A JUVENTUDE E O FUTURO DE MACAU

  Comunicação na Comissão de Juventude da Associação Comercial de Macau 17 de Dezembro de 1993

CRESCENTE PARTICIPAÇÃO DA JUVENTUDE EM ÉPOCA DE PROFUNDAS MUDANÇAS POLÍTICAS


  Macau é território chinês sob administração portuguesa. Do ponto de vista estritamente jurídico, Macau não foi nunca uma colónia. Sob o prisma político e administrativo, Macau conheceu três períodos históricos.
  No primeiro, que durou até 1846, quando chegou o Governador João Ferreira do Amaral, Macau era governado pelo "Senado", coexistindo chineses e portugueses sob administrações distintas. O segundo (1846-1974), foi um período de administração colonial portuguesa, com chineses e portugueses gerindo separadamente os seus próprios interesses, de uma forma basicamente independente uma da outra. O terceiro período começou em 1974, aquando do derrube do regime ditatorial e o abandono do colonialismo em Portugal, a partir do qual Macau foi introduzido numa era de autonomia interna.
  Antes da publicação do Estatuto Orgânico de Macau, em 1976, era quase nula a participação de chineses nas actividades políticas de Macau. Com as eleições para a primeira Assembleia Legislativa, realizadas em 1976, algumas personalidades da comunidade chinesa foram eleitas para a Assembleia Legislativa, um dos dois órgãos de Governo de Macau, abrindo um precedente para a participação dos chineses na política democrática de Macau.
  Em 1979, a República Popular da China e a República Portuguesa estabeleceram relações diplomáticas, chegando a um entendimento quanto ao estatuto político e jurídico especial de Macau. Em 1985, os dois países decidiram a "realização em breve de negociações sobre a questão de Macau através dos canais diplomáticos". De modo que em Junho do ano seguinte, os Governos dos dois países encetaram negociações que conduziram à assinatura da Declaração Conjunta Luso-Chinesa, em 13 de Abril de 1987. Em conformidade com a Declaração Conjunta, a China assumirá o exercício da soberania sobre Macau em 20 de Dezembro de 1999; Macau transformar-se-á numa Região Administrativa Especial da RPC, com um alto grau de autonomia administrativa, legislativa e judicial; e os princípios "um país, dois sistemas" e "Macau ser governado pelos seus própios residentes" serão aplicados.  A publicação, em Março daquele ano, da Lei Básica da Região Adrninistrativa Especial de Macau reconfirma os princípios atrás referidos, desenhando um quadro explícito para o futuro de Macau.
  O estabelecimento das relações diplomáticas entre Portugal e China e, especialmente, a feliz solução encontrada para a questão relacionada com o futuro de Macau, encorajou a participação mais activa de cada vez mais residentes nas actividades políticas e sociais de Macau. Entre 1980 e 1984, a élite da comunidade chinesa, e a crescente classe média que então emergia organizaram-se em grupos e associações profissionais e participaram nosassuntos públicos. O número de grupos de interesses concorrentes por sufrágio indirecto, às eleições da Assembleia Legislativa, aumentou de 84 para 141. Mais, nas eleições da 3a Legislatura, em 1984, o número de eleitores subiu dramáticamente para 51.400, mais tarde, em 1988, atirado para os 67.600 eleitores. As útimas três eleições da Assembleia Legislativa foram palco para a participação activa de associações locais, e o número de deputados de etnia chinesa eleitos, directa ou indirectamente, aumentou imensamente alterando-se completamente o cenário das 1a e 2a legislaturas, quase monopolizadas por portugueses e macaenses (portugueses nascidos em Macau). Esse foi um primeiro passo no sentido da localização da Assembleia Legislativa que melhor representará os vários sectores da comunidade. Vale a pena referir que é maior do que nunca o número de jovens deputados na 5a Assembleia Legislativa, e de vereadores na 2a Assembleia Municipal. Entretanto observámos uma gradual profissionalização e rejuvenescimento da direcção de algumas associações tradicionais importantes de Macau.
  Além de uma intervenção indirecta em assuntos públicos na Assembleia Legislativa, nas Assembleias Municipais e no Conselho Consultivo, tem-se assistido desde meados dos anos 80 àà admissão de jovens profissionais nos quadros da administração pública que, deste modo, participam directamente na gestão e administração públicas. Nos restantes anos do período de transição, o Governo tem vindo a adