. Segundo a memória251 de Li Hanchong que tomou parte neste processo, "nessa altura, os efectivos militares e policiais de Macau nem chegavam a um milhar. A marinha era muito fraca, com apenas duas canhoneiras de pequeno porte, cujo volume nem atingia uma centena de toneladas. A população macaense dessa época rondava os cem mil habitantes, dos quais, 99% eram de etnia chinesa. O seu sentimento patriótico, com o ardente desejo de que a China recuperasse Macau, era muito mais veemente do que o dos chineses de Hong Kong. Por isso, o Quartel General (das nossas forças armadas) tinha uma posição relativamente mais dura com Macau. Se Macau não tivesse recorrido à protecção de Hong Kong e o Quartel General não tivesse tido medo de consequências que esta acção pudesse trazer, nessa altura havia todas as possibilidades e todas as condições favoráveis para recuperar Macau."
  A seguir, ele revela:
  "Após a chegada à Cidade de Cantão, do Corpo n°2, chefiado por Zhang Fakui252 para tomar conta da rendição japonesa, parece que Hong Kong la mandar o Major General Festing a Cantão para uma visita de cortesia. Os ingleses e americanos que trabalhavam na China aproveitaram a ocasião para fazer a mesma visita, só Macau é que não mandou nenhum enviado para tal efeito. Isto permitiu aparte chinesa acusar à parte portuguesa de falta de cortesia para poderem dar algum castigo aos portugueses. Em Outubro, mandaram Zhang Huichang, Prefeito do Distrito Zhongshan, e Liu Shaowu, Comandante da Divisão das forças armadas chinesas acantonadas no mesmo Distrito, ao servirem-se da animosidade popular anti-imperialista, para mobilizar os círculos de Macau e do Distrito Zhongshan numa campanha contra Macau, em que se lançou o slogan de recuperar Macau. Os compatriotas de Macau responderam com veemência a esta campanha com a organização de manifestações, em que se lançaram slogan contra a dominação portuguesa de Macau. Os círculos do Distrito Zhongshan, em solidariedade com a comunidade chinesa de Macau, mandaram delegações e grupos de reivindicações para Macau, a fim de desenvolver uma campanha conjunta contra os portugueses. Então, as autoridades portuguesas de Macau, alegando a manutenção da ordem pública, mandaram bloquear a passagem fronteiriça pela Casa Branca, com restrições de entrada de populares do interior chinês em Macau e decidiram proibir toda e qualquer actividade anti-portuguesa e qualquer manifestação e comício, o que provocou uma enorme onda de ira popular. Por isso, o Quartel General de Cantão decidiu infringir mais golpes a Macau e teve a intenção de dramatizar a situação para depois se servir dela para tomar à força Macau. Para tal, por um lado, com uma denúncia sobre o refúgio de vários japoneses em Macau, mandou uma nota ao Governo Português de Macau a solicitar a entrega imediata desses súbditos nipónicos. Caso contrário, as forças armadas da China reservariam o direito de entrar livremente em Macau para a captura dos refugiados japoneses. E declarara que as autoridades portuguesas de Macau deveriam assumir toda a responsabilidade e consequências que disso pudessem vir a resultar. Ao mesmo tempo, criou-se um facto consumado, isto é, tendo deixado uma dezena de prisioneiros de guerra japoneses fugir para Macau, onde tinham solicitado protecção ao Governo Português para poder usá-lo mais tarde como pretexto a dramatizar a situação. Por outro lado, foram dadas ordens a Liu Shaowu, Chefe da Divisão n.°159 do Corpo n.°64, para que este destacasse o Regimento chefiado por Chen Qingbing e o Batalhão n.□59, directamente pertencente ao comando da Divisão, para a fronteira da Casa Branca, a fim de levantar uma ameaça armada contra Macau. Estas tropas bloquearam as fronteiras, a proibir asaída de mercadorias para Macau, inclusive os víveres diários de que Macau tinha absoluta dependência de nós. Nessa altura, Liu Shaowu, com toda a excitação, julgava it tornar-se nacionalmente conhecido com esta operação. Montou o seu quartel na Casa Branca, mandando a artilharia chinesa apontar para o Monte da Guia, um lugar estratégico de Macau, ao mesmo tempo mandou vários grupos de oficiais e soldados armados para o centro urbano de Macau em demonstrações ameaçadoras. Solicitava frequente e insistentemerte ordens de ataque ao Quartel General de Cantão a alegar que bastaria um batalhão de efectivos para resolver a questão de Macau. Ele teve a ideia de mandar matar sob sigilo alguns mendigos para poder mais tarde usar isto como um facto consumado e acusar de prática de massacre o Governo de Macau. Eis os antecedentes e os termos do chamado cerco armado das forças armadas chinesas contra Macau, verificado em Novembro de 1945."253
  Macau, uma vez bloqueada, viu a sua ordem pública seriamente desestabilizada. O Governo de Macau, "por um lado solicitou a intervenção do Governo Inglês para iniciar diligências junto do Governo Nacionalista, para que este mandasse o Quartel General de Cantão retirar o bloqueio contra Macau e sujeitar todas as questões a soluções diplomáticas normais, a partir de Nanquim (Dizem que nessa altura o Governo Português solicitou a protecção de Macau ao Governo Inglês, integrando a defesa de Macau na esfera da defesa de Hong Kong. A defesa de Macau passaria a ser uma tarefa das forças armadas britânicas. Até ficou determinado que doravante todas as questões de Macau passariam por Hong Kong). Por outro lado, oficiou ao Quartel General de Cantão, a garantir que expulsaria tantos japoneses quantos os presentes em Macau e os entregaria à jurisdição de Cantão. Os criminosos de guerra chineses seriam extraditados para a China, cujos e os seus bens seriam congelados. Solicitou a concessão do estatuto de Hong Kong, isto é, militares e civis chineses têm livre trânsito em Macau, sem qualquer restrição. Criou uma Missão do Quartel General de Cantão em Macau e outra missão especial de investigação de criminosos de guerra a fim de manter a disciplina militar e ocupar-se dos expedientes de extradição de criminosos de guerra, tendo autorizado ainda actividades públicas de todos os partidos e organizaçõeschineses em Macau e garantido a liberdade absoluta para as manifestações populares, etc. Ao mesmo tempo mandou o Sr. Mário Gracias pedir desculpas em Cantão e restabeleceu o Consulado de Portugal em Cantão. E o próprio Mário Gracias ficou como Cônsul. O novo agente consular, numa conferência de imprensa salientou: É muito provável que Macau se reintegre na China. Para a integridade territorial da China. Para tal, estou disposto a fazer todos os esforços neste sentido,' etc."254
  Com instruções do Governo Nacionalista, o Quartel General de Cantão mandou, na última semana de Dezembro, desbloquear Macau, no entanto, os militares e civis de Cantão não ficaram nada contentes por não terem conseguido recuperar Macau. Durante Fevereiro de 1946, Liu Shaowu, alegando "uma visita de consolação aos compatriotas chineses", entrou, acompanhado dum pelotão armado, em Macau, sem que disso tivesse dado aviso às autoridades portuguesas. O Governador de Macau foi recebê-lo pessoalmente à fronteira. "Segundo disse o próprio Liu Shaowu, no momento de encontro na fronteira, o Governador de Macau tomou a iniciativa de estender a mão para um aperto e queria tirar fotografias com ele e oferecer-lhe um banquete, tudo isto foi recusado. Ele e os seus guardas ficaram alojados no Grande Hotel. Chegou a recusar a visita que o Governador de Macau pretendia fazer-lhe no Hotel, numa atitude muito arrogante. Numa recepção que lhe foi oferecida pela comunidade chinesa de Macau, ele, todo excitado, discursou a dizer: 'Macau, ao abrigo dum tratado desigual, está sob dominação estrangeira. Os nossos compatriotas vivem na mais negra miséria. Com a vitória da Guerra Anti-Japonesa, a China tornou-se numa das cinco potências mundiais, de modo que todo e qualquer tratado desigual deverá ser abolido. A integridade territorial da China e a necessária e imediata recuperação de Macau correspondem aos desejos dos compatriotas chineses', e outras palavras assim deste género. Nesse momento, o Governo Português, trespassado de medo, fazia ouvidos de mercador ao que tem feito e dito Liu Shaowu."255
  Apesar de Gabriel Maurício Teixeira, Governador de Macau, ter visitado Cantão, em Abril do mesmo ano, como representante doPresidente da República Portuguesa, em sinal de boa vizinhança e amizade, e mandado em 1 de Julho èntrar oficialmente em vigor o Regulamento Geral do Ópio, o que trouxe certa distensão às relações oficiais e populares entre Cantão e Macau, perante as enérgicas reivindicações da recuperação de Macau por parte do povo chinês, "[...] o Presidente do Conselho estava muito céptico sobre a possibilidade de nos mantermos por muito tempo em Macau."256
  Os parlamentos provinciais de Hunan, de Jiangsu e de Guangdong, entre outros, solicitaram, por via telegráfica, ao Governo Central de Nanquim a recuperação de Macau. Em 1 de Abril de 1947, fez-se a troca das ratificações do tratado de abolição da extraterritorialidade portuguesa na China. Num comunicado, o Governo Nacionalista declara que Portugal é o último país com quem a China assina um tratado deste género. A partir daí, ficariam abolidos todos os privilégios de que gozavam as restantes nações na China, mas a questão de Macau foi omitida de propósito. Podemos aperceber-nos do motivo pelo qual foi adoptada esta estratégia, mediante a leitura da resposta dada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros ao pedido do Parlamento Provincial de Jiangsu no sentido de recuperar Hong Kong e Macau:
  "Nas actuais circunstâncias internacionais, isto é uma questão de difícil solução. A recuperação será questionada quando houver ocasiões mais maduras para tal."257
  A parte portuguesa começou então a dar mais importância à cooperação com Guangdong. Nos finais de Setembro do mesmo ano, o novo Governador de Macau, Albano Rodrigues de Oliveira, mal tomou posse do seu cargo, realizou uma visita a Cantão. Mesmo em Lisboa, começavam a ter uma nova concepção da situação no Extremo Oriente e na China. Em 25 de Novembro, Salazar, num discurso proferido perante o Parlamento, disse:
  "Os acontecimentos da guerra e do após-guerra no Extremo-Oriente -- as perturbações na Indonésia, a libertação da China, a independência da 'India e do Paquistão -- têm tido as suas repercussões nos nossos pequenos domínios daquelas paragens e criado ao Governo algumas preocupações, não obstante a dedicação efidelidade das populações [...] Encostada à China como ponto de repouso e de refúgio dos seus naturais, Macau não gozou sempre, depois da guerra e cumprida a sua missão de presença da Europa no Oriente, a tranquilidade que merecia. A China libertou-se, e muito bem, em virtude dos seus sacrifícios e contribuição para a vitória, de todas as limitações que aqui e além durante dezenas de anos puderam ser criadas ao pleno exercício da sua soberania. Como signatário de tratados que as estabeleciam, Portugal teve o prazer de concordar também com a abolição de instituições ou privilégios que pudessem tocar o prestígio ou ferir as susceptibilidades da nação chinesa no seu próprio território. Por via de informação incompleta ou pela exacerbação de sentimentos, alguns jornais chineses tiraram então ilações que não se ajustavam aos factos nem se afiguravam respeitadoras da nossa situação. Mas as excelentes relações de Portugal com a China, a mútua amizade e serviços recíprocos não foram perturbados por estes incidentes."258
  A análise de Salazar não é desprovida de razão. O Governo Nacionalista não tardou muito em esquecer os conflitos anteriores. A fim de "manter a prosperidade do sul da China e de Macau e um desenvolvimento a longo prazo" e "salvaguardar os interesses comuns entre os Governos da China e de Macau, com o objectivo de promover a cooperação económica e financeira entre ambas as partes", entre os representantes do Banco Central da China e os representantes do Governo de Macau foi assinado em 4 de Março o Acordo Financeiro entre a China e Macau (Cf. Apêndice VI). Em 20 de Maio, para uma cooperação de mais alto grau e para "um combate conjunto contra o contrabando" foi oficializado entre o Governo Nacionalista e o Governo de Macau, o Acordo Alfandegário entre a Alfândega da China e o Governo de Macau (Cf. Apêndice VII). São os únicos acordos bilaterais entre o Governo Central da China e o Governo de Macau, ao longo dos 400 anos das relações luso-chinesas. Uma prática sem precedentes no relacionamento entre a China e Portugal. O objectivo principal destas práticas convencionais do Governo de Nanquim, foi o mesmo motivo que levou a Dinastia Qing a assinar o Tratado de 1887, isto é, uma tentativa de melhorar a situação financeira quase à beira de bancarrota, em que se encontrava o Governo Nacionalista, mas trata-se duma medida tardia para uma necessidade urgente. As tropas nacionalistassofreram sucessivas derrotas na guerra civil com os comunistas, o que levou o poder nacionalista a uma eminente queda. Em Agosto de 1949, o Cônsul em Cantão, José Calvet Magalh~æs, informou o Ministério dos Negócios Estrangeiros do seguinte:
  "É quase opinião unânime em Cantão de que a queda desta cidade nas mãos dos vermelhos será inevitável dentro de um curto espaço de tempo [...] Há que contar com a chegada breve dos comunistas a Cantão e que enfrentar as consequências que resultarão para Macau da ocupação e governo do Kuangtung pelos vermelhos."259 Como era de esperar, o Exército de Libertação marchava para o Sul da China. Ao derrotar as forças nacionalistas em Cantão, tomou a cidade, mas não chegou a ultrapassar a Porta do Cerco para entrar em Macau.

6. Macau nos anos 50 e 60


6.1. A posição da República Popular da China em relação a Macau


  Em 1 de Outubro de 1949, fundou-se a República Popular da China. Por que é que o novo poder chinês não agendou logo a recuperação de Hong Kong e Macau? Disso ainda não se conhece nenhum documento oficial coevo que tenha vindo à luz. É opinião geral que a Nova China, à vista das circunstâncias internacionais da época, decidiu adoptar uma política que se pode resumir na seguinte fórmula "Aproveitamento máximo a longo prazo", de modo que não tinha pressa em recuperar Hong Kong e Macau, a fim de conservar estes dois portos neutros, que pudessem permitir à China resistir a um boicote completo por parte dos EUA e evitar uma dependência excessiva da URSS.260
  Lu Ping, então Director do Gabinete para os Assuntos de Hong Kong e Macau, do Conselho de Estado da China, num seminário chamado Oportunidades e Desafios de Macau no Último Período de Transição, que teve lugar em Macau em 25 de Maio de 1995, pronunciou um discurso com o título: A Lei Básica -- O plano para uma nova época de Macau, em que realçou:
  "Fundou-se a República Popular da China em 1949, após a libertação do território nacional, o que significou a realização dum desejo longamente alimentado pelo povo chinês. O Governo Central, em consideração dos estatutos históricos e especiais de Hong Kong e Macau, tomou a política de ‘Aproveitamento máximo a longo prazo', ao mesmo tempo, deixou publicamente bem clara a seguinte posição chinesa justa: Hong Kong e Macau fazem parte do território chinês; a China não reconhece qualquer tratado desigual imposto à China por alguma nação estrangeira; as questões de Hong Kong e Macau, legadas da História serão resolvidas mediante negociações num momento oportuno. Pode-se afirmar, nas circunstâncias de hoje, que isto seria a ideia embrionária da coexistência de dois sistemas sociais diferentes no âmbito dum país. A prática tem comprovado que a conservação dos regimes capitalistas de Hong Kong e Macau e a manutenção da prosperidade económica dos ditos lugares contribuíram decisivamente para a nossa resistência aos boicotes a nós impostos e para o incentivo da cooperação e intercâmbio económicos chineses com o exterior, o que correspondeu aos interesses nacionais da China, por consequente, aos interesses dos habitantes de Hong Kong e Macau."261
  De facto, no mesmo dia em que foi criada a República Popular da China, Zhou Enlai, Primeiro Ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros, oficiou às representações diplomáticas acreditadas na China, reiterando o desejo da Nova China em estabelecer relações diplomáticas com os países do mundo. No seu ofício seguiu anexada uma carta do Presidente Mao Zedong, dirigida aos governos de todos os países do mundo, que se solicitava fazer chegar aos seus respectivos governos através dos diplomatas acreditados na China. João de Barros Ferreira da Fonseca, Ministro de Portugal na China, ao receber o ofíciode Zhou Enlai, além de o remeter ao Governo de Lisboa, no dia 9 de Outubro, endereçou um ofício de resposta a Zhou Enlai, em que declara que o Governo Português "gave the most careful consideration to your communication and wishes to express their sincere desire to maintain and develop in future the friendly relations that have always existed between the peoples of Portugal and China. In these circunstances they hope that informal relations will be established with the portuguese Consular authorities pending the study of the situation as described in Your letter and annexed Proclamation".262
  No dia seguinte, ele remeteu uma extensiva informação ao Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, na qual dava parte da nova situação em que vivia a China e falava com ênfase sobre Macau:
  "A Colónia de Macau, qualquer que seja a sua posição jurídica, está, para todos os efeitos práticos, em muito mais precária condição do que Hong Kong. Com efeito esta é uma ilha servida por larga navegação; Macau é uma península ligada ao continente chinês e dele separada apenas pelas Portas do Cerco, tanto por mar como por terra, Macau não tem defesa, nem sob o ponto de vista militar, nem sob o ponto de vista económico. A China pode, não só ocupar militarmente a colónia, se quiser usar de fôrça, como cortar-lhe o acesso por terra e cortar por mar por meio de bloqueio afectivo. Hong Kong, como ilha, pode manter-se; mas Kowloon, cuja situação no continente mais se assemelha a Macau, só poderia defender-se invadindo o território chinês e nesse caso qualquer operação de defesa tomaria o aspecto de agressão estrangeira, com violação da soberania territorial. (As forças inglesas actualmente na colónia são '‘comandos', isto é, unidades destinadas ao ataque).
  A existência da força em Macau interessa, pois, predominantemente por seu efeito psicológico. Justifica-se para a manutenção da ordem interna. Poderia fazer frente a forças irregulares, não a um exército. Precisamente porque o seu papel se entende como de carácter psicológico, o Senhor Governador salientou a necessidade de unidades motorizadas e ve'iculos blindados que os comunistas não preguem e que poderiam impressionar.
  Dado que Macau não tem defesa militar, como também não poderia resistir a qualquer forma de bloqueio, a sua manutenção tem de colocar-se no terreno político e diplomático. São de cultivar portanto as boas relações com a China comunista da qual Macau depende exclusivamente, tanto mais que não parece poder contar-se com o auxílio americano e que a possibilidade e eficácia de qualquer auxilio inglês deve ter-se como muito duvidoso."263
  Conforme a análise de João de Barros Ferreira da Fonseca: "Até agora parece não haver claros indícios de ameaça imediata à nossa soberania. Mas, a meu ver, não devemos confiar demasiado", porque se disse haver "a existência de duas correntes de opinião: uma que desejava resolver primeiro a posição de Hong Kong certa de que Macau cairia por si logo em seguida; outra que reclamava a retrocessão imediata de Macau, pela fôrça, se tanto fôsse necessário como preliminar a pressão para restituição de Hong Kong. Sob a administração da Chian-Kai-Chek prevaleceu a primeira orientação; não devemos confiar que ela prevaleça agora. Sem querer assegurar sobre as influências que possivelmente actuam em Pequim, é bem provável que o ponto de vista da resolução imediata ao problema de Macau sirva ao comunismo chinês como afirmação do seu nacionalismo aproveitando-se o pretexto de se não poderem entabolar conversas com um país que os não reconhece e com o qual, portanto, não pode negociar-se".
  Por isso, ele propõe: "Convém evitar por todas as formas que as forças nacionalistas se refugiem em território português e que os comunistas possam alegar a nossa cumplicidade ou auxílio ao inimigo. Por isso, também, conviria dar publicidade aos nossos protestos por qualquer violação da neutralidade que o nosso território, ou as nossas águas, sejam vítimas por parte dos nacionalistas. O reconhecimento por parte de Portugal de todas as atitudes tendentes a que Portugal aceita a nova situação e que com ela deseja normalizar relações, parecem aconselháveis. Talvez que a política europeia não permita o reconhecimento precipitado ou antecipado das outras potências com interesses na China, mas na nossa posição especial não podemos retardá-lo sem perigo de criarmos uma posição insustentável, ameaçadora para a nossa soberania."264 Além disso, ele não deixou de se fazer ouvir ao propor que, embora outras nações europeias não tivessem pressa em reconhecer a nova China, Portugal deveria tentar, tanto melhor quanto antes, normalizar as suas relações com a nova China, dada a situação especial em que se encontrava Portugal.265
  José Calvet Magalh~æs, Cônsul de Portugal em Cantão, possuía a mesma opinião. Ao relembrar estas circunstâncias, ele escreve que embora o Governo de Cantão acusasse as autoridades de Macau de se terem aproveitado impropriamente do estatuto especial de Macau para dar guarida aos nacionalistas, não estaria minimamente interessado em conflitos com as autoridades do território. Disso foi prova a extradição de dois soldados que alegavam poderem ser objecto de perseguições, por terem votado no General Norton de Matos, durante as eleições presidenciais. Os dois desertores fugiram para a China através da Porta do Cerco e solicitaram asilo político, mostrando-se dispostos a trabalhar para a China socialista. Ao saber isto, ele pôs-se em contacto com as autoridades pertinentes. Em consequência disto, os dois soldados refugiados foram repatriados para Macau sem cobertura jornalística. Em vista do acontecido, ele inclinava-se para que Portugal devesse restabelecer as relações diplomáticas com a nova China quanto antes:
  "A posição do governo português nesta matéria foi, a meu ver, demasiado hesitante. Em virtude da posição de Macau e da sua dependência económica da China continental o reconhecimento de jure do governo de Pequim apresentava-se como uma necessidade imperiosa. Os argumentos por mim aduzidos nesse sentido em diversas comunicações para Lisboa foram tidos em devida conta e, num Conselho de Ministros em que o assunto foi discutido, aceitou-se, em principio, proceder ao reconhecimento. Decidiu-se, no entanto, fazê-lo de forma concertada com outros países da Europa ocidental e os domínios britânicos, aguardando-se o resultado da próxima conferência da comunidade britânica para pôr em execução a política adoptada. Não houve, porém, unanimidade de vistas nesta conferencia acerca do reconhecimento, acompanhando a Austrália e Canadá a posição dos EU, o que, aliado à hesitação da França, levou o governo português a decidir aguardar uma oportunidade mais favorável para levar a cabo o reconhecimento que considerava inevitável. A indiferença com que o reconhecimento britânico foi recebido em Pequim ainda mais contribuiu para retardar a execução da medida já adoptada e, entretanto, a eclosão da Guerra da Coreia em Junho e a intervenção chinesa neste conflito fizeram com que o assunto fosse remetido para as calendas gregas."266
  Nas vésperas da Guerra da Coreia, as Nações Unidas decretaram o boicote de materiais de importância estratégica contra a China. Nos finais de 1950, os EUA puseram em prática o embargo contra a República Popular da China, Hong Kong e Macau, a que aderiu logo a seguir o Canadá. Com o escalar do boicote das potências ocidentais, Portugal, sob a pressão destas, aderiu a organizações internacionais que visavam o boicote contra a China, mas levando em consideração a vital dependência de Macau da China, o Ministério do Ultramar instruiu o Governador de Macau no sentido de lhe competir tomar as medidas que achasse mais convenientes. Apesar da flexibilidade portuguesa na questão do embargo, devido ao facto de Portugal manter relações diplomáticas com o Governo Nacionalista de Taiwan e de uma alegada política de neutralidade entre os governos comunista e nacionalista, as autoridades portuguesas fechavam os olhos às organizações nacionalistas que actuavam em Macau e às actividades anti-comunistas praticadas no território pelos serviços secretos nacionalistas. Com as fronteiras pouco definidas, eclodiam de vez em quando conflitos, o que sujeitava Macau a uma tensão constante. Um diplomata português, que nessa altura visitou Macau, descreve-nos a situação tensa nestes termos vivazes: "Assim se vivia, agitado e febril, naqueles momentos que tantas vezes pareceram os últimos da nossa velha possessão no Extremo Oriente!"267
  Com o objectivo de reforçar as comunicações entre o Governo de Macau e o Governo Central de Lisboa e criar condições favoráveis a uma distensão da situação reinante em Macau, em 18 de Junho de 1952, Sarmento Rodrigues, Ministro do Ultramar, chegou a Macau para uma visita oficial, na qual, ele realçou a inalterabilidade do estatuto de Macau. Em 25, compareceu a um jantar oferecido pela Associação Comercial Chinesa de Macau, em que proferiu as seguintes palavras:
  "Nunca ofendemos a China ou o povo chinês, a quem fraternalmente sempre tratámos e acolhemos; garantimos ao pacífico povo chinês que aqui habita, o sossego e tranquilidade de que tanto precisa para poder trabalhar e viver em paz."268
  No entanto, a atmosfera política dessa altura não era de todo pacífica. Apenas um mês mais tarde, eclodiu mais um confronto armadoentre as forças chinesas e portuguesas, cuja envergadura e impacto de longe ultrapassaram o de 21 de Maio.
  Em 25 de Julho, os soldados portugueses que estavam de serviço no posto da Porta do Cerco deslocaram os arames farpados para o lado chinês. Mais tarde, um soldado africano chegou a ultrapassar a linha divisória, em direcção ao lado chinês. Quando foi interceptado por um guarda fronteiriço chinês, aquele disparou contra o interceptor. As forças fronteiriças chinesas decidiram responder "dente por dente, olho por olho", com granadas. Houve um tiroteio entre ambas as partes. O confronto ia subindo de envergadura, com os reforços que ambas as partes mandaram para a zona. A parte portuguesa bombardeou o território chinês com disparos de morteiros, e a chinesa respondeu na mesma medida. O confronto prosseguiu, com intervalos, durante vários dias, causando 39 feridos e 4 mortos à parte chinesa e 2 feridos e 2 mortos à parte portuguesa. Desde o início do conflito, a parte chinesa acusava a parte portuguesa de ter invadido o território chinês, com a iniciativa de uso de armas de fogo, de modo a culpar a parte portuguesa de toda a responsabilidade deste acontecimento. Em 2 de Agosto, o Bureau da Defesa Fronteiriça de Zhuhai decretou o reforço da defesa fronteiriça e a intensificação da inspecção da fronteira, assim como o corte de abastecimento de cereais e produtos hortícolas e frutíferos a Macau, o que provocou uma nova tensão no território. As autoridades de Macau, com pressões de fora e de dentro, viram-se obrigadas a recorrer à intervenção do Sr. Ho Yin, líder da comunidade chinesa de Macau, para iniciar diligências junto das autoridades chinesas. Após um processo negocial que durou mais de duas semanas, em 23 de Agosto, Pedro José Lobo, Director da Repartição de Economia, com um texto de desculpas do Governador de Macau, deslocou-se a Gongbei para a décima sétima e a última conferência, com o fim de dar resposta às três reivindicações chinesas que eram as seguintes:
  1. Pedir desculpa pública na imprensa.
  2. Recuar o posto militar situado a norte da Porta do Cerco.
  3. Indemnizar as perdas chinesas sofridas no confronto.
  Excepto a primeira reivindicação, a parte portuguesa aceitou as restantes duas, com a promessa de evitar incidentes do género no futuro, de modo que a parte chinesa, em 25 de Agosto, restabeleceu a abertura da Porta do Cerco para a passagem de víveres e pessoas. Assim, o primeiro confronto sino-português de grande envergadura, após afundação da República Popular da China, obteve uma resolução racional.269
  No entanto, parece que a Administração portuguesa não tinha ainda tirado a devida lição deste acontecimento. Em 14 de Janeiro de 1955, a Comissão Preparadora do 4° Centenário do Estabelecimento dos Portugueses em Macau tomou posse para levar a cabo grandiosas celebrações que o Governo de Macau havia planejado para o evento. Em 5 de Julho, Portugal declarou Macau como uma das suas províncias ultramarinas e decretou o Estatuto da Província de Macau. Estes dois factos provocaram uma forte aversão no povo chinês. No entanto, as autoridades portuguesas de Macau estavam obcecadas com o plano das celebrações, chegando a dar a conhecer o programa das comemorações em 12 de Outubro. O Governo chinês, que estava bem atento a esta situação, aproveitou-se duma visita a Pequim de Alexander Grantham, então Governador de Hong Kong, para obter informações a esse respeito. Durante um almoço, Zhou Enlai perguntou ao visitante se tinha ouvido falar nas comemorações dos 400 anos dessa colónia, que estavam a ser promovidas pelos portugueses de Macau. Vendo que Zhou Enlai estava bem disposto, com um ar relaxante, Alexander Grantham respondeu que sim, sem que lhe tivesse dado muita importância:
  "As a matter of fact what I had previously heard about the proposed celebrations had caused me some uneasiness. A minister was coming out from Lisbon, and he was almost sure to talk about the 'sacred soil of Portugal', which would anger Peking. Zhou Enlai now adopted a stern mien and said that the Chinese Government and the Chinese people did not like these celebretions, nor world the Chinese in Macau and Hong Kong. The last was a thinly veiled threat that the communists would stir up trouble, and probably serious trouble, in the two colonies. I suggested that perhaps it would be all rigth if the celebrations were limited to one day. No, the whole thing must be called off."270
  Em seguida, Alexander Grantham comunicou esta mensagem de Zhou Enlai a Londres, através da Embaixada britânica em Pequim, para que fizesse chegar este recado a Lisboa. "And when I got back to Hong Kong I told the Govemor of Macau of what had passed between Zhou Enlai and myself. Very sensibly the Portuguese authorities cancelled the entire programme, including a special issue of postage stamps that had already been prepared; and they pulled down a half completed commemorative monument and no minister came out from Portugal. Apparently the Governor had been opposed to the celebrations all along, but had been overruled by his home government."271
  Em 21 de Outubro, o Governo de Macau, alegando a "falta de fundos", declarou cancelar todas as comemorações previstas, mas o monumento alusivo ao evento continuava em construção. Em 26, no Diário do Povo, órgão oficial do partido comunista chinês, publicou-se um editorial com o seguinte título Advertências às autoridades portuguesas de Macau, de que passamos a transcrever o seguinte trecho:
  "Macau, sendo parte do território chinês, o povo chinês nunca o esqueceu. É de lembrar que ele conta com os mais legítimos direitos de recuperar da mão portuguesa esta parcela da terra que lhe pertence [...] O facto de que Macau até agora não se reintegrou no território chinês não quer dizer que o povo chinês tolere uma continuação da ocupação de Macau por mais tempo [...] O que queremos advertir às autoridades portuguesas de Macau é o seguinte: A China de hoje já não é a China de 6 anos atrás, nem muito menos a China de há 400 anos. Se as autoridades portuguesas de Macau julgassem que se pudessem aproveitar a política pacifista da China para provocar o grande povo chinês, estariam redondamente enganadas. O povo chinês nunca deixará os provocadores saírem com a sua. Quem semeia ventos, recolhe tempestades."272
  Cedendo a uma imensa pressão da opinião pública, as autoridades de Macau acabaram por mandar arrasar o monumento que se encontrava meio levantado. No entanto, não se conheceu nenhuma alteração na administração colonial que já se revelava um pouco hirta e antiquada, o que ia agudizando de dia para dia as contradições existentes entre as comunidades portuguesa e chinesa de Macau, dando origem ao "incidente Um Dois Três" que veio a eclodir 11 anos mais tarde. Por outro lado, dada a inexistência de relações diplomáticas entre aChina e Portugal, a infra-estrutura macaense não podia conhecer melhorias significativas sem a cooperação do continente chinês, o que impunha uma estagnação da economia macaense. Até aos anos 60 deste século, numa descolonização que se verificava a nível mundial, Portugal oficiou às Nações Unidas, a declarar as suas dependências ultramarinas como "Províncias Ultramarinas", e a negar a estas mesmas o estatuto de colónias, numa tentativa de excluí-las da lista dos territórios a descolonizar. O Presidente do Conselho de Ministros, Oliveira Salazar, na sessão do Parlamento de 30 de Junho de 1961, ao dar esclarecimentos sobre a sua política ultramarina, assim defendeu o statu quo de Macau:
  "A existência de Macau como terra sujeita à soberania portuguesa funda-se em velhos tratados entre os Reis de Portugal e os Imperadores da China, de modo que, se estes textos jurídicos mantêm como deve ser, o seu valor, através das mutações dos regimes políticos, está assegurada a individualidade daquele território e a sua integração em Portugal. Mas se saíssemos do terreno da legalidade para fazer apelo a outros factores, certo é que Macau, fosse qual fosse o valor da nossa resistência, acabaria por ser absorvida na China de que depende inteiramente na sua vida diária. E o mundo ocidental ficaria culturalmente mais pobre".273
  Entretanto, a China não cedeu nada em relação à sua posição face aos tratados desiguais. A recuperação armada de Goa e outras possessões portuguesas na 'India por parte desta, verificada em Dezembro de 1961, provocou reacções muito fortes a nível mundial. Aproveitando-se desta ocasião, alguns países, encabeçados pela URSS, acusaram a China de ter uma posição fraca na luta anti-imperialista e anti-colonialista, ao tolerar a ocupação de Hong Kong e Macau, respectivamente pela Inglaterra e Portugal. Em 8 de Março de 1963, o Diário do Povo, no seu editorial intitulado A propósito da Declaração do Partido Comunista dos EUA, reiterou, duma forma pública e inequívoca, a posição chinesa em relação a Hong Kong e Macau:
  "O nosso Governo, aquando da fundação da República Popular da China, já deixou bem claro que, em relação aos tratados, assinados ao longo da História, pelos sucessivos governos chineses com os governos estrangeiros, conforme o conteúdo de cada um, ou vamosreconhecê-los, ou vamos aboli-los, ou vamos renová-los. Neste aspecto, a nossa política para com os países socialistas será completamente diferente da nossa política para com os países capitalistas. Mesmo com estes últimos, adoptaremos uma política diferenciada de acordo com cada caso concreto. Na realidade, de muitos tratados históricos, uns caducaram, outros foram abolidos e há alguns que foram substituídos pelas suas novas versões. Em relação a uns vexata questio, legados pela História, somos de opinião de que procuraremos uma solução pacífica para elas quando chegarem os seus respectivos momentos oportunos. Enquanto não se reunirem condições para tal, manter-se-á o seu statu quo, por exemplo os casos de Hong Kong, Kowloon e Macau [...]"274
  A manutenção temporária do statu quo não significa o reconhecimento dos tratados desiguais, nem um fechar de olhos aos actos irracionais das administrações coloniais inglesa e portuguesa em Hong Kong e Macau. Em momento considerado oportuno, o Governo da nova China ofereceria o seu apoio às comunidades chinesas destes territórios na sua luta pelos seus legítimos direitos. Os antecedentes e os termos desta política revelaram-se bem patentes no "Incidente Um Dois Três" ocorrido em Macau.

6.2. O "Incidente Um Dois Três"275


  O chamado "Incidente Um Dois Três", não se refere unicamente à tragédia ocorrida em 3 de Dezembro de 1966. Trata-se dum movimento popular que começara nos meados de Novembro e que se prolongara por vários meses.
  O "Incidente Um Dois Três", começou com um caso insignificante. Os moradores da Taipa, a fim de ampliar as instalações duma escola, tomaram de aluguer, em Abril, umas casas que correspondem aos números 4, 6 e 8 da Rua Direita Carlos Eugénio e pretenderam fazer as necessárias obras de adaptação no local. Já em Junho, se apresentara ao Concelho das Ilhas o requerimento para a licença de obras, que tardava bastante tempo em sair despachado.
  Os representantes da escola, em 24 ocasiões, tentaram falar com o administrador do Concelho das Ilhas para se informarem do despachoda licença de obras. Para tal, também recorreram à Associação Comercial de Macau, mas tudo foi em vão, de modo que começaram a fazer os preparativos para as obras enquanto esperavam pela concessão da requerida licença.
  Em 15 de Novembro, Rui de Andrade, administrador do Concelho das Ilhas, foi para o seu gabinete, como de costume. Ao passar em frente da Escola Fong Chong da Taipa, deparou com os andaimes de pé. Ao chegar apressadamente ao seu gabinete, despachou logo um agente policial a informar-se do motivo por que as obras começaram sem a devida licença, e decidiu embargar as obras. O guarda não tardou nada a regressar e informou o administrador do Concelho das Ilhas de que os operários não lhe deram ouvidos à ordem de embargo das obras em curso. Então o administrador mandou um grupo de agentes para persuadirem os operários a suspender o trabalho. Com a presença do reforço policial, a situação tornou-se de repente muito tensa, o que deu origem a um conflito que se saldou em 24 feridos. Além disso, os agentes da autoridade detiveram ilegalmente dois jornalistas de Aomenribao (Jornal Ou Mun), que estavam a dar cobertura ao acontecimento.
  À 1 hora da tarde, a Associação Comercial de Macau mandou entrar em contacto com a Câmara das Ilhas para ver se conseguia alguma compreensão do seu administrador. A Escola também mandou representantes seus à Câmara das Ilhas. Aconteceu que 4 dos enviados, antes de falarem com o administrador, foram detidos e mandados para Macau, onde passaram uma noite em prisão preventiva276. Mais tarde, foram postos em liberdade com a intervenção de Chui Tak Kei277, Vice Presidente da Associação Comercial de Macau.
  A comunidade chinesa de Macau ficou chocada com o acontecimento. Para que a situação não se tornasse pior, as personalidades da sociedade macaense ofereceram-se para intervir no caso, com a esperança de acalmar a ira popular. Roque Choi278, que tomou parte neste processo reconciliatório, lembra-se de que Ho Yin tivera um encontro com o Encarregado do Governo, Mota Cerveira, em que lhe lembrara, de boa vontade, a melindrosa situação política deMacau e fora dela, a solicitar-lhe muita cautela na solução deste caso. De outra maneira, as consequências seriam imprevisíveis. "Ele avisou Mota Cerveira de que a situação na China estava caótica e que era necessário ter o máximo cuidado em Macau. Explicou que uma pequena chama poderia evoluir facilmente para um fogo muito grande."279 No entanto, Mota Cerveira, escudando-se numa posição muito rígida, fez ouvidos de mercador aos conselhos zelosos e com a melhor boa fé do mundo de Ho Yin. Não mandou instaurar um processo de averiguação do caso, a fim de procurar uma solução adequada ao acontecimento, nem pediu desculpa aos feridos, e muito menos despachou a concessão da requerida licença. No entender de Galvão de Figueiredo, Comandante da Polícia, isto não passava dum aborrecimento. As forças policiais, para manterem a ordem pública, às vezes vêem-se obrigadas a tomar medidas de força coercitivas.
  Em 18, os habitantes da Taipa apresentaram cinco reivindicações:
  1. Castigar os culpados;
  2. Remover os obstáculos á promoção da iniciativa educacional;
  3. Indemnização dos feridos por parte da Polícia;
  4. Retirar os processos condenatórios de 20 dias de prisão e os processos com pena suspensa instaurados aos envolventes chineses;
  5. Promessa da parte da Polícia em evitar idêntico acontecimento no futuro.
  A julgar pelas aparências, caso Mota Cerveira, Encarregado do Governo, tivesse adoptado uma posição mais flexível, dando uma resposta positiva e oportuna à situação, ter-se-ia evitado o "Incidente Um Dois Três", ou teria acontecido sem consequências tão drásticas. No entanto, poderia ser um amor não correspondido. Lages Ribeiro, ex-Secretário-Adjunto da Segurança (que acumulou o cargo de Comandante da Polícia após o acontecimento) fez uma observação penetrante ao salientar que isto aconteceria, mais cedo ou mais tarde, numa entrevista televisiva dada em 1996. A razão é simples: a acumulação de contradições sociais e queixas populares.
  Nessa altura, a China, de lés-a-lés, estava toda empenhada na "Grande Revolução Cultural". Quanto às influências desta revolução em Macau, a PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado) fez esta avaliação:
  "A repercussão deste movimento em Macau prev^e-se que venha a ser unicamente a organização de algumas reuniões nas escolas comunistas de apoio aos Guardas Vermelhos, mas sempre com a recomendação de que as mesmas nunca deverão passar à acção. E isto porque os dirigentes comunistas em Macau têm que, de certo modo, justificar a sua posição junto do governo da China mas, por outro lado, não lhes interessa que a acção venha a quebrar a calma na cidade pelas consequências que, desse facto, podem advir."280
  No entanto, "Em Macau vive-se num caos moral, pois, com raras excepções, tem-se: Funcionalismo público venal; polícia venal, principalmente nos seus quadros inferiores; e o exército a acomodar-se, porque nada podendo fazer, procura viver o melhor possível os seus dois anos de comissão [...] Toda a gente sabe que em Macau nada se resolve, nas Repartições Públicas, sem que os funcionários sejam gratificados - isto com raras excepções - está quase tão estatuído que aquele que não o fizer é apodado de cretino. Um requerimento que não seja convenientemente gratificado espera tempos e tempos. Diz-se que o requerimento para a construção da escola na Ilha da Taipa, que deu origem aos incidentes, esperava ainda 7 meses pelo deferimento, em virtude de, por ser uma escola que ia ser construída gratuitamente e não dar gratificação, o assunto não 'interessar' aos funcionários das Obras Públicas."281
  A PIDE, num relatório sobre os acontecimentos do "Incidente Um Dois Três", atribuiu aos portugueses os seus motivos nos seguintes termos: "Segundo é de crer, a coisa tinha atingido o estado de maturação e somente aguardavam uma oportunidade que lhes surgiu, talvez, primeiro pela falta de tacto do Administrador Rui de Andrade e, posteriormente, pela fraqueza da força pública que não soube actuar inicialmente com a energia adequada." A PIDE ainda assinala que até os líderes que estavam à frente deste movimento "foram surpreendidos pela facilidade com que atingiram aquilo com que não contavam, pelo menos para já."282
  No início do incidente, as pessoas de todas as camadas sociais macaenses limitavam-se a ir visitar os feridos internados. Passada uma semana, isto é, em 22, representantes de todos os círculos sociais da sociedade macaense promoveram um encontro em que "representantes dos moradores da Taipa, com olhos cheios de lágrimas, relataram como aconteceu atragédia sangrenta". Os intervenientes "acusaram a força policial portuguesa de agressões arbitrárias" e "estão dispostos a levar a cabo a luta contra os portugueses e a fazer todos os esforços para apurar as responsabilidades e castigar os responsáveis." Os presentes "lançaram advertências às autoridades portuguesas no sentido de não fazer o que bem lhes apetecer aos chineses, como aconteceu há 17 anos atrás. Se as autoridades portuguesas quiserem manter a amizade com os chineses, deverão levar em conta os enérgicos protestos da Comissão Instaladora da Escola da Taipa, junto do Governador e as advertências, publicadas no Aomenribao (Jornal Ou Mun), dirigidas às autoridades portuguesas e dar respostas adequadas. O povo chinês é compreensível. Caso as autoridades portuguesas não queiram dar razão ao acontecido, que venham com toda a sua artimanha. Estamos dispostos a levar a cabo a nossa luta, até à vitória!"
  Nestas circunstâncias, um simples confronto entre os agentes policiais e os civis transformou-se numa eclosão de conflitos entre as duas nacionalidades. O escalar deste ocorrido, foi, na realidade, o resultado da acumulação das contradições sociais em que vinha a viver Macau desde há muito tempo.
  Em 25, o novo Governador de Macau, Nobre de Carvalho, arribou a Macau. Na cerimónia de boas vindas, não passou despercebido, nem à comunidade chinesa nem à portuguesa, o facto de Ho Yin, líder da comunidade chinesa macaense, não usar da palavra, como era costume nestas ocasiões. Segundo o mesmo relatório da PIDE, isto foi obra de Mota Cerveira, que não incluíra, de propósito, o líder chinês na lista dos oradores. De todas as maneiras, o novo Governador, que já estava a caminho a Macau a bordo do barco da carreira que ligava Hong Kong a Macau tomou conhecimento disto e ficou preocupado. Com a sua experiência política e militar, apercebeu-se logo da gravidade da situação. Em 29, à tarde, Nobre de Carvalho não perdeu tempo em receber representantes dos meios industrial e comercial. Lamentou profundamente o acontecimento da Taipa, ao reconhecer que tivera sido um excesso a mobilização policial para a solução do caso da escola. Ia castigar com severidade os agentes e funcionários civis que tivessem culpas neste acontecimento e prometeu criar uma comissão de inquérito, formada por membros do Governo e pessoas independentes da sociedade civil, a fim de averiguar a verdade do acontecido.
  Mas, o procedimento do Governador de Macau revelou-se tardio, insuficiente para remediar a situação. A Associação Comercial de Macaunão mandou nenhum representante para a comissão proposta pelo Governador, o que inviabilizou o funcionamento da mesma. Entretanto, os protestos vindos de todas as camadas sociais não paravam de subir de tom, com exaltações populares. O Palácio do Governo assistia todos os dias a multidões de protesto. Na madrugada de 1 de Dezembro o Governador emitiu um comunicado, em que reiterou a sua decisão de apurar as responsabilidades de funcionários civis e policiais neste processo, de legalizar com a maior brevidade as obras suspensas da escola, de indemnizar as famílias directamente afectadas, mas não deu uma resposta oficial e clara aos cinco pedidos da população da Taipa.
  Os habitantes, indignados, não pararam os seus protestos. Até que em 3 de Dezembro, aproximadamente ao meio dia, eclodiram conflitos, em frente do Palácio do Governo, entre os manifestantes e as forças policiais. Os agentes da autoridade começaram por usar bastões para dispersar os manifestantes, mais tarde, para o mesmo fim, recorreram a canhões de água. A notícia deste confronto, num ápice, percorreu toda a cidade. A partir das 2 horas da tarde, a multidão crescia com as pessoas que vinham de todos os lados de Macau. Depois das 3 horas da tarde, o conflito foi-se agravando. Carros policiais foram destruídos, um dos braços da estátua de Jorge Álvares, em frente do Palácio das Repartições, foi quebrado. Logo a seguir, a estátua de bronze de Vicente Nicolau de Mesquita, que se erguia no Largo do Senado, foi derrubada. As massas em fúria começaram a assaltar o edifício do Leal Senado. Por volta das 4 e meia da tarde, os grupos populares dirigiam-se, pela Rua Central acima, em demanda do Comando da PSP. Foram surpreendidos pelo corpo de intervenção com bombas lacrimogéneas. A polícia de intervenção disparou contra os populares, causando imediatamente dois mortos. Dada a quantidade de populares que vinham aparecendo e a exaltação dos mesmos, as autoridades policiais mandaram camiões anti-motim para o Largo do Senado, onde tentaram dispersar a multidão com canhões de água. Acto seguinte, o Governador declarou o estado de sítio. Na edição do Jornal Va Kio, do dia seguinte a este acontecimento, temos esta cobertura:
  "Ao anoitecer, pelas 6 horas, começou o estado de sítio. A zona do Leal Senado, toda a avenida Almeida Ribeiro, assim como toda a zona de Ho Lan Iun (Av. Conselheiro Ferreira de Almeida) estavam dentro dos limites do recolher obrigatório. O corpo de intervenção, junto com militares, patrulham pelas ruas, a manter aordem pública. Na zona da A v. Almeida Ribeiro, ouviram-se vários tiros, logo que o estado de sítio entrou em vigor. À noite, na zona de Ho Lan Iun, ouviram-se disparos de metralhadoras."
  Com a entrada em vigor do recolher obrigatório, "as ruas normalmente movimentadas encontravam-se ocupadas de polícias e militares. O corpo de intervenção, munido de escudos de rota e espingardas, patrulham em grupo as ruas. Desde o anoitecer, toda a Macau vive imersa num silêncio de morte".
  Embora as mas, muito movimentadas nos tempos normais, se encontrassem desertas, os populares não deixavam de se movimentar pelas ruelas e becos. Ho Yin fez um apelo radiofónico à população, instando-a a "recolher-se imediatamente a casa, donde não deveria sair sem motivos justificantes". Dado o carácter urgente do estado de sítio, a sociedade civil não estava psicologicamente preparada para tal. Nos primeiros dias do recolher obrigatório, várias pessoas foram mortas a tiro, quando circulavam pelas ruas. Houve um morador que foi atingido, quando assomou à janela da sua casa. Segundo uma estatística oficial, houve 8 mortos e os feridos atingiram 212. Como noticiava a imprensa escrita dessa altura, Macau estava imersa num banho de sangue.
  Durante a semana do recolher obrigatório, Macau viveu uma atmosfera tensa e grave. Nobre de Carvalho, numa carta que dirigiu ao Ministério do Ultramar, em 6 de Janeiro do ano seguinte, fez reflexões sobre o acontecimento. Ele era de opinião de que, no início, a ira popular dirigia-se apenas contra Mota Cerveira e Galvão de Figueiredo. A sua falta teria sido o demorado castigo disciplinar dos dois, que não foi feito oportunamente. Além disso, no dia do confronto, as forças policiais deviam ter saído antes dos militares para uma intervenção activa em vez de defender unicamente a sua sede.
  "Dizem que só depois de aparecer a tropa é que a Polícia saiu das esquadras e houve tiroteio talvez desmedido. Enfim, seja como for, a ordem foi restabelecida -- como tinha de ser -- mas, sem dúvida, e disso já informei V. Exa., os mortos e feridos resultaram mais de precipitação com tiros baixos em vez de altos ou ricochetes do que tiros sobre vândalos, em flagrante. Quanto à detenção nas prisões, foi um pouco ao acaso, sem prova concreta de cumplicidade."283
  Devido ao que se explica no supracitado, os populares não se deram por vencidos pela tensão e pela gravidade da situação. Antes pelocontrário, os chineses de todos os círculos sociais ficaram mais exaltados e solicitaram que "as autoridades portuguesas de Macau devam assumir a inteira responsabilidade das atrocidades".
  Em 5 de Dezembro, a Agência Noticiosa Nova China emitiu notícias, através da sua sucursal de Hong Kong, onde se revelaram pormenores da tragédia que já durara 3 dias em Macau. A imprensa macaense também notificou que "Pequim está empenhadamente atento ao evoluir da situação em Macau". No mesmo dia, a Federação de Associações de Estudantes de Macau deu a conhecer o Comunicado à População Estudantil de Macau, em que se formulavam cinco pedidos ao Governo Português de Macau:
  1. Aceitar as cinco solicitações da população da Taipa e pô-las em prática.
  2. Castigar Galvão de Figueiredo, o principal responsável pela repressão de nossos docentes e discentes patrióticos.
  3. Parar imediatamente o crime de disparar contra os nossos compatriotas de Macau.
  4. Indemnizar todas as perdas das vítimas.
  5. Prometer não levar a cabo mais repressões atrozes contra os nossos compatriotas de Macau.
  Dois dias mais tarde, os compatriotas chineses de Hong Kong mostraram-se solidários com os seus compatriotas chineses de Macau na sua justa luta. A Rádio Popular de Guangdong notificou sobre o acontecimento de Macau. No mesmo dia, os guardas vermelhos de Cantão desfilaram no "mais enérgico protesto contra as atrocidades perpetradas pelas autoridades portuguesas de Macau, numa mais decidida solidariedade com os compatriotas de Macau em luta". Neste comício, os principais dirigentes da Província de Guangdong usaram da palavra, solidarizando-se com os compatriotas de Macau na sua luta. Em 10, a Repartição dos Assuntos Exteriores do Comité Popular da Província de Guangdong, com ordem superior, deu a conhecer um enérgico protesto com quatro pedidos:
  1. Aceitar incondicionalmente as cinco solicitações dos habitantes chineses da zona da Taipa de Macau, concretizadas em 18 de Novembro.
  2. Aceitar incondicionalmente as cinco solicitações da Federação de Associações dos Estudantes Chineses de Macau, concretizadas em 5 de Dezembro.
  3. Pedir imediatamente desculpa à China e castigar severamente os principais responsáveis que são Mota Cerveira, Encarregado do Governoe Comandante das Forças Armadas de Macau, Galvão de Figueiredo, Comandante da Pol'icia de Macau, Vaz Antunes, 2° Comandante da Polícia de Macau e Rui de A ndrade, administrador interino da Câmara das Ilhas.
  4. Prometer, em termos concretos, não tomar a permitir quaisquer actividades de agentes secretos dos bandidos de Jiang Jieshi e entregar à jurisdição chinesa os 7 agentes recolhidos pelas autoridades portuguesas de Macau numa operação que violou o domínio marítimo chinês em Junho de 1963.
  No mesmo dia, uma delegação dos representantes dos compatriotas chineses de todos os círculos de Macau, entregou um protesto ao Governador de Macau, com seis pedidos:
  1. Castigar imediatamente e com severidade Mota Cerveira, verdugo que mobilizara forças armadas para o massacre de compatriotas chineses; exonerar Galvão de Figueiredo, Vaz Antunes, Rui de Andrade, entre outros responsáveis por este massacre.
  2. Terminar imediatamente o estado de sítio e fazer parar imediatamente detenções, morte a tiro e toda a espécie de repressões fascistas contra os chineses de Macau; assegurar absolutamente a segurança e liberdade dos chineses de Macau.
  3. Indemnizar todos os feridos; dar imediatamente pensões de sangue aos familiares dos mortos, pagar todas as despesas funerárias dos mortos e prometer não interferir em funerais que a comunidade chinesa de Macau possa vir a celebrar em homenagem dos mortos.
  4. Pôr imediatamente em liberdade todos os chineses presos neste sangrento massacre fascista e dar a conhecer uma lista objectiva dos mortos e feridos.
  5. Aceitar imediatamente as cinco solicitações dos habitantes chineses da Taipa, através da Comissão Instaladora da Escola, e as cinco solicitações da Federação de Associações dos Estudantes Chineses de Macau.
  6. Pedir imediatamente desculpa à comunidade chinesa de Macau e assinar um Documento de Desculpas e difundi-lo através da imprensa e rádio. A lém disso, prometer evitar no futuro qualquer incidente deste género.
  O Governador, com a assistência do intérprete, ouviu o conteúdo do protesto que foi lido em voz alta, e disse que muitos dos pedidos já foram aceites e postos em prática. Quanto a outros que ficavam por ser aceites, como estavam fora da sua competência, ele precisava de consultar o Governo Central de Lisboa.
  O Governador Nobre de Carvalho, no terceiro dia do seu mandato, isto é, em 27 de Novembro, informou Lisboa da situação política de Macau. O Ministro do Ultramar, Joaquim Silva Cunha, aconselhou o Governador a manter uma "atitude de firmeza, tendo sempre em consideração as circunstâncias locais", no entanto reconheceu que "a situação começa a tornar-se preocupante".284
  Em 1 de Dezembro, o Governador aproveitou-se do feriado para redigir um telegrama extenso de 7 páginas, dirigido a Lisboa, em que ele observa que "as massas proletárias de Macau fogem ao controle de elementos influentes da Comunidade Chinesa, entre eles Ho Yin. [...] Os interesses superiores de Macau e da Nação talvez venham a aconselhar [...] o afastamento temporário desses dois elementos da província."285
  Depois do acontecimento ocorrido em 3 de Dezembro, o Governador apela à mediação de Ho Yin e sugere ao Ministro do Ultramar uma "intervenção urgente junto do Governo de Pequim, por intermédio de qualquer país, a fim de pôr cobro à situação". Silva Cunha aceitou a sugestão e fez diligências através do embaixador de Portugal em Paris, mas sem sucesso, pelo que transmite ao Governador as suas instruções: "Vossa Excelência deverá manter a orientação que está a ser seguida, não consentindo manifestações públicas, nem cedendo a imposições e reprimindo alterações à ordem, embora actuando sempre com ponderação e calma".286
  Neste período de tempo, a imprensa portuguesa em Macau foi proibida e até em Lisboa se aplicou a censura sobre qualquer notícia relativa a este acontecimento. Um porta-voz do Ministério do Ultramar, quando foi inquirido por um jornalista da United Press sobre este assunto, apenas referiu que existiam alguns pequenos distúrbios internos em Macau, mas o Governador Nobre Carvalho estava a resolvê-los e estavam a acompanhar a situação com atenção.287 A realidade era bem outra. O Ministro do Ultramar mal tomara conhecimento de uns rumores de que a China interviria na restauração da ordem pública em Macau, pôs-se logo muito nervoso e mandou um telegrama extremamente urgente ao Governador de Macau, salientando que "a manutenção da ordem em território nacional é exclusivamente da nossaresponsabilidade".288 A gravidade da situação em Macau começou a chamar a atenção do Governo de Lisboa.
  Após ter recebido os protestos dos representantes de todos os círculos de Macau e da Repartição dos Assuntos Exteriores da Província de Guangdong, quando o Governador consultava Lisboa, recebeu uma mensagem de Ho Yin: "Aceitação, em bloco, é a última oportunidade para o Governo português continuar em Macau"289. O Governador apercebeu-se de que a China tinha reforçado, com sinais muito patentes, a defesa militar à volta de Macau, de modo que solicitou "instruções urgentes" a Lisboa.
  Em 11 de Dezembro, o Diário do Povo publicou um editorial sob o título de Advertências severas às autoridades portuguesas de Macau, em que exortou as autoridades portuguesas de Macau a "aceitar imediatamente e pôr rigorosamente em prática" os pedidos da parte chinesa. Caso contrário, haveria de assumir todas as responsabilidades daí decorrentes. No mesmo dia, o Presidente do Conselho de Ministros, o Ministro do Ultramar, o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o Ministro da Defesa Nacional reuniram-se num Conselho de Ministros urgente. Conforme Um Político Confessa-se, de Franco Nogueira, então Ministro dos Negócios Estrangeiros, a reunião desenvolveu-se da seguinte maneira:
  "Expostos os factos, falei em primeiro lugar, e advoguei o compromisso, a flexibilidade, salvo quanto às desculpas escritas e públicas do governador. Minha tese: nunca verdadeiramente fomos soberanos em Macau; sempre subsistimos graças à boa-vontade da China, e sempre partilhámos com esta a autoridade; por motivos ainda misteriosos, Pequim considerava agora que havíamos afrontado a parte de autoridade que julgava pertencer-lhe, e fazia-o sentir. Cumpria reconhecê-lo, e ceder nessa medida. Silva Cunha disse que preferia ver o governador morto mas não humilhado. Respondi que preferia ver o governador humilhado (desde que não publicamerte) e Macau nosso, do que ver ao mesmo tempo o Governador de Macau morto e Macau perdido. Gomes Araújo foi inteiramente do meu aviso."290
  Oliveira Salazar, que sempre defendia: "[...] para um povo, para a sua História, é infinitamente mais importante um acto de orgulho e de bravura do que uma nódoa que nos fique sempre a perseguir"291, depois de ter ouvido osparticipantes, decidiu que fossem tomadas as medidas mais flexíveis possíveis, a fim de preservar a administração de Macau.
  Com a decisão do Conselho de Ministros, o Ministro do Ultramar, Joaquim Silva Cunha, redigiu um esboço de telegrama dirigido ao Governador de Macau. Sendo aprovado por Salazar, seguiu para o seu destinatário, com as instruções necessárias, "[...] seguir uma orientação que, não levando a um beco sem saída, ressalve suficientemente a dignidade da nossa posição. Utilizando a terminologia aí em voga, isto quer dizer que devemos actuar por forma a não 'perder a face', sem, no entanto, prejudicarmos o essencial. Assim, não podemos aceitar a apresentação de desculpas públicas pelo Governador da Província, mas não nos opomos a que se procure outra fórmula, sugerindo que um membro qualificado do Gabinete de V. Exa. visite feridos e apresente pêsames."292 Quanto aos restantes pedidos, até à entrega dos agentes do serviço secreto de Jiang Jieshi, podiam ser aceites.
  Em Macau, muitos membros da comunidade portuguesa trespassados de medo, refugiaram-se no Quartel de S. Francisco. Alguns encontravam-se já na bicha para solicitar o visto britânico para irem para Hong Kong. Medo generalizado, desvalorização da pataca, corrida aos bancos, mercado paralizado. O Governador de Macau, mesmo com as instruções de Lisboa, encontrava-se num dilema pesadíssimo:
  "A não aceitação de qualquer dos pontos [...] provocará certamente grandes chacinas de população inocente, com irremediável perda de Macau, enquanto a aceitação, embora afecte rudemente o prestígio da nossa administração, poderá talvez permitir a continuação da nossa presença aqui, com esperança de melhoria da situação."293 Numa nota oficiosa do dia 13 o Governador admitiu:
  "Gerou-se nos últimos dois dias uma onda de boatos que causaram um denso clima de insegurança e desconfiança, tudo, ainda, relacionado com os tristes acontecimentos da Taipa e Macau e com a situação delicada criada à Administração, em sua consequência imediata.
  [...] tudo se está fazendo com a maior boa vontade para se resolver muito em breve e definitivamente todos os problemas emergentes dos acontecimentos ocorridos."294Macau, in Expresso, 21 de Dezembro de 1996, pp. 66-72 da Revista.
  O Governador acabou por convocar o Conselho da Defesa, em que foi decidido aceitar completamente os pedidos da Repartição dos Assuntos Exteriores da Província de Guangdong. Às 23 horas e meia do mesmo dia, a Repartição do Gabinete do Governo de Macau foi instruída a emitir um comunicado de cidindo aceitar os quatro pontos do Director da Repartição dos Assuntos Exteriores da Comissão do Povo da Província de Guangdong.
  No dia seguinte, o Governo de Macau, julgando que com a declaração da sua posição a situação melhorou, convidou os representantes das associações para o Palácio do Governo, em 15 de Dezembro, para um encontro, em que seria dada uma resposta oficial. Mas os representantes, julgando que as autoridades portuguesas não tinham especificado os pedidos a ser satisfeitos, não compareceram ao encontro, o que pregou mais um susto aos que viam já sanado este confronto, dando origem a rumores que se espalhavam por todo o lado.
  Às 8 horas da noite de 14, Mesquita Borges, Chefe de Gabinete do Governador, com a expressa instrução deste, emitiu um comunicado:
  "O chefe da Província verbera a atitude de certa imprensa estrangeira que sobre a situação de Macau tem difundido notícias tendenciosas e algumas inteiramente destituídas de fundamento.
  Desta última natureza é a notícia publicada hoje sobre uma pretensa declaração de um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal."295
  A comunidade chinesa de Macau, enquanto esperava pelo Documento de Desculpas, em que viriam especificadas as satisfações, realizou um funeral público para as vítimas mortais do acontecimento. O Governo de Macau decidiu baixar a meia haste a bandeira portuguesa que se despregava aos ventos no topo da Porta do Cerco, quando o cortejo funeral passava por lá. O Leal Senado também decidiu pôr a meia haste a bandeira da Cidade. Nobre de Carvalho começou a concretizar as promessas: em 16, Mota Cerveira, Comandante das Forças Armadas e Presidente do Leal Senado, e Galvão de Figueiredo, comandante da Polícia, foram exonerados dos seus cargos. Antes disso, Rui de Andrade, administrador do Concelho das Ilhas, e Vaz Antunes, 2° comandante da Polícia, tinham deixado Macau com destino a Portugal, respectivamente em 13 e 14. Rui de Andrade recorda hoje queele tinha solicitado, por três vezes, audiência ao Governador e não lhe foi concedida nenhuma, disso ainda guardando rancor até agora. Ele ouviu dizer que quando Mota Cerveira foi ver o Governador, quase "o agarrou pelos colarinhos [...]"296 Estes aspectos constituem provas da exaltação de ânimo dos envolvidos neste processo.
  Apesar da animosidade de alguns funcionários governamentais, o que se prometera devia ser cumprido. Na madrugada de 20, sete agentes secretos nacionalistas, que tinham entrado nas águas territoriais chinesas e que haviam sido capturados pela Polícia Marítima de Macau, foram entregues à jurisdição chinesa. António A. F. Lopes dos Santos, revelava, mas tarde, que a questão de Taiwan era um quebra-cabeças que mais preocupações lhe dera enquanto Governador de Macau. Talvez seja esta problemática a origem de muitos conflitos sino-portugueses, porque os agentes secretos de Taiwan, não só se serviam de Macau para a recolha de informações sobre a República Popular da China, como também organizavam actividades, de todos os géneros, destinadas à recuperação do continente chinês. Em Março de 1965, ele fez com que fosse encerrada a Representação do Governo de Taiwan em Macau. Por causa dos referidos agentes secretos nacionalistas, o então Governador pediu instruções a Salazar:
  "O professor Salazar disse-me que o melhor era deixá-los fugir. Mas eu respondi que nem isso podíamos fazer, pois seriam logo apanhados. Tínhamos a consciência, nessa altura, de que a polícia estava infiltrada de inúmeros agentes do regime chinês. "297
  Este caso, que durante vários anos incomodava as autoridades portuguesas de Macau, teve uma resolução completa. Em 2 de Janeiro do ano seguinte, o Governador de Macau emitiu um comunicado em que se proibia a realização de qualquer actividade hostil à República Popular da China, a ostentação de qualquer bandeira, emblema ou sinais que possam ser considerados como hostis à República Popular da China. Acto seguinte, instituições e grupos criados ou apoiados por Taiwan foram encerrados, de modo que as influências do Governo Nacionalista foram erradicadas de Macau.
  A entrega dos agentes secretos foi objecto dum enérgico protesto da parte de Taiwan, mas Lisboa não lhe deu nenhuma importância. Bem pelo contrário, a desculpa pública que se propunha fazer apóssatisfeitos os seis pedidos provocou muita animosidade em Portugal. O Ministro do Ultramar, em repetidas ocasiões, afirmou que isto seria absolutamente inaceitável.
  Em 22 de Dezembro, o Governo de Macau mandou uma delegação, formada por Mesquita Borges, Carlos Assumpção e Roque Choi, para iniciar negociações com a Repartição dos Assuntos Exteriores da Província de Guangdong, em Gongbei. Na véspera de Natal, o Governador recebeu o texto do Documento de Desculpas. Após uma semana de negociações, ambas as partes chegaram a um entendimento quase completo. Mas Lisboa achou-o com muitas concessões. O Ministro Joaquim Silva Cunha aconselhou o Governador a não fazer nada que excedesse as instruções do Governo Central:
  "Parece que pretendem obter do Governo da Província sucessivas e progressivas cedências que, a efectivarem-se, constituiriam alienação de prerrogativas de autoridade incompatível com o mínimo de dignidade da nossa soberania que acima de tudo impunha preservar."298
  Ele salientou que "aceitá-la representaria completa desautorização do Governo da Província, afectaria gravemente o prestígio nacional e poderia até ter reflexos sobre o moral das Forças Armadas que combatem noutras parcelas do nosso território."299
  Nobre de Carvalho estava outra vez entre a espada e a parede: as pressões vindas de Macau e de Cantão são enormes, e Lisboa não está de todo satisfeita com as medidas por ele tomadas. Ele acabou por propor ao Governo Central que destacasse alguém "munido dos necessários poderes"300 para recolher informações in loco, em Macau, para uma decisão em última instância.
  Em 11 de Janeiro tornou a ser convocado o Conselho de Ministros, com carácter urgente, em que foi discutida a situação em Macau. No seio do Governo Português surgiram discrepâncias gritantes em relação às linhas mestras e à estratégia a ser adoptada na condução da questão de Macau. Vários ministros insistiam na necessidade de preservar a dignidade nacional, de maneira a endereçar duras críticas ao procedimento do Governador de Macau. No Conselho de Ministros, "Salazar abre com breve resenha dos factos, e depois pôs perante o Conselho os pontos sobre que este deveria decidir: aceitar o documento chinês, com a injúria queeste poderia conter para a honra e a dignidade nacionais, ou rejeitar o documento e nesse caso assumir a responsabilidade pela perda de Macau. Segue-se Silva Cunha, que expõe ao Conselho os aspectos de mais consequência e lê depois os textos da nota que a China nos quer impor e da nota preparada para o governador (e entretanto já telegrafada a este). Após o que, falou Correia de Oliveira. Foi um espanto: mostrou-se indignado com veemência, classificou o texto proposto como inaceitável, e afirmou que se fosse ele a decidir preferia perder Macau mas deixar intacta e altiva a dignidade nacional. Sorri-se Salazar, e declara-se, em tom muito doce e humilde, co-autor e co-responsável pela nota ao governador; mas era evidente que, se o Conselho a reprovasse e quisesse perder Macau, far-se-ia outra nota, como proposta pelo senhor ministro da Economia, e seria despachada para o governador com presteza."301
  Apesar de muita discussão, o Conselho não chegou a conclusões. Assim, instruiu o Governador de Macau no sentido de prosseguir as negociações em curso e se preparava para mandar uma delegação a Macau.
  Perante o impasse da situação em Macau, tanto o Governador de Macau como o Governo de Lisboa encontravam-se em maus lençóis. Em termos práticos, o Conselho de Ministros não decidiu nada, a estratégia que foi adoptada não passava duma medida imediatista, embora todos os participantes estivessem bem conscientes do resultado: "[...] aceitar o documento chinês, com a injúria que este poderia conter para a honra e a dignidade nacionais, ou rejeitar o documento e nesse caso assumir a responsabilidade pela perda de Macau."302
  Salazar, sendo um tenaz nacionalista, encontrava-se num dilema, tendo as suas posições, às vezes, sentidos opostos. Numa carta do seu punho e letra, datada de 14, ele escrevia ao Governador:
  "Ainda esta amanhã, trabalhei com o Senhor Ministro do Ultramar sobre o texto da nota a entregar amanhã aos delegados chineses e sobre as instruções que lhe respeitam. Tenho seguido com a maior atenção a sequência dos acontecimentos e faço ideia das muitas preocupações que os mesmos lhe devem ter causado. Aqui não se minimizam os riscos que estamos correndo e podem ser muito graves; mas mesmo que não se chegue do lado chinês aos extremos sempre possíveis. O Governo da Província tem estado e porventura continuará sujeito a uma pressão que pode abalar os nervos maisfortes. A nossa posição reduz-se no momento a transigir para salvaguardar a soberania portuguesa mas só no que possa ser sem tocar a dignidade da nação. Nada nos importaria salvar Macau de forma digna, porque esta dignidade recairia sobre o conjunto dos interesses nacionais, de modo que estes seriam seriamente abalados. Vejo que V. Exa. encarou assim a redacção da última nota chinesa, pois a considera inaceitável. Não temos a'i forças para bater as forças chinesas -- seria uma impossibilidade -- mas para garantir a ordem e lutar até ao extremo limite pela dignidade e pela soberania nacional. Confíamos aqui em que em caso de necessidade todos cumprirão o seu dever, mesmo com os maiores sacrifícios. Importa porém manter a calma e a tranquilidade de espírito para que V. Exa. possa levar todos os que devem obedecer-lhe a cumprir o seu dever. "303
  Em 15, a agência oficial ANOP deu, pela primeira vez, uma notícia sobre o acontecimento em Macau, em que disse que "as autoridades chinesas não atacariam um Macau pobre e militarmente indefeso, enquanto não faziam nada em relação a Hong Kong"304. Parece que se trata dum esclarecimento público da posição tomada por Salazar. Mas o evoluir da situação obrigou Salazar a mudar da posição que estava disposto a manter até ao fim.
  Em Macau, enquanto ambas as partes negociais se encontravam num impasse sobre o texto do Documento de Desculpas, a luta popular subia de escala. Em 17 de Janeiro, a União dos Operários de Macau realizou uma sessão extraordinária dos seus vogais, em que foi lançada a seguinte advertência: "Se a Administração Portuguesa de Macau não aceitar rápida e totalmente os quatro pedidos da Repartição dos Assuntos Exteriores da Província de Guangdong e os seis pedidos dos compatriotas de Macau; vamos tomar unanimemente as seguintes medidas:
  1. Governador Nobre de Carvalho fora de Macau!
  2. Boicote completo contra as autoridades portuguesas de Macau, cortar as relações comerciais com os funcionários portugueses, cortar o abastecimento de víveres aos portugueses, suspender qualquer serviço a ser prestado aos portugueses.
  3. Deixar de cumprir com os deveres fiscais, antes de verem as suas legítimas reivindicações satisfeitas.
  4. Divulgar e denunciar os crimes perpetrados pelas autoridades portuguesas de Macau, com todos os instrumentos da massa média e os recursos disponíveis.
  5. Deixar de fornecer água e electricidade às instituições públicas e residências particulares dos portugueses.
  6. Retirar a estátua de Ferreira do Amaral na Praia Grande."
  Ao mesmo tempo, foi inaugurada uma exposição "A Luta dos Compatriotas Chineses de Macau contra as Repressões" no salão nobre da Associação Comercial de Macau, que foi visitada por multidões durante dias, um caso sem precedentes, o que servia de estímulo aos populares de todos os círculos sociais na sua luta.
  Ambas as partes continuaram a discutir o texto do Documento de Desculpas. Após quatro revisões, ainda não chegaram a um acordo. Os representantes de todos os círculos sociais reuniram-se numa assembleia que teve lugar em 20, em que foi decidido elevar a sua luta a um grau mais alto e criar um grupo de trabalho, a quem competiria estudar formas de boicote aos portugueses de Macau. Em 24, a mesma assembleia aprovou o projecto de boicotes apresentado pelo referido grupo de trabalho e decidiu pô-los em vigor a partir do dia seguinte.
  1. Deixar de pagar todo e qualquer imposto.
  2. Não vender nada ao Governo Português de Macau e aos seus funcionários.
  3. A indústria terciária não prestar serviços aos militares portugueses, tanto oficiais como soldados.
  A assembleia apelava a toda a comunidade chinesa para uma acção conjunta no embargo anunciado. E decidiu impor mais boicotes caso as autoridades portuguesas de Macau demorassem mais tempo em dar uma resposta.
  Perante a situação de Macau, que se tornava cada dia mais grave, Salazar acabou por decidir aceitar os pedidos e mandar uma delegação a Macau. Albano Rodrigues de Oliveira, Governador de Macau de 1945 a 1951, foi escolhido para chefiar a delegação, composta por João Hall Themido, Director-Geral dos Negócios Políticos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Alexandre Ribeiro da Cunha, inspector superior do Ministério do Ultramar. Por motivos de saúde, Albano Rodrigues de Oliveira foi substituído por Pedro Correia de Barros, que também fora Governador de Macau.
  Com a delegação formada, Lisboa solicitou negociações directas com a Província de Guangdong, o que foi imediatamente negado pela dita Província chinesa. Perante esta situação, o Ministro Joaquim Silva Cunha achava que já que fora recusada a proposta de negociações directas, "não se justifica a ida dos delegados". Nobre Carvalho não podia deixar de lançar uma crítica: "Em qualquer país do mundo já se teria enviado uma pessoa categorizada e responsável para verificar a situação local e tomar também decisões." Mais tarde, enviou um telegrama a Lisboa, considerando "absolutamente necessária a presença da missão aqui. De resto, viriam ajudar qualquer ajustamento das minutas [...] e constatariam 'in loco' a extrema gravidade da situação."305
  A delegação mandada de Lisboa tinha por objectivo aparente "observar localmente a situação para melhor esclarecimento do Governo; colaborar com o Governador e aconselhá-lo nas negociações em curso com as entidades chinesas". Mas, na realidade, segundo a memória de Hall Themido, "tratava-se de uma missão de averiguação. Havia uma grande desconfiança em Lisboa: considerava-se que o Governador não estava a respeitar as orientações de firmeza que lhe eram transmitidas e que isso tinha que ser corrigido".306
  A missão chegou às 4 da tarde de 23 de Janeiro a Hong Kong. Com a assistência dos ingleses de Hong Kong, conseguiram embarcar no último barco para Macau, que saía às 5 horas. Ao desembarcarem em Macau, foram directos ao Palácio do Governo, onde reuniram com Nobre de Carvalho, Mesquita Borges, Carlos Assumpção e Adolfo Jorge. Themido, num relatório altamente secreto, com 11 páginas, datado de 8 de Fevereiro, descreve as circunstâncias em que ocorreu esta reunião:
  "No Palácio, vivia-se um ambiente de guerra, de quem está cercado -- toda a gente com um ar estafado, derrotado, diria mesmo apavorado."307
  A delegação limitava-se a ouvir intervenções. Com poucas palavras do discurso do Governador, a delegação apercebeu-se de que "as instruções de Lisboa haviam sido largamente excedidas", porque Nobre de Carvalho já se tinha "comprometido a aceitar textos que em vários pontos eram inaceitáveis para o Governo português." Ao mesmo tempo, qual não foi o espanto da delegação, quando ela descobriu que "as informações comunicadas por Macau ao Ministério do Ultramar eram incompletas e omitiam pontos importantes para uma completa compreensão da situação". Da parte doGovernador, ele insistia em "textos e posições que, por estarem ultrapassados pelos acontecimentos, eram inaplicáveis localmente."308
  Perante uma situação tão grave -- ou aceitar o documento ou perder Macau, a delegação decidiu mandar logo um membro da missão voltar imediatamente a Lisboa para dar conta da situação de Macau. "Não era por carta, pelo telefone ou por telégrafo que se podia explicar a situação, com todo o seu dramatismo."309
  Themido, ao chegar a Lisboa, na tarde de 25, foi directo do aeroporto para o Ministério do Ultramar, onde deu parte da situação de Macau ao Ministro do Ultramar, Ministro dos Negócios Estrangeiros e Ministro da Defesa Nacional. Após uma breve reunião, os quatro deslocaram-se juntos ao Gabinete do Presidente do Conselho, onde relataram os resultados das investigações a Salazar:
  "A Missão entendeu que, atendendo aos compromissos assumidos peho Governador, era impossível retroceder nas posições já ganhas pela China. Deixar o Governador prosseguir parecia, assim, a melhor política, e qualquer atitude que se pretendesse tomar num sentido diferente seria considerada pela China grave afronta, com a inevitável consequência da perda de Macau e o possível cativeiro e vexame da população e autoridades, que, na prática, se encontravam cercadas. Finalmente, a Missão concluiu que a administração em Macau não estava em condições de acompanhar o Governo central numa política de firmeza que acaso se quisesse ainda seguir. Não se duvidou de que o Governador obedeceria às instruções que lhe fossem transmitidas nesse sentido. Mas duvidou-se de que encontrasse ambiente na população e nas Forças Armadas e força moral da parte dos seus colaboradores para poder executar uma política diferente da que estava a seguir."310
  Salazar estava a ouvir atentamente, sem emitir nenhuma opinião favorável. "De vez em quando, Salazar fazia comentários ao arrepio e inconciliáveis com o que eu dizia." Themido recorda que "lembro-me de ele ter sustentado a tese de que, uma vez perdida, a autoridade nunca mais se recupera." De todas as maneiras, Salazar não tirou nenhuma conclusão nem deu instrução alguma, ficou à espera de mais informações que Alexander Ribeiro da Cunha vinha trazer.
  Ribeiro da Cunha voltou a Lisboa em 26. Durante a sua estadia em Macau, ouviu em separado os responsáveis do Exército, da Marinha, da Polícia, da Polícia Judiciária, dos Tribunais, da Procuradoria da República e das Câmaras Municipais. As opiniões dos ouvidos foram unânimes: aceitar os pedidos chineses seria a única solução. Levou consigo um relatório do punho e letra de Pedro Correia de Barros, chefe da missão. É pena que, de momento, se desconheça o paradeiro deste relatório. Segundo a memória de Franco Nogueira, Pedro Correia de Barros insistia que se devia aceitar o documento chinês; de contrário, seria inevitável a perda de Macau.
  "Em síntese: o Governador e a sua gente já se entregaram psicologicamente à China; e agora, ou aceitamos o papel chinês ou é uma questão de tempo a perda de Macau. Uma nova Goa -- sem um tiro. Tratam-nos a pontapé os chineses, e todos em Macau se deixaram possuir por um quase invencível complexo de inferioridade: até já nos haviam chamado estúpidos, sem reacção da nossa parte."311
  O relatório secreto de Ribeiro da Cunha sustenta a mesma posição: "se a China conseguir 'salvar a face' perante os extremistas de Macau a situação se resolve. A autoridade portuguesa ficará afectada, mas a pouco e pouco, com gente hábil, honesta e com bom senso, a autoridade portuguesa poderá recuperar-se." A sua conclusão é: "A manutenção da bandeira nacional em Macau tem necessariamente de ser compatível com o interesse da China e [...] se os documentos forem assinados a bandeira portuguesa continuará a flutuar."312
  Salazar, tendo ouvido os relatos dos membros da missão, mudou drasticamente a sua posição. "Salazar foi nítido e mostrou que da situação fazia agora um juízo realista". Em outros termos, "estava-se perante um facto indisputável: a nossa administração em Macau naufragara e 'dera à costa': e tínhamos agora uma carcaça na praia que era preciso salvar e tentar reparar. Desde as altas autoridades ao último dos soldados -- ninguém daria um tiro. Existiam os sinais exteriores da soberania: a bandeira, a moeda, umas autoridades. Mas os elementos efectivos da soberania haviam-se dissolvido, mais do que em épocas passadas. Não éramos soberanos: sob fiscalização alheia, administramos um condomínio."313
  Finalmente, decidiu-se "deixar o Governador actuar, não insistindo no cumprimento das instruções"314. O Ministro do Ultramar redigiu umtelegrama, em que não se opôs a que o Governador assinasse o Documento de Desculpas, mas dando a entender que esta decisão se devia ao facto consumado que enfrentava o Governo Central, "nestes termos Governo Província ao assinar documentos actua sob a sua exclusiva responsabilidade devendo ao menos procurar obter que texto declaração não seja publicado[...]"315
  Este telegrama chegou às mãos do Governador em 27. No mesmo dia, a Agência Noticiosa Nova China, através da sua sucursal de Hong Kong, fez circular uma notícia que informava "A primeira operação que se iniciou em 25, num protesto sem precedentes contra as autoridades portuguesas de Macau colocou as mesmas autoridades num imenso mar de boicotes promovidos pelos duzentos mil chineses de Macau". No mesmo dia, a Repartição dos Assuntos Exteriores do Comité Popular da Província de Guangdong, com ordem superior, deu a conhecer uma declaração:
  "O chamado Comunicado, emitido em 24 de Janeiro, pelas autoridades portuguesas de Macau não passa duma mentira rematada, o que constitui parte dum grande complot, com que as autoridades portuguesas de Macau tentam fugir das responsabilidades e lavar as mãos do acontecimento. Neste comunicado, as autoridades portuguesas de Macau atribuem a demorada solução da questão a diferendos surgidos na redacção do Documento de Desculpas. O mesmo documento insiste a dizer 'especialmente no que toca ao ponto n° 4 dos pedidos apresentados pela Repartição dos Assuntos Exteriores da Província de Guangdong, relaciona-se com a política externa', precisa de ser 'estudado com cuidado' etc., são flagrantes invenções, contrárias à verdade dos factos. Evidentemente, com isto, as autoridades portuguesas de Macau tentam atirar a culpa duma demorada solução à Repartição dos Assuntos Exteriores do Comité Popular da Província de Guangdong. Que intenção vil!
  Embora as autoridades portuguesas de Macau, já em 12 de Dezembro do ano passado tivessem declarado aceitar as quatro condições apresentadas pelo director da Repartição dos Assuntos Exteriores do Comité Popular da Província de Guangdong, até agora todas as questões abordadas não conheceram nenhuma solução. As autoridades portuguesas de Macau, disso devem assumir toda a responsabilidade. É do conhecimento geral que o 'Massacre de 15 de Novembro' e a 'Tragédia de 3 de Dezembro' são obras dasautoridades portuguesas de Macau, de modo que são crimes perpetrados pelas autoridades portuguesas de Macau contra a comunidade chinesa de Macau. Durante as conversações, as autoridades portuguesas de Macau recusaram-se a reconhecer as suas próprias responsabilidades, atirando os graves crimes de morte a tiro e repressões às forças policiais e militares, numa tentativa de lavarem as mãos deste acontecimento. Vendo frustrada esta ignominiosa tentativa, completamente refutada pelos nossos representantes, lançaram outra maquinação.
  As autoridades portuguesas de Macau tornaram a criar truques no texto em português do acordo. Na versão em chinês, aparentemente reconhecem as suas responsabilidades, mas tentam atenuá-las na versão em português, com o objectivo de se ilibarem das suas responsabilidades criminosas. Durante as negociações, as autoridades portuguesas de Macau nunca deixaram de se servir de enredos criando obstáculos ao processo negocial com argumentos improvisados e atitudes inverosímeis. Chegaram a caluniar a justa luta da comunidade chinesa de Macau contra a opressão, considerando-a como actos 'excessivos', 'motim', etc., o que demonstra completamente a atitude duns bandidos imperialistas. Nas mesmas conversações, alegando a substituição dos seus representantes por membros duma 'delegação' formada por funcionários de Lisboa, tentaram que as negociações fossem interferidas pelos substitutos com um objectivo oculto, mas estes ardis foram completamente abortados.
  Deixamos aqui uma severa advertência para as autoridades portuguesas de Macau: tramas=fracassos, novas tramas=novos fracassos=aniquilação. Eis a lógica com que os imperialistas e todos os reaccionários do Mundo tentam confrontar-se com as causas populares. O povo chinês, armado com o grande pensamento do Presidente Mao Zedong não é humilhável. Caso continuem a manter a vossa atitude hostil ao povo chinês, sairão desonrosamente deste confronto com uma derrota completa. Deverão dar uma resposta imediata às quatro condições propostas pelo director da Repartição dos Assuntos Exteriores do Comité Popular da Província de Guangdong e aos seis pedidos dos representantes da comunidade chinesa de Macau, sem mais versões contraditórias nem mais demoras, caso contrário, estarão sujeitos a todas as consequências disso resultantes."
  Com esta evolução da situação, o seu desfecho está praticamente vista. A única diferença entre ambas as partes, é limar algumas arestas morfológicas e sintácticas, nomeadamente no que diz respeito à correspondência fiel entre as versões em chinês e em português. Na noite do mesmo dia, os 13 representantes populares e o Governador chegaram a um acordo em relação ao texto bilingue do Documento de Desculpas -- Respostas do Governo de Macau ao Protesto que lhe foi apresentado pelos Representantes dos Habitantes Chineses de Macau, ficando combinado que a assinatura do documento se realizaria na tarde de 28 no salão nobre da Associação Comercial de Macau, onde o Governador Nobre de Carvalho o assinaria:
  "O Governo de Macau solenemente declara que decidiu assumir a inteira responsabilidade do incidente sangrento de '15 de Novembro', ocorrido na ilha da Taipa, e dos trágicos acontecimentos de '3 de Dezembro', ocorridos em Macau.
  A fim de impedir que habitantes chineses na Taipa reconstruíssem a sede da sua Escola, o Governo de Macau, em 15 de Novembro de 1966, destacou polícias para reprimir aqueles habitantes de que resultaram feridos e detidos, o que provocou indignação nos habitantes chineses de Macau.
  No dia 3 de Dezembro, quando professores e alunos chineses de Macau se dirigiram ao Palácio do Governo para apresentaren o seu protesto, o Governo de Macau novamente destacou polícias para os reprimir e, em seguida, impôs a lei marcial, reforçou tropas e Polícias armados e, em virtude destes terem recebido ordens para disparar tiros, resultaram mortos e feridos entre os habitantes chineses.
  Nestes incidentes, infortunadamente, ao todo, foram mortas 8 pessoas, ficaram feridas 212 e detidas 62, admitindo o Governo de Macau representarem estes factos sérios crimes dos seus principais causadores.
  Por isso, o Governo de Macau dirige-se agora, respeitosamente às famílias dos mortos e aos feridos, aos que estiveram presos e a todos aqueles que porventura tiverem sofrido quaisquer prejuízos durante estes incidentes, bem como a todos os habitantes chineses de Macau, para admitir as culpas havidas, significar as respectivas escusas e manifestar o seu profundo pesar.
  Tendo decidido aceitar, na totalidade, os seis pedidos apresentados pelos representantes dos habitantes chineses de Macau e executá-los imediatamente, o Governo de Macau já exonerou suces-sivamente das suas funções, por os admitir como causadores destes incidentes e para apuramento das suas responsabilidades, o Comandante Militar Mota Cerveira, o Comandante da Polícia Galvão de Figueiredo, o Segundo Comandante da Polícia Vaz Antunes e o Administrador interino do Concelho das Ilhas Rui de Andrade, aos quais foi ordenada a sua imediata saída de Macau, para regressarem à Metrópole, para aguardar julgamento das instâncias competentes e correspondente punição.
  Igualmente decidiu o Governo de Macau chamar a si a responsabilidade pelo pagamento de todas as despesas do enterro e das cerimónias fúnebres, bem como das compensações às famílias dos mortos; pelo pagamento de todas as despesas de hospitalização e tratamento de feridos e também dos prejuízos inerentes, res-ponsabilizando-se, ainda, pelo pagamento de todos os prejuízos de invalidez dos feridos, pelo pagamento das indemnizações às demais vítimas, por todos os prejuízos derivados destes incidentes.
  O Governo de Macau pagará em dinheiro todas as indemnizações acima referidas, cujo montante é de $2.058.424,00 (patacas), e solicita aos representantes de todos os sectores sociais dos habitantes chineses de Macau a indicação de um organismo para se encarregar da sua distribuição.
  A boliu-se já a lei marcial, foram postos em liberdade todos os indivíduos detidos durante estes incidentes e cancelados os processos que respeitam aos seus registos, devendo também considerar-se anulada, por infundada, a sentença proferida contra um dos habitantes chineses presos durante os incidentes da Taipa e cancelado o seu processo.
  O Governo de Macau já reconheceu a legitimidade da pretensão dos habitantes chineses da Taipa para reconstruir a sede da sua escola, podendo esta obra ser efectuada imediatamente.
  Acrescente-se ainda que foi atendido o protesto do diário 'Ou Mun' referente ao caso da sua reportagem no incidente da Taipa, pelo que se assegura que, de futuro, não se repetirá semelhante ocorrência.
  O Governo de Macau reitera o seu pesar a todos os habitantes chineses de Macau e dá efectivas garantias de segurança das suasvidas e dos seus haveres e de protecção dos seus justos direitos e interesses, para o que, além do mais, reafirma e assevera que, de futuro, não permitirá decididamente que os agentes secretos do Grupo de Tchiang Kai-Chek pratiquem quaisquer actividades em Macau."316
  Segundo a memória de Julieta Nobre de Carvalho, viúva do Governador Nobre de Carvalho, as horas entre a recepção do telegrama de Lisboa e a decisão da assinatura do documento foram os momentos mais difíceis da vida do seu marido: "Sem autorização do Governo de Lisboa, era ele quem tinha de decidir, sozinho. O Futuro de Macau e da soberania portuguesa dependiam apenas dele."317 Até a PIDE, que qualificava as autoridades portuguesas de Macau de incompetentes, reconhecia que o Governador Nobre de Carvalho, ao arcar com estes vexames, "foi vítima do tempo e, as circunstâncias, obrigaram-no a ceder para não perder a província."
  "É de salientar que o Governador foi duma calma extraordinária. Deve ter sofrido muito. Para não perder a Província teve de sofrer todas as humilhações."318
  Em 28, pela manhã, o Governador Nobre de Carvalho comunicou a Lisboa a sua decisão de assinar o acordo. No telegrama, ele não pôde deixar de se queixar às autoridades centrais: "Há grandes erros nos últimos anos que agora se estão pagando com juros." Se Mota Cerveira "é o especial responsável", então não se poderia esquecer de que "há grande responsabilidade por quem o nomeou" 319
  Após a assinatura do Documento de Desculpas na Associação Comercial de Macau, o Governador Nobre de Carvalho mandou, em 29, Mesquita Borges, Chefe de Gabinete do Governador, entregar as Cláusulas do Governo de Macau para Efectivação das Quatro Condições Formuladas na Declaração emitida pelo Director da Repartição dos Assuntos Exteriores da Comissão do Povo da Província de Guangdong, em Gongbei. Este documento, além dos sete artigos do Documento de Desculpas contava com mais duas novas cláusulas proibindo actividades de indivíduos ou organizações pro-nacionalistas.
  Com a assinatura do Documento de Desculpas e a sua entrega, a comunidade chinesa, com uma alegria transbordante, celebrou calorosamente esta vitória. Guardas vermelhos de Zhuhai, Cantão eoutras localidades chinesas fizeram-se eco destas celebrações com outros comícios grandiosos, a dar os parabéns aos compatriotas de Macau pela grande vitória conseguida numa luta patriótica -- luta anti-imperialista. Na celebração, promovida pelos compatriotas de Macau pela grande vitória conseguida na luta contra a opressão, que teve lugar em 3 de Fevereiro, foi unanimemente aprovado um Telegrama de Cumprimentos ao Presidente Mao, em que se relatam extensamente os últimos acontecimentos de Macau:
  "Neste momento em que a nossa M~æ-Pátria está a entrar numa nova fase da Grande Revolução Cultural Proletária, e os compatriotas de Macau conhecem um novo auge de estudos das obras do Presidente Mao, os imperialistas portugueses de Macau tiveram a coragem de assumir o papel de 'ponta de lança' do coro anti-chinês organizado pelo imperialismo norte-americano e pelo revisionismo soviético e arriscaram-se a levantar uma ventania 'Anti-China' na Porta do Sul da nossa grande Pátria, numa tentativa de experimentar a capacidade de resposta do povo chinês e interferir na nossa Grande Revolução Cultural Proletária. Perante esta situação, nos, os compatriotas chineses de Macau, temos uma resposta: um Não determinante. Por conseguinte, unimo-nos numa luta de vida ou morte, em defesa dos legítimos direitos dos compatriotas de Macau, em defesa da dignidade da nossa Pátria socialista e em defesa da Grande Revolução Cultural Proletária em curso. Nesta séria luta de classes, de carácter internacional, contando com a orientação do Presidente Mao, grande timoneiro da Revolução Mundial, somos intrépidos e podemos com toda a espécie de diabos e demónios, seja donde forem, seja como vierem. Seremos capazes de derrubá-los no chão, mantendo-os pisados com os nossos pés."
  Nos dias seguintes, tiveram lugar muitas celebrações, em que se mostrava a disposição de aprender com os guardas vermelhos e de ser fiéis seguidores do Presidente Mao.
  O movimento da Grande Revolução Cultural Proletária, como ondas a percorrer todo o continente chinês, estava na véspera duma nova fase, a de desautorizar toda a hierarquia chinesa. Com as cedências das autoridades portuguesas de Macau, os conflitos entre essas mesmo autoridades e a comunidade chinesa de Macau, de certa forma mesmo traduzidos em confrontos entre a nação portuguesa e a chinesa, vinham a conhecer distensões e os boicotes iam desaparecendo. Segundo umrelatório secreto da PIDE, o Governador foi vítima do tempo e obrigado a ceder para não perder a província. Mas "os portugueses de Macau estavam mentalizados para crer que os chineses de Pequim precisavam daquela 'porta aberta' para o Mundo Ocidental e não acreditavam no que sucedeu, esquecendo-se de que se tratava de comunistas e que, estes, embora reconhecessem interesse económico para o seu país, ideologicamente, nunca podiam permitir uma coexistência política com os 'imperialistas' ocidentais e muito menos permitir o que eles julgavam humilhações dum país que eles apodam de colonialista. Não. Contradiziam-se política e internacionalmente. Alguns portugueses, ainda agora, não compreendem a causa dos incidentes".320
  Em 25 de Fevereiro de 1968, a PIDE informou outra vez o Gabinete do Presidente do Conselho da situação de Macau:
  "A vida na cidade vai pouco a pouco voltando à normalidade e o comércio já está melhor, se bem que ainda longe do nível anterior às perturbações políticas. Não se crê que isto regresse à normalidade total, por falta de confiança nas nossas autoridades em controlarem a cidade.
  Por causa do tal 'acordo', as nossas autoridades nada fazem contra os chineses, os quais só obedecem às ordens emanadas da Associação Comercial Chinesa, que é actualmente o porta voz dos comunistas, fazendo tudo menos comércio.
  As nossas autoridades nada fazem contra os contraventores da Lei quando estes são chineses, os quais até nem pagam as contribuições ao Estado. Como este não os obriga, saindo apenas editais prorrogando as datas de pagamento, só pagam os que querem. As ruas estão imundas com as sujidades deixadas pelos vendedores ambulantes de vegetais, os quais encontram-se espalhados por toda a cidade, incluindo as artérias principais, impedindo o trânsito e as entradas dos estabelecimentos comerciais. Estes bem reclamam mas, como os transgressores são chineses, as nossas autoridades aconselham aqueles a apresentarem as suas queixas à Associação. Os vendilhões, porém, não obedecem às ordens da Associação porque, como dizem, 'são chineses como nós'. Daí o estado caótico e repugnante da cidade. [...]
  Os chineses tantas farão que um dia ver-se-ão obrigados a regressar ao princípio, isto é, a obedecer às nossas autoridades.Enquanto não restaurarem a força às nossas autoridades, não haverá lei nem ordem na cidade, cada um faz o que quer."321
  Segundo o mesmo relatório da PIDE, durante o "Incidente Um Dois Três", "todas as repartições se mantiveram fechadas, não só pelo estado de emergência como também por não haver funcionários suficientes para nelas trabalharem, visto 90% dos mesmos terem sido incorporados como ‘voluntários' na defesa da cidade. Toda a máquina administrativa esteve parada por falta de funcionários."322 Passado algum tempo, o aparelho administrativo voltou ao seu funcionamento normal.
  Sem dúvida que, perante estas sombras da história recente de Macau, não deixaria de ser prematuro proceder-se a uma avaliação do "Incidente Um Dois Três". Os diferentes círculos macaenses, sobretudo as comunidades chinesa e portuguesa locais divergem bastante em relação ao "Incidente Um Dois Três". Existem até opiniões diametralmente opostas. No entanto, mediante uma preliminar análise, baseada em fontes, a que se tem acesso actualmente, pode-se afirmar que o principal motivo do "Incidente Um Dois Três" teria sido a insatisfação da comunidade chinesa, que se vinha acumulando desde há muito, transformada em contradições entre as comunidades chinesa e portuguesa. O incidente de "15 de Novembro" na Taipa serviu de detonador para a explosão destas agudas contradições irreconciliáveis. Os assaltos populares contra o Palácio do Governo e o Leal Senado, a destruição de estátuas portuguesas e de carros policiais, verificados em 3 de Dezembro, foram o resultado de escapes da ira popular. É inegável a influência da atmosfera geral da Grande Revolução Cultural Proletária da China neste processo, mas é preciso dizer que esta influência só se exerceu no meio e no fim do acontecido. A intervenção oficial chinesa limitou-se a condenações verbais e a uma participação do governo local de Guangdong, o que era a tradicional política chinesa para com Macau, desde as dinastias Ming (1368-1644) e Qing (1644-1911).
  Com efeito, o "Incidente Um Dois Três" causou influências negativas na sociedade macaense, que se traduziram na paralisação da máquina administrativa e judicial, recessão económica, instabilidade social e desmoralização. Mas tudo isto foram consequências inevitáveis de movimentos populares de grande envergadura, que se caracterizam por certa irracionalidade, excesso e extremismo. As autoridadesportuguesas de Macau tiraram, destes confrontos, lições profundas e dolorosas, o que as levou a reformular políticas da sua administração, que se revelavam hirtas e antiquadas, criando deste modo condições mínimas para a estabilidade política e social a longo prazo, o progresso económico e o aumento do nível de vida da população, o entendimento entre as duas comunidades e o melhoramento racional do sistema jurídico. A partir dos anos 70, quando a economia de Macau conheceu um boom económico, a sociedade macaense iniciou a sua jornada para a modernização.

   1 Jorge Noronha e Silveira, ob.cit., p. 17.
   2 Jorge Noronha e Silveira, ob.cit., p. 35.
   3 Jorge Noronha e Silveira, ob.cit., p. 27.
   4 Cf. Alfredo Gomes Dias, As negociações de 1843/44, in Macau, Fevereiro de 1995, Gabinete da Comunicação Social do Governo de Macau, pp. 36-42. Cf. o texto dos 9 pontos à p. 37. Cf. também Colecção de Fontes Documentais para a História das Relações entre Portugal e a China, Vol.I, pp. 63-65.
   5 Sobre os pormenores das negociações de Cantão, cf. António Vasconcelos de Saldanha, Estudos sobre as Relações Luso-Chinesas, pp. 114-131.
   6 Cf. Wen Qing, A História dos Negócios Estrangeiros (Reinado de Daoguang), Taipei, Edição da Editora Wenhai, 1966, Vol. 70, pp. 5812-5815. O Memorial ao Trono apresentado por Qi Yin entre outros sobre a conclusão do Tratado com Portugal resume a resposta em 7 pontos, mas a versão portuguesa possui 9 pontos. O 9.° ponto tem esta redacção: "Quanto ao nono artigo, como os Negocios Portuguezes hão sido sempre tratados pelo Procurador (do Senado), devem, como athe agora continuar a ser da mesma sorte tratados pelo dito Procurador e Governador Portugues conjunctamente, a fim de que sejão os unicos responsaveis." cf. também Colecção de Fontes Documentais para a História das Relações entre Portugal e a China, Vol. I, pp. 201-203.
   7 Colecção de Fontes Documentais para a História das Relações entre Portugal e a China, Vol. I, p. 66.
   8 Colecção de Fontes Documentais para a História das Relações entre Portugal e a china, Vol. I, pp. 68-69.
   9 Idem, pp. 108-109.
   10 Idem, p. 203.
   11 Para os pormenores da estadia de Qi Yin em Macau, cf. António Vasconcelos de Saldanha, Estudos sobre as Relações Luso-chinesas, pp. 131-161.
   12 A História dos Negócios Estrangeiros (Reinado de Daoguang), Vol. 72, p. 5947.
   13 Alfredo Gomes Dias, As Negociações de 1843/44, p. 42.
   14 Entende-se como Europa.
   15 Nome pr'e-português de Macau.
   16 A História dos Negócios Estrangeiros (Reinado de Daoguang),Vol. 72, pp. 6002-6005.
   17 Ver o decreto todo no Apêndice IV.
   18 Cf. António Viana, Documentos para a História Contemporânea, José da Silva Carvalho e o seu tempo, Lisboa, Imprensa Nacional, 1894, Vol. II, pp. 442-443.
   19 Para os pormenores, cf. António Vasconcelos de Saldanha, Estudos sobre as Relações Luso-Chinesas, pp. 161-168. O Ministro do Reino no mesmo Conselho assinala: "que a pressa com que o paquete partia não dava lugar a esperas [...]" No entender de António Vasconcelos de Saldanha, "As medidas tomadas em Novembro parecem-nos, assim, precipitadas, impulsivas, como se o Governo se tivesse apercebido subitamente do engano em que laborara na China [...]" No entanto, em Fevereiro do ano seguinte, quando o Ministro Falcão defendia esta política disse: "[...] o Governo, lançando mão da única medida que no entender de todas as pessoas conhecedoras dos interesses daquele estabelecimento era capaz de o levantar das embarcações nos portos da cidade de Macau; medida que tem por fim dar vida nova àquele estabelecimento, e, ao mesmo tempo, animar as suas relações com os outros portos da monarquia pela justa atenção que houve aos interesses do comércio nacional [...]"
   20 Arquivo Histórico Ultramarino, Livro 3 ° de Correspondência Expedida para Macau, pp. 81-82.
   21 Cf. Boletim do Governo, de 22 de Outubro de 1846.
   22 Exposição do Senado ao MU, de 27. 2.1847, in Boletim do Governo, de 11.1.1848.
   23 Oficio do Bispo de Macau ao MU, de 24.9.1847, in AHU, 2a Secção, Macau, Caixa de 1847, capilha "Ofícios do Bispo".
   24 Cf. o ofício do Governador ao MU, de 19.6.1846, in AHU, Macau, 2a Secção, Caixa de 1846.
   25 Ji Tai.
   26 Citado no ofício do Governador ao MU, de 25.9.1847, in AHU, Macau, 2a Secção, Caixa de 1846.
   27 Ofício do Governador ao MU, de 25.9.1847, in AHU, Macau, 2a Secção, Caixa de 1846.
   28 Cf. António Vasconcelos de Saldanha, Estudos sobre as Relações Luso-Chinesas, pp. 208, 209 e 210.
   29 Ofício do Governador ao MU, de 27.3.1848, in AHU, Macau, 2a Secção, Caixa de 1848.
   30 Ofício do Governador ao MU (26 de Janeiro de 1845), in Colecção de Fontes Documentais para a História das Relações entre Portugal e a China, Vol. I, doc. 92.
   31 Guo Chaofan, cf. A Crónica do Distrito de Xiangshan, edição de 1873, Vol. IX, p. 26v.
   32 Chapa anexa ao of'icio do Governador ao MU, de 24 de Março de 1847, in AHU, 2a Secção,
   33 Idem, ibidem.
   34 Portaria n.°o519 de 21.7.47 do MU ao Governador in AHU, Livro 3°o de Correspondência Expedida para Macau, p. 141.
   35 Cf. Boletim do Governo, de 15 de Maio de 1848.
   36 Lu Sunding.
   37 Edital de 27.4.1847, in Memorandum sobre a questão de Macau. Documentos, Edição Reservada da Direcção dos Serviços Diplomáticos, Geográficos e de Marinha, do Ministério das Colónias, Lisboa, Imprensa Nacional, 1921, p. 62.
   38 Idem, p. 65.
   39 "[...] Quanto à bandeira que se pretende arvorar na parte ocidental da Taipa, segundo reza na sua carta, tendo eu ordenado ao Mandarim da Casa Branca que, conjuntamente com os Mandarins Civis e Militares de Xianshan examinasse e desse parte, representaram-me os da Comissão dizendo que a Taipa era situada nos mares de Tamchai, distante de Macau mais de dez liz (pouco menos de uma légua marinha) e que não estava debaixo da alçada dos portugueses, e que arvorar a bandeira no dito sítio era inteiramente contrario aos antigos estatutos. Depois disto os mercadores chinas daquele lugar ajuntaram-se e fizeram a sua representação dizendo que era bastante inconvenènte aos negociantes e povo arvorar a bandeira aí e quando assim acontecesse que seria ocasião de desordens, etc. O Administrador do Hopu de Macau também representou que mais de três séculos se passaram sem se arvorar a Bandeira Portuguesa na parte Ocidental da Taipa e se o fizessem agora, não só causara receios nos Negociantes e Povo, mas até grande estorvo nos Direitos da Alfândega Chinesa [...] O arvorar a bandeira no sítio da Taipa, uma vez que é contrário aos regulamentos estabelecidos e serve de estorvo aos direitos do Hopu, indo ao mesmo tempo contra a vontade do povo, por mais que pense nisto, acho que não é possível verificar-se [...]" (Cf. carta do Comissário Qi Ying ao Governador, de Janeiro (?) de 1845, in Colecção de Fontes Documentais para a História das Relações entre Portugal e a China, Vol. I, doc. 94.)
   Portanto, numa recepção que Qi Ying ofereceu a Gregório Pegado aquando da sua visita a Cantão, este "encetou a questão capital com o vice-rei, e lhe fez vêr a conveniencia de ser a Taipa definitivamente occupada pelos portugueses, Ki-ying disse-lhe: 'Um funccionario chines não pode ceder nem um palmo de território do seu paiz; mas V. Ex.a é um homem tão delicado, sabe tão bem viver com gente elevada, é t~ao polido nas suas maneiras e eu sympathiso tanto consigo [...] que cousa alguma lhe posso recusar! Brevemente sahirei de Cantão e recommendarei confidencialmente ao vice-rei dos dois Kuangs que feche os olhos ao estabelecimento dos portugueses na Taipa... ' Tempos depois, estabelecia-se na Taipa os fundamentos da casa forte que Amaral havia de occupar definitivamente com a construcção da fortaleza". (Cf. Ta-Ssi-
   40 Ofício do Governador ao MU, de 22.6.1847, in AHU, 2a Secção, Macau, Caixa de 1847.
   41 Chapa de Qi Ying ao Governador, de 13.8.1847, anexa ao ofíccio do Governador ao MU, de 23.8.1847, in AHU, 2a Secção, Macau, Caixa de 1847.
   42 Ofício do Governador ao MU, de 25.1.1849, in AHU, Macau, 2a Secção, Caixa de 1849.
   43 A.F. Marques Pereira, As Alfândegas Chinesas de Macau, Macau, Typographia de J. da Silva, 1870, p. 61.
   44 Arthur W. Hummel, ob.cit.,Vol. I, pp. 319-320.
   45 Ofício do Governador ao Vice-Rei, de 16.2.1849, anexo ao ofício do Governador ao MU, de 23.2.1849, in AHU, Macau, 2a Secção, Caixa de 1849.
   46 Chapa do Vice-Rei ao Governador, de 25.2.1849, anexa ao ofício do Governador ao MU, de 27.3.1849, in AHU, Macau, 2a Secção, Caixa de 1849.
   47 Cf. Boletim do Governo, de 20 de Março de 1849.
   48 Ofício do Governador ao Vice-Rei, de 1.5.1849, anexo ao oficio do Governador ao MU, de 20 de Abril de 1849, in AHU, 2a Secção, Macau, Caixa de 1849.
   49 A História dos Negócios Estrangeiros (Reinado de Daoguang), Vol. 80, pp. 6722-6724. Tradução Portuguesa transcrita da Colecção de Fontes Documentais para a História das Relações entre Portugal e a China, Vol. II, 1997, pp. 200-202.
   50 H.B. Morse, The International Relations of the Chinese Empire, Vol. I, The Period of Conflict, 1834-1860, Shanghai, Hong Kong, Singapore & Yokohama, Kelly and Walsh Limited, 1910, pp. 339-340.
   51 A História dos Negócios Estrangeiros (Reinado de Daoguang), Vol. 80, p. 6752-6754.
   52 "Em 13 de Março Amaral ordenou ao 1°o intérprete da colónia, João Rodrigues Gonçalves, que procedesse à definitiva e solene expulsão da alfãndega chinesa. O dito funcionário dirigiu-se ao Hopu com uma guarda de quatro homens e intimou a ordem que levava aos chins que ali encontrou, os quais embrulharam a roupa e abalaram sem resistência. Feito isto participou ao Governador que o edifício estava abandonado mas que restavam em frente dele um mastro com bandeiras, tabuletas e outras insígnias de autoridade chinesa [...] Amaral respondeu por escrito: 'Deite abaixo!' A cena cresceu então em solenidade e interesse. A multidão de chins apinhados à beira do expirante Hopu era de centenares e alguns cristãos se achavam aí também; mas esta concorrência toda estava calada e quieta como se não fôra viva. Dois ou três negros da extinta alfândega portuguesa atacavam a machado a base do grande mastro que durante cento e sessenta anos vexara a independência da colónia de Macau. Os golpes soavam claros, ásperos e fortes, como se os rodeara o silêncio de alta noite. Despedido o último, hesitou o madeiro instantes e deixou-se por fim cair para o lado dos chins, que se desviaram respeitosos e logo depois, e sempre calados, debandaram. Este silêncio (diz o Sr. João Rodrigues Gonçalves numa carta em que me refere o acto) foi apenas quebrado por um cristão, de quem me não lembra o nome, e que disse: 'acabou Macau!" (A.F. Marques Pereira, As Alfândegas Chinesas de Macau, pp. 63.-64.)
   53 Montalto de Jesus, ob.cit., p. 223.
   54 António Vasconcelos de Saldanha fez, nos seus Estudos sobre as Relações Luso-Chinesas, pp. 259-289, uma reconstituição muito pormenorizada e exaustiva do assassínio de Ferreira do Amaral e o evoluir da situação, fazendo uma dedução audaciosa em relação a um possível envolvimento no caso tanto das autoridades de Cantão como dos portugueses de Macau. Era bem conhecido de todos o ódio que os chineses alimentavam por Ferreira do Amaral. De vez em quando, na cidade de Cantão apareciam notícias de algumas sociedades secretas porem a prémio a cabeça de Ferreira do Amaral. Em relação a isto, nas instruções dadas ao sucessor do assassinado, o Governador Alexandrino da Cunha, o Governo de Lisboa assinala: "na suspeita de que aquele crime não perpetrado sem conhecimento de algumas das autoridades chinesas, se não é que por elas foi surdamente promovido." No entanto, nos ofícios que Xu Guangjing dirigiu às autoridades de Hong Kong e Macau, insinuava uma possível ligação da comunidade portuguesa local que auxiliou Sheng Zhiliang no assassínio de Ferreira do Amaral. No ofício datado de 23 de Setembro de 1849, que Sinibaldo de Mas y Sans, Ministro de Espanha em Macau, dirigiu a Madrid, temos a cópia duma carta de Xu Guangjing a Sir Samuel George Bonham:
   "[...] Yo, el Alto Empleado, he oido decir hace mucho tiempo que el Gobemador Amaral era muy violento, que la gente de su propria nacion estaba toda disgustada de él y deseaba que le aconteciese una cosa semejante. Como los chinos y los estranjeros tenian cada uno sus jefes respectivos, yo, el, Virrey, nunca quise intervenir en esto. Lo que sucedi'o en la 4a luna (junio) durante una procesión, cuando él mandó prender a un subdito de la naci'on de V. Exa y ponerle en la carcel, lo cual obligó a los comerciantes chinos que se hallaban en Macao, receosos de algun compromiso, a trasladarse todos a Wampu con el fin de verse libres de desordenes, es una pruebade ello. Adernas, si los asesinos eran gente que habia venido de fuera, como podrian ellos saber de antemano que el Gohemador Amaral habia de salir en aquel dia acaballo? Talvez los mismos portugueses hayan ocultamente puesto los medios de cometer semejante atentado a fin de desahogar su colera, tanto mas cuanto que el cortarle la cabeza y la mano despues de haberle asessinado parece ser una venganza que querian tomar de él por algun odio antiguo, siendo esta una circunstancia que confirma las sospechas ".
   Em 28 de Setembro, no ofício dirigido ao Conselho de Governo de Macau, o Vice-Rei dos dois Guangs disse que:
   "[...] o Nobre Governador, como em vida foi de génio assaz cruel, quem sabe se os da sua própria nação que lhe tinham aversão aliciassem gente para lhe fazer este mal a fim de satisfazer o seu ódio! Do dizer que em Cantão tem havido pasquins e proclamações e que as Autoridades Chinesas deviam sabê-lo segue-se então que este assassínio fosse obra das Autoridades? De mais é preciso que prendam os assassinos para se saber onde estão a cabeça e m~ao; sem isso, donde é que lhas poderei entregar? É, portanto, fora de toda a razão o que no ofício vem exposto. A lei sobre o assassínio está clara: é necessário que asindagações se façam, tanto por um como por outro lado para se vir no verdadeiro conhecimento do facto, a fim de poder julgar e sentenciar. A vida de um homem é devida aos Céus, não se deve portanto lançar confusamente juízo neste ou naquele [...]"
   O Ministro de Espanha em Macau referiu ainda no referido ofício que "lo Chinos, que solo tolerahan las medidas de este por temor á sus aliados los ingleses, desde el momento en que creyeron esta alianza rota, no dudaron en hacer frente a los portugueses y vengar los agravios que del Gobemador habian recibido, pues por tales tenian sus actos [...]"
   No entanto, depois do assassínio de Ferreira do Amaral, o mundo ocidental ficou chocado, apercebendo-se da grande inconveniência da perda de Macau para o domínio total da China. Disso, podemos ver num ofício que Sinibaldo de Mas y Sans dirigiu ao Governo de Espanha:
   "Macao y Hong Kong son los unicos puertos europeos que ay en China y el primero es superior al segundo en todo, exceptuando el puerto. Es, por consiguiente, muy importante que se conserve en poder de los cristianos, pues en un país inhopitalario como éste, en donde se nos niega la entrada y que trata con igual menosprecio a todos los extrajeros, en que punto nos refugiaremos en caso de una persecución, de una insurrección y aún de una guerra con los Ingleses o con otra nación? Es verdad que quedaria el recurso de Hong Kong, pero, además de otros inconvenientes, podría haber el de hallarse uno mal con los que gobieman en aquella isla. As'i, por ejemplo, si nosostros, los Españoles, tuviéramos que salir de Cantón, y demás puertos de China (lo cual acontecer'ia de ocurrir una guerra con qualquier pueblo extranjero) y no pudiésemos tampoco permanecer en Macao, por pertenecer a los Chinos, como haríamos si no nos fuese dado permanecer en Macao acogemos a Hong Kong por estar mal con los Ingleses, cosa que, por otra parte, ocurrió no hace mucho cuando el negocio Bulwer? En dónde se albergar'ia la procurador'ia de nuestras misiones en China, Cochichina y Tunkin? En dónde colocaríamos el depósito de carbón para nuestros vapores? Por estos motivos todos, todos los extranjeros que en China residen son unánimes en la opinión de que ninguna manera debemos permitir que este Establecimiento caiga en poder de los Chinos [...]"
   Para Portugal, o assassínio de Ferreira do Amaral e a consequente agressão armada à Passaleão, serve-se de "pretexto excelente para aplicação de um dos mecanismos tradicionais da lei da guerra, cujos termos permitiam assim, por uma acção de conquista manu militari, transmutar uma autonomia de facto numa independência de jure", como analisa António Vasconcelos de Saldanha (Cf.ob.cit., p. 272), que cita A.F. Marques Ferreira:
   "estes factos só por si bastariam para firmar a colónia de Macau no mais evidente e incontrastável direito de absoluta independência portuguesa. Se de títulos carecessemos para justificar a nossa soberania, o assassinato de Amaral, ordenado e protegido pelas autoridades chinesas, e a gloriosa tomada de Passaleão, dar-no-los-iam tão valiosos como os mais valiosos de quantas soberanias podem existir" (As Alfândegas Chinesas de Macau, p. 28).
   55 A História dos Negócios Estrangeiros (Reinado de Daoguang), p. 6757.
   56 Alfredo Dias Gomes, A Diplomacia ou a Guerra, in Macau, Maio de 1995, p. 24.
   57 H.B. Morse, The International Relations of the Chinese Empire, Vol. I, p. 339.
   58 Cf. Jorge Noronha e Silveira, ob.cit., p. 29.
   59 Ofício do Bispo ao Governador das Filipinas, de 1.8.1850, anexo a oficio de Mas, de 15.8.1850 in AGMAE, Legación China, H 1445, of.n°o 230.
   60 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), Livro 3° de Correspondência Expedida para Macau, pp. 202-205v.
   61 J. M Braga, Servidores de Portugal no Oriente Os Capit~æs-Geraisé os Governadores de Macau, in Renascimento, Vol. IV, Agosto de 1944, n°2, p. 186.
   62 Portaria do MU ao Governador, de 20.12.1850, in AHU, Livro 3° de Correspondência Expedida para Macau, n.°o 832, pp. 263-263v.
   63 Ofício de 26 de Janeiro de 1852, do Bispo ao MU, in AH-U, 2a Seccção, Macau, Caixa de 1852/1853.
   64 Um testemunho de Carlos José Caldeira confirma: "Desde então cessou a grande concorrência de embarcações chinas, os nossos navios deixaram de ser fretados, como o eram quase sempre pelos hãos; várias casas e godões fìcaram por alugar, e, com o concurso de outras causas, as fortunas foram-se reduzindo e a miséria progressiva aumentando até ao ponto assustador em que hoje se acha." (Cf. António Vasconcelos de Saldanha, Estudos sobre as Relações Luso-Chinesas, p. 223).
   65 Cf. Jorge Noronha e Silveira, ob.cit., p.29.
   66 J. M Braga, Servidores de Portugal no Oriente Os Capit~æs-Gerais e os Governadores de Macau, in Renascimento, Vol. IV, Agosto de 1944, n°2, p. 186.
   67 Ofício n.°63 de 21 de Maio de 1852, do Governador ao MU, in AHU, 2a Secção, Macau, Caixa de 1852/1853.
   68 Ofício n.°92, de 26 de Setembro de 1852, do Governador ao MU, in AHU, 2a Secção, Macau, Caixa de 1852/1853.
   69 Ofícios do Governador ao MU n.°116 de 25 de Janeiro de 1853, in AHU, 2a Secção, Macau, Caixa de 1852-1853.
   70 Para os pormenores deste processo, cf. Lourenço Maria da Conceição, Macau entre Dois Tratados com a China, ICM, 1988, pp. 13-17.
   71 Cf. Mary Clabaugh Wright, The Last Stand of Chinese Conservantism. The Tung-chih Restoration, 1862-1874, 2a edição, Stanford University, 1962, p. 232.
   72 Para informações sobre os titulares e principais membros deste Super-ministério, cf. Anuário de Diplomatas Chineses e Estrangeiros na Dinastia Qing, Beijing, Livraria China, 1985, pp. 209-223.
   73 Cf. Bao Jun e outros, História dos Negócios Estrangeiros (Reinado de Tongzhi), Beijing, Museu do Palácio Imperial, 1930, Vol. 58, p. 5405.
   74 História dos Negócios Estrangeiros (Reinado de Tongzhi), Vol. 58, p. 5405. Tradução transcrita na Colecção de Fontes Documentais para a História das Relações entre Portugal e a China, Vol. II, pp. 321-323.
   75 Cf. Zhao Erxun, ob.cit., pp. 6932, 6935-6936, 6938-6939.
   76 Cf. Macau entre Dois Tratados com a China, p. 26.
   77 Cf. Colecção de Fontes Documentais para a História das Relações entre Portugal e a China, Vol. II, p. 267.
   78 J. M Braga, Servidores de Portugal no Oriente Os Capit~æs-Gerais e os Governadores de Macau, in Renascimento, Vol. IV, Agosto de 1944, n° 2, p. 186.
   79 Cf. Zhao Erxun, ob.cit., pp. 6936, 7397, 7855-7856 e 7859.
   80 Cf. Zhao Erxun, ob.cit., (largamente regferenciado), maxime, pp. 12476-12477.
   81 História dos Negócios Estrangeiros (Reinado de Tongzhi), Vol. 25, p. 2545.
   82 Idem, ibidem.
   83 Ofício do Visconde de Moura, Ministro em S. Petersburgo, ao MNE, de 4.10.1866, in AMNE, Legação de Portugal na China, Caixa 950, Pasta Macau.
   84 J. M Braga, Servidores de Portugal no Oriente Os Capit~æs-Gerais e os Governadores de Macau, in Renascimento, Vol. IV, Agosto de 1944, n° 2, p. 187.
   85 Ofício de Ponte e Horta ao MNE, de 13.8.1866, in AMNE, Legação de Portugal na China,
   86 António Vasconcelos de Saldanha, Estudos sohre as Relações Luso-Chinesas, pp.478-479.
   87 Ofício de Ponte e Horta ao MNE, de 13.8.1866, in AMNE, Legação de Portugal na China, Caixa 950, Pasta 1866.
   88 Ofício de Ponte e Horta ao MNE, de 9.5.1867, in L.B. pp. 54-55.
   89 História dos Negócios Estrangeiros (Reinado de Tongzhi), Vol. 58, pp. 5405-5407.
   90 História dos Negócios Estrangeiros (Reinado de Tongzhi), Vol. 59, p. 5444.
   91 História dos Negócios Estrangeiros (Reinado de Tongzhi), Vol. 58, p. 5409.
   92 Idem, ibidem.
   93 Idem, ibidem.
   94 História dos Negócios Estrangeiros (Reinado de Tongzhi), Vol. 70, pp. 6463-6464.
   95 Livro Branco de 1888. Negociações coma China, Lisboa, Imprensa Nacional, 1888, Vol. I, p. 64.
   96 Arquivo Especial de Macau, Vol. III, p. 211.
   97 Documentos Diplomáticos da Dinastia Qing Tardia, Shanghai, Editora Clássicos, 1982, edição facssimilada, Vol. 68, p. 15.
   98 Cf. Ta-Ssi-Yang-Kuo, Vol.I/II, p.640. No Livro Branco de 1888. Negociações coma China, negou a existência de qualquer iniciativa da França neste sentido.
   99 Documentos Diplomáticos da Dinastia Qing Tardia, Vol. 71, p. 11.
   100 Huang Peikung, Contributos para os conflitos fronteiriços de Macau, Biblioteca de Cantão, 1931, pp. 91-92.
   101 Chen Xiafei and Han Rongfang (Chief-editors), Archives of China's Imperial Maritime Customs--Confidential Correspondence Between Robert Hart and James Duncan Campbell (1874-1907), Beijing, Foreign Language Press, 1992, Vol. II, p. 354.
   102 Idem. Ibidem.
   103 Idem, p. 363.
   104 Idem, p. 373.
   105 Idem, p. 377
   106 Idem, p. 385.
   107 Idem. pp. 397-398.
   108 Cf. Lourenço Maria da Conceição, ob.cit., p. 142.
   109 Archives of China Imperial Maritime Customs, Vol. II, p. 412.
   110 Idem. p. 418.
   111 Idem. p. 419.
   112 Idem. p. 423.
   113 Idem, p. 418.
   114 Documentos Diplomáticos da Dinastia Qing Tardia, Vol. 71, pp. 14-16.
   115 Livro Branco de 1888. Negociações coma China, Vol. II, p. 63.
   116 Lourenço Maria da Conceição, ob.cit., p. 147.
   117 Cf. Zhao Erxun, ob.cit., (largamente referenciado), maxime, pp.   12551-12553.
   118 Documentos Diplomáticos da Dinastia Qing Tardia, Vol. 73, p.   18.
   119 Lourenço Maria da Conceição, ob.cit., p. 149.
   120 Arquivo Especial de Macau, Vol. I, p. 222.
   121 Arquivo Especial de Macau,, Vol. I, p. 310.
   122 Arquivo Especial de Macau, Vol. I, pp. 350-351.
   123 António Vasconcelos de Saldanha, Aproximar a China e Portugal num entendimento amistoso, pp. 376-378.
   124 O Macaense, n° 81 de 18.7.1891, cit. P. Manuel Teixeira, Galeria de Macaenses Ilustres do Século XIX, Macau, Imprensa Nacional, 1942, p. 417.
   125 Li-nan-ji-pao, n° 138 de 22.7.1891, anexo ao ofício do Governador de Macau ao MNE de 15.8.1891, in AMNE, Legação de Portugal na China, cx.951, pasta de 1891.O texto em chinês está por ser localizado.
   126 De acordo com H.B. Morse, Robert Hart "[...] had won much credit among Chinese and Manchu statesmen for his share in negotiating the Alcock treaty of 1869 and the Wade convention of 1876; this credit had been greatly increased by his diplomatic action in ending the trouble with France in 1885, and by his arrangement with Hongkong in 1886. Now, however, he had required China to pay a humiliating price for a mere commercial advantage; and the Chinese among the statesmen of the empire never forgave him for the alienation of Macao." (Cf. The International Relations of the Chinese Empire, Vol. II, p. 388).
   De facto, em 1927, Wang Zhengting, Ministro da China em Portugal, num ofício dirigido a Qian Tai, Director do Departamento dos Tratados Internacionais do MNE, em relação à renovação do Tratado, afrima:
   "No 13 ano do Reinado de Guangxu, foi o Inspector Geral Sir Robert Hart quem mandou o Inspector Alfandegário James Ducan Campbell para Lisboa, capital de Portugal. Este último tomou a liberdade de assinar um protocolo de 4 artigos com o Ministro do MNE de Portugal, pelo que Macau foi cedida a Portugal. Analisando bem os bastidores, tudo foi instigado pelos ingleses. No nosso país, desde a Dinastia Qing, nunca houve a diplomacia propriamente dita. Tudo foi manipulado pelo Inspector Geral. Esta situação continua até agora, em que temos muitos tratados desiguais, que não podem deixar de ser umas vergonhas para a China." (Cf. Arquivo Especial de Macau, Vol. IV, p. 533).
   Pelos vistos, o papel que Sir Robert Hart desempenhou na conclusão do Tratado de 1887 não foi agradável a todos. No entanto, J.F.Marques Pereira, historiador e comentador político de Macau, não tem a mesma opinião. No seu entender, Sir Robert Hart e James Ducan Campbell foram muito hábeis nas negociações. Eram duas aranhas enquanto Tomás de Sousa Rosa e Barros Gomes eram "duas verdadeiras moscas, que foram papadas pelas aranhas." (Cf. Ta-Ssi-Yang-Kuo, Vols. I e II, p. 647).
   127 Archives of China's Imperial Maritime Customs, Vol. II, p. 568.
   128 Archives of China's Imperial Maritime Customs, Vol. II, p. 782.
   129 Archives of China's Imperial Maritime Customs, Vol. III, p. 1276.
   130 Archives of China's Imperial Maritime Customs, Vol. II, pp. 811-812.
   131 Diário da Câmara dos Dignos Pares do Reino, Sessão n° 23 de 26 de Junho de 1891, p. 6.
   132 Archives of China's Imperial Maritime Customs, Vol. II, p. 815.
   133 Archives of China's Imperial Maritime Customs, Vol. II, p. 820.
   134 Archives of China's Imperial Maritime Customs, Vol. III, p. 929.
   135 Álvaro de Melo Machado, Coisas de Macau, Lisboa, Livraria Ferreira, 1913, p. 49. Esta obra mereceu recentemente uma edição facssimilada feita pela Kazumbi-Editora Multimédia, Macau, 1997.
   136 Documentos Diplomáticos da Dinastia Qing Tardia, Vol. 73, p. 6.
   137 Documentos Diplomáticos da Dinastia Qing Tardia, Vol. 73, p. 9.
   138 Arquivo Especial de Macau, Vol. I. , p. 397.
   139 Ta-Ssi-Yang-Kuo, Vol. I/II, p. 595.
   140 Idem, p. 644.
   141 Cf. Crónica do Distrito de Xiangshan (Actual.), edição xilografada de 1923, Vol. 8, p. 1.
   142 Arquivo Especial de Macau, Vol. I, p. 406.
   143 Arquivo Especial de Macau, Vol. I, p. 422.
   144 Cai Guozheng, Colecção Casual de Ofícios de Macau, edição de Zhengyitang, pp. 13-23.
   145 Idem, p. 28.
   146 Cf. Dicionário Bio-bibliográfico de Estrangeiros que passaram pela China no período da História Moderna, Beijing, Editora Ciências Sociais, 1981, pp. 207-208.
   147 Arquivo Especial de Macau, Vol. I, pp. 461 e 462.
   148 Cf. Dicionário Bio-bibliográfico de Estrangeiros que passaram pela China no período da História Moderna, p. 53.
   149 Arquivo Especial de Macau, Vol. III, pp. 259-261.
   150 Arquivo Especial de Macau, Vol. III, pp. 256 e 257.
   151 Arquivo Especial de Macau, Vol. III, pp. 256, 264, 268 e 280.
   152 Arquivo Especial de Macau, Vol. III, p. 291.
   153 Zhao Erxun, ob.cit., pp. 7011, 7035-7041, 7045, 8812-8813, 8815-8816.
   154 Zhao Erxun, ob.cit., pp. 7036, 7046-7047, 7049-7051, maxime 12809.
   155 Documentos Diplomáticos da Dinastia Qing Tardia, Vol. 187, pp. 1 e 2.
   156 Zhuang Yunyi, cf. Crónica do Distrito de Xiangshan (Actualização), edição xilografada de 1923, Vol. 8, p. 1.
   157 J. M Braga, Servidores de Portugal no Oriente Os Capit~æs-Gerais e os Governadores de Macau, in Renascimento, Vol. IV, Agosto de 1944, n° 2, p. 187.
   158 Arquivo Especial de Macau, Vol. II, pp. 119, 120 e 92
   159 Sobre o processo de delimitação, cf. Missão na China, Diário do Comissário Régio Joaquim José Machado nas Conferências Luso-Chinesas para a Delimitação de Macau (1909-1910), Apresentação e Introdução Histórica por António Vasconcelos de Saldanha e Leitura do Manuscrito e Introdução Literária de Carmen M. Radulet, Macau, Centro de Estudos das Relações Luso-Chinesas, Fundação Macau, 1998.
   160 Para uma biografia bastante completa de Gao Erqian, cf. Revista Oriente, n° 5 de Maio-Junho de 1909, Shanghai, pp. 127-128.
   161 Arquivo Especial de Macau, Vol. II, pp. 298 e 300.
   162 Arquivo Especial de Macau, Vol. II, pp. 564-577.
   163 Arquivo Especial de Macau, Vol. II, p. 618.
   164 Álvaro Melo de Machado, ob. cit., p. 53.
   165 The Cambrigde History of China, Vol. 12, Republican China 1912-1949, Part I, pp. 673-675.
   166 The Cambrigde History of China, Vol. 12, Republican China 1912-1949, Part I, pp. 322-405.
   167 António Vasconcelos de Saldanha, A "Questão de Macau "na Conferencia de Washington (1921-22), in Revista de Cultura, N° 22, pp. 169-188, Instituto Cultural de Macau, 1995. Vide também Arquivo Especial de Macau, Vol. IV, pp. 450-453.
   168 Arquivo Especial de Macau, Vol. IV, p. 451.
   169 Arquivo Especial de Macau, Vol. IV, p. 452.
   170 Arquivo Especial de Macau, Vol. IV, p. 452.
   171 Cf. Dicionário Bio-bibliográfico de Estrangeiros que passaram pela China no período da História Moderna, p. 154.
   172 Arquivo Especial de Macau, Vol. IV, p. 454.
   173 Arquivo Especial de Macau, Vol. IV, p. 464.
   174 Citado em Fu Qixue, História Diplomática da China, pp. 377 e 380.
   175 O texto desta declaração e as notas de 11 e 25 de Julho foram gentilmente cedidos pelo Sr. Li Bixian, de Taipei, o qual fez a investigação destes documentos no Arquivo do MNE de Taiwan, pelo que deixamos aqui o nosso sincero agradecimento.
   176 Cf. Dicionário Bio-bibliográfico de Estrangeiros que passaram pela China no período da História Moderna, pp. 39-40.
   177 Arquivo Especial de Macau, Vol. IV, pp. 533, 534 e 581-584.
   178 Arquivo Especial de Macau, Vol. IV, pp. 588 e 595.
   179 Cf. Francisco Gonçalves Pereira, Portugal, a China e a "Questão de Macau", pp. 164-165.
   180 Cf. Colecção de Tratados (16-46 da República da China), pp. 405-411. Taiwan, MNE, Taipei, 1958. Na versão inglesa chama-se este Tratado de "Preliminary Treaty" e o 4° Artigo estipula que a versão inglesa é a versão padrão. Mas na versão chinesa usa-se o termo "Tratado". Esta diferença está por ser esclarecida. O título em português também é Tratado Preliminar de Amizade e Comércio. Cf. também Francisco Gonçalves Pereira, ob.cit., pp. 165-169.
   181 Cf. Arquivo do MNE, Fundo Embaixada Londres, M162, PK/6. Este relatório, as memórias, as notas confidenciais, os telegramas, assim como as instruções secretas foram fornecidos pelo Prof. Doutor António Vasconcelos de Saldanha, pelo que deixamos aqui o nosso sincero agradecimento.
   182 Idem, ibidem.
   183 Idem, ibidem.
   184 Arquivos do MNE, Tratados-Tratado de 1928.
   185 Arquivos do MNE, Telegramas Recebidos, Legação de Pequim.
   186 Instruções para o Exm°. Senhor Armando Navarro, Ministro de Portugal na China, entregues em 2 de Outubro de 1930; AMNE, 3°P, A12, p. 35/14.
   187 Álvaro de Melo Machado, ob.cit., pp. 56-57.
   188 Álvaro de Melo Machado, ob.cit., p. 57.
   189 Álvaro de Melo Machado, ob.cit., p. 58.
   190 Montalto de Jesus, ob. cit., p. 314.
   191 Montalto de Jesus, ob. cit., p. 314.
   192 Montalto de Jesus, ob. cit., p. 319.
   193 João Guedes, ob. cit., pp. 147-155.
   194 Jaime do Inso, ob. cit., pp. 96, 100 e 102.
   195 Cf. Cihai, p.448 e The Cambrigde History of China,Vol. 12, Republican China 1912-1949, Part I, p. 323.
   196 Cf. Cihai, p.1309 e The Cambrigde History of China,Vol. 12, Republican China 1912-1949, Part I, pp. 231 e 232.
   197 Cf. Cihai, p. 859 e The Cambrigde History of China, Vol. 12, Republican China 1912-1949, Part I, pp. 217, 221-222.
   198 Para os leitores mais interessados, pode-se consultar Zhang Lei, Sheng Yunhua e Fok Kai Cheong, Macau: Portal e palco por onde Sun Yat Sen ganhou acesso ao Mundo, Macau, Livros do Oriente, 1996.
   199 Zheng Guanying, A propósito da guarida que os portugueses dão aos bandidos, in Obras Completas de Zheng Gunnying, Editora do Povo de Shanghai, 1982, Tomo I, p. 19.
   200 Cf. Li Jingquan, Wu Xizhao e Feng Dawen, História do Pensamento de Lingnan, Editora do Povo de Guangdong, 1993, pp. 322-326.
   201 Cf. Cihai, p. 859.
   202 The Cambrigde History of China, Vol. 12, Republican China 1912-1949, Part I, pp. 327 e 453.
   203 Trata-se de um movimento político promovido por reformadores e liberais, que tinha como finalidade a realização de reformas conducentes ao fomento nacional perante as invasões das potências ocidentais. Cf. Cihai, p. 1652.
   204 The Cambrigde History of China,Vol. 12, Republican China 1912-1949, Part I, p. 453.
   205 Cf. Dicionário da História Moderna da China, Shanghai, Editora de Dicionários de Shanghai, 1982, p. 482.
   206 Cf. Dicionário da História Moderna da China, Shanghai, Editora de Dicionários de Shanghai, 1982, p. 27.
   207 Zhao Erxun, ob.cit., largamente referenciado, maxime. pp. 12011-12022.
   208 Cf. Fei Chengkang, Os 400 anos de Macau, Editora do Povo de Shanghai, 1988, pp. 381-388.
   209 Foi Ministro da China nos EUA, Espanha e Peru, cf. Dicionário da História Moderna da China, Shanghai, Editora de Dicionários de Shanghai, 1982, p. 470.
   210 Manuel Teixeira, A Imprensa Periódica Portuguesa no Extremo-Oriente, Macau, Notícias de Macau, 1965, pp. 52-56.
   211 Cf. Dicionário da História Moderna da China, Shanghai, Editora de Dicionários de Shanghai, 1982, p. 188.
   212 João Guedes, ob.cit., p. 110.
   213 Idem, p. 111.
   214 Esta descrição, que foi feita na base das notícias publicadas na imprensa chinesa, designadamente no Mingguoribao (Nacional Daily) e no Shengbao (Jornal de Shanghai), difere bastante da versão portuguesa. Cf. a longa missiva que o Governador de Macau dirigiu ao Governo de Guangdong em 6 de Junho de 1922 no Apêndice V.
   215 Cf. Boletim Oficial do Governo, de 29 de Maio de 1922.
   216 No Boletim Oficial do Governo, de 8 de Junho de 1922, N° 11, Suplemento ao 22, estão publicadas duas relações dos sindicatos ilegalizados, cuja versão portuguesa se encontra na p. 392 e versão chinesa na p. 393.
   217 Cf. Boletim Oficial do Governo, de 30 de Maio de 1922.
   218 Cf. Mingguoribao (National Daily), de d de Junho de 1922.
   219 Cf. Shengbao (Jomal de Shanghai), de 6 de Junho de 1922.
   220 Cf. Mingguoribao (National Daily), de 9 de Junho de 1922.
   221 Cf. Mingguoribao (National Daily), de 11 de Junho de 1922.
   222 Cf. Shengbao (Jornal de Shanghai), de 15 e 18 de Junho de 1922.
   223 Cf. Dicionário da História Moderna da China, Shanghai, Editora de Dicionários de Shanghai, 1982, p. 392.
   224 O Encarregado do Governo informa em 20 de Junho ao Ministro das Colónias:
   "Assunto naturalmente suspenso por terem principiado em 16 hostilidades entre aquele Governo e tropas general Chan anterior governador agora partidario União China. Tropas (?) Chan invadiu Cantão mas situação indecisa por que Sun Ya Sen presidente Governo revolucionario sul que consta refugiado num navio de guerra dispõe ainda tropas norte Cantão e melhor parte marinha chineza tendo algumas canhoneiras em 17 bombardeado Cantão. Caso vencer Chan e victoria envolta realmente uni~ao china possivel nossa
   225 Cf. Boletim Oficial do Governo, no 22 de 17 de Outubro de 1922, p. 719
   226 Cf. Manuel Teixeira, Vultos Marcantes em Macau, DSEC, 1982, pp. 125-127.
   227 Jaime do Inso, A Greve de 1922, in Boletim da Agência Geral das Colónias, n°.53, 1929, p.137.
   228 Arquivo Especial de Macau, Vol.IV, Taipei, Academia Sínica, 1996, pp. 469-470.
   229 Arquivo Especial de Macau, Vol. IV, pp. 469-470 e 472.
   230 Cf. Boletim Oficial, de 27 de Janeiro de 1923.
   231 Camões Tam, ob.cit., pp. 221-227.
   232 Shinji Ginoza, Relações entre Macau e o Japão durante a Guerra do Pacífico -- Contribuições Preliminares para a não ocupação japonesa de Macau, in Boletim de Estudos de Macau, Fundação Macau, n° 5, 1997, pp. 76-84.
   233 Chiang Kai-shek.
   234 Shinji Ginoza, ob.cit., p. 80.
   235 Idem, pp. 81 e 82.
   236 Relatório apresentado pelo Sr. Capitão Carlos de Sousa Gorgulho, respeitanteà sua Missão ao Japão, Arquivo do MNE, 2° PA48, M217.
   237 Do Ministro dos Negócios ao Embaixador de Portugal em Londres, in Dez Anos de Política Externa (1936-1947), Vol. II, pp. 12-13, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Imprensa
   238 António de Andrade e Silva, Eu Estive em Macau durante a Guerra, Macau, ICM/Museu Marítimo de Macau, 1991, p. 35.
   239 Idem, p. 79.
   240 Zhou Yongneng, responsável da Secção Macaense do Partido Nacionalista.
   241 Arquivo do Conselho Administrativo do Governo Nacionalista, pasta 22, No. 471, Arquivo Histórico N° 2 da China. Cf. Huang Hongzhao, Elementos para a História das Relações Luso-Chinesas, Fundação Macau, 1998, Vol. II, p. 321.
   242 Data da invasão japonesa da Manchúria.
   243 Cf. Huang Hongzhao, Elementos para a História das Relações Luso-Chinesas, Vol.II,.p.321.
   244 Wang Ching-wei.
   245 Capital do Governo Nacionalista durante a Guerra Anti-Japonesa.
   246 Cf. Huang Hongzhao, Elementos para a História das Relações Luso-Chinesas, Vol. II, pp. 321-322.
   247 História das Lutas Armadas do Povo de Guangdong, Comissão de Redacção para Históriadas Lutas Armadas do Povo de Guangdong, Editora do Povo de Guandgong, 1994, Vol. III, pp. 410-411. Ao Chu, lider dos movimentos anti-nipónicos de Zhongshan, recorda que:
   "O estatuto neutro e atitude delicada de Macau proporcionavam-nos condições favoráveis. Na Primavera de 1944, enviámos Zheng Xiu e Guo Ning, vestidos à paisana, para se estabelecer em Macau. Rapidamente, foi criada uma delegação secreta [...] Existia um bom entendimento entre nós e as autoridades portuguesas. Durante a Guerra Anti-Japónica, tivemos duas negociações secretas com elas [...] com objectivo principal de manter a segurança externa de Macau. Naquela altura, os soldados nacionalistas e bandidos entraram constantemente na ciadade de Macau para perturbações e regressavam para a sua base (no interior). As autoridades de Macau, sem soluções para isso, esperavam que atacássemos ou eliminássemos aquelas forças. Com o nosso auxílio prometido, eles também assumiram três compromissos em contrapartida:
   1) Concordância em receber alguns feridos nossos para tratamento em Macau;
   2) Concordância em deslocar-nos para comprar em Macau munições e medicamentos necessários;
   3) Concordância no envio dos nossos delegados para promover, em secreto, campanhas patrióticas e anti-nipónicas para angariar fundos.
   As negociações foram sinceras e os compromissos efectivamente honrados, tanto da nossa parte como da deles". (Cf. Ao Chu, Episódios na Luta Anti-Japonesa na Terra Natal do Dr. Sun Yat-Sen, in Primavera e Outubro dos Chineses, N° 11 de 1995, Beijing, 1995, pp. 49-51).
   248 Arquivo do Conselho Administrativo do Governo Nacionalista, pasta 18, No. 1905, Arquivo Histórico N° 2 da China.
   249 Idem, ibidem.
   250 Idem, ibidem.
   251 Li Hanzhong, Algumas informações sobre Hong Kong e Macau, após a rendição japonesa, in Antologia de Documentação Literária e Histórica sobre Guangdong, Centro de Documentação da Literatura e História da Conferência Consultiva Política de Guangdong, 1962, Vol. III, pp.180-183.
   252 The Cambrigde History of China,Vol. 12, Republicam China 1912-1949, Part I, pp. 581 e 663.
   253 Li Hanzhong, ob.cit., pp. 180-183.
   De acordo com Chen Qingbing, outro participante no processo, a chamada campanha "recuperação de Macau", promovida pelas tropas nacionalistas tem por objectivo desviar a atenção dos guerreiros comunistas, procurando o apoio das autoridades portuguesas para eliminar estes de vez. (Cf. Chen Qingbing, A Minha Experiência na Campanha de Recuperação de Macau Visando Eliminar As Forças Armadas Popular de Wuguisan, in Antologia de Documentação Literária e Histórica de Cantão, Conferência Política Consultiva de Cantão, 1965, Vol. 15, pp. 134-139).
   254 Idem, ibidem.
   O Cônsul de Portugal em Cantão, A. S. Monteiro, dirigiu em 20 de Janeiro de 1946 um ofício ao Director do Jornal Sai Nam Iat Pou, além de esclarecer que Mário Gracias era Vice Cônsul e não Cônsul, "como erradamente disse o seu Jornal", "devo categoricamente declarar que não se concedeu qualquer entrevista à Imprensa, nem são verdadeiras as afirmações que êsse jornal publicou, pois o Sr. Gracias nada disse do que se lhe atribuiu nem éle tem autoridade para fazer declarações sôbre a política portuguesa. Mesmo que ele fôsse Cônsul de Portugal, sabe-se universalmente que, em assunto de tanta magnitude, que é prerrogativa do Govêrno Central, os Consulados nada decidem nem t~ao pouco expendem opiniões." (Arquivo do MNE, Consulado Cantão, Pasta 156).
   255 Idem, ibidem.
   256 José Calvet Magalh~æs, ob.cit., p. 1.
   257 Arquivo do Conselho Administrativo do Governo Nacionalista, pasta 2, No. 9224, Arquivo Histórico N°2 da China.
   258 Oliveira Salazar, Discursos e Notas Políticas, 1943-1950, Coimbra Editora, 1951, Vol. IV, pp. 303-305.
   259 José Calvet Magalh~æs, ob.cit., p. 56.
   260 Cf. Camões Tam, ob.cit., p. 235 e Jorge Morby, ob.cit., p. 49.
   Mao Zedong, numa entrevista com Anastas Ivanovich Mikoyan, enviado especial de Staline, que teve lugar nos primeiros tempos da fundação da República Popular da China, proferiu o seguinte:
   "Até agora, ainda há metade do território chinês que fica por ser libertada. As coisas do Continente são relativamente fáceis. Basta mandar tropas para as resolver. Os assuntos das ilhas já se apresentam mais complicados, de modo que é preciso adoptar soluções mais flexíveis ou uma política de transição pacífica que, requer mais tempo. Nesta perspectiva, uma solução precipitada das questões de Hong Kong e Macau não teria nenhum sentido. Ao contrário, talvez seja mais vantajoso aproveitar-se do statu quo destas duas terras, sobretudo de Hong Kong, para desenvolvermos as nossas relações com o exterior e incentivarmos as nossas importações e exportações, através deles. Numa palavra, uma decisão definitiva só será tomada conforme o evoluir da situação." (Cf. Shi Zhe, Memóriados dias que passei ao lado dum gigante -- Mao Zedong, Beijing, Editora Central de Documentação Histórica, 1991, p. 380.)
   261 Lu Ping, A Lei Básica -- O plano para uma nova época de Macau, in Jornal Va Kio, de 26 de Maio de 1995.
   262 J.M. Duarte de Jesus, As Relações entre Portugal e a República Popular da China, segundo o Ministro de Portugal na China, em 1949, inédito, comunicação apresentada ao Seminário Internacional sobre Macau e as Práticas Convencionais Luso-Chinesas, Fundação Macau, Faculdade de Direito da Universidade de Macau, 13-15 de Novembro de 1995, em que se dá a conhecer na íntegra o relatório de Ferreira de Fonseca.
   263 Idem, ibidem.
   264 Idem, ibidem.
   265 Idem, ibidem.
   266 José Calvet Magalh~æs, ob.cit., p. 69.
   267 Eduardo Brazão, Memorial de Dom Quixote, Coimbra Editora, 1976, p. 239.
   268 Barradas de Oliveira (Coord.), Relação da Primeira Viagem do Ministro do Ultramar às Províncias do Oriente no Ano de 1952, Lisboa, Agência Geral do Ultramar, 1953, Vol. II, p. 355.
   269 Cf. Luo Guojing, He Zhiyi, Os antecedentes e os termos do Incidente da Porta do Cerco, ocorrido em 1952, in Literatura e História de Lingnan, N° 1 de 1988 e Huang Zhan, Galeria de Vultos Ilustres, Entrevista com Ho Yin, Hong Kong, 1983, pp. 337-400. Cf. também o interessante artigo de Anthony R. Dicks, Macao: Legal Fictions and Gunboat Diplomcy, in Aijmer (G.), Leadership on the China Coast, Copenhagen, Curzon Press, 1984, pp. 90-128.
   270 Alexander Grantham, Via Ports: From Hong Kong to Hong Kong, Hong Kong University Press, 1965, p. 186.
   271 Idem, ibidem.
   272 Diário do Povo, de 26 de Outubro de 1955.
   273 Oliveira Salazar, Discursos e Notas Políticas, 1959-1969, Coimbra Editora, 1967, Vol. VI, p. 141.
   274 Diário do Povo, de 8 de Março de 1963.
   275 Quanto à documentação chinesa, baseamo-nos essencialmente nas notícias publicadas no Jornal Va Kio, de Dezembro de 1966 a Fevereiro de 1967, de modo que não especificamos as suas fontes.
   276 Esta versão difere da de Mota Cerveira, cf. a sua informação dirigida ao Ministro do Ultramar no Apêndice IX.
   277 Cf. Panorama de Macau, Direcção de Wong Hong Keong e Wu Zhiliang, Fundação Macau, 1996, p. 591.
   278 Idem.
   279 José Pedro Castanheira, Revolução Cultural em Macau, in Expresso, de 30 de Novembro de 1996.
   280 Arquivo Salazar, AOS/CO/UL-78C, Pasta 15, Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Cf. também. Ricardo Pinto, Como a PIDE Viu o "Um Dois Três", in Macau, n.° 55, 1996, pp. 38-42, maxime, p. 40.
   281 Idem, ibidem.
   282 Idem, ibidem.
   283 Cf. Ricardo Pinto, Estado de Sítio, in Macau, n.° 55, 1996, pp. 18-37. Um extracto da carta está publicado na p. 30.
   284 Cf. José Pedro Castanheira, Revolução Cultural em Macau, p. 48.
   285 Idem, ibidem.
   286 Idem, p. 49.
   287 Cf. Macau Remains Quiet But Tense: Short Curfew Break for Housewives to Shop, in South China MorningPost, de 6 de Dezembro de 1966.
   288 Cf. José Pedro Castanheira, Revolução Cultural em Macau, p. 51.
   289 Idem, p. 53.
   290 Franco Nogueira, Um Político Confessa-se, Porto, Editora Civilização, 1986, p. 208.
   291 Franco Nogeira, Salazar, citado em José Pedro Castanheira, A Missão que Salvou
   292 Cf. Ricardo Pinto, Estado de Sítio, p. 28.
   293 Cf. José Pedro Castanheira, Revolução Cultural em Macau, p. 53.
   294 Notícias de Macau, de 13 de Dezembro de 1966.
   295 Notícias de Macau, de 15 de Dezembro de 1966.
   296 Cf. José Pedro Castanheira, Revolução Cultural em Macau, p. 54.
   297 Cf. Ricardo Pinto, Estado de S'itio, p. 28.
   298 Idem, p. 33.
   299 Cf. José Pedro Castanheira, Revolução Cultural em Macau, p. 55.
   300 Idem, ibidem.
   301 Franco Nogueiro, Um Político Confessa-se, p. 212.
   302 Franco Nogueira, ob.cit., p. 212.
   303 Cf. Jorge Morbey, ob.cit., pp. 54-55.
   304 Cf. Jornal Va Kio, de 16 de Janeiro de 1967. Cf. também South China Morning Post, do mesmo dia.
   305 José Pedro Castanheira, A Missão que Salvou Macau, p. 69.
   306 Idem, p. 70.
   307 Idem, p. 70.
   308 Idem, p. 70.
   309 Idem, p. 71.
   310 Idem, p. 71.
   311 Franco Nogueira, Um Político Confessa-se, p. 216.
   312 José Pedro Castanheira, A Missão que Salvou Macau, p. 72.
   313 Franco Nogueira, Um Político Confessa-se, p. 217.
   314 José Pedro Castanheira, A Missão que Salvou Macau, p. 72.
   315 Franco Nogueira, Um Político Confessa-se, p. 217.
   316 Cf. Macau, Novembro de 1996, p. 36.
   317 Cf. José Pedro Castanheira, Revolução Cultural em Macau, p. 58.
   318 Arquivo Salazar, AOS/CO/UL-78C, Pasta 15, Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
   319 Cf. José Pedro Castanheira, Revolução Cultural em Macau, p. 58.
   320 Arquivo Salazar, AOS/CO/UL-78C, Pasta 15, Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
   321 Arquivo Salazar, AOS/CO/UL-78C, Pasta 15, Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
   322 Idem, ibidem.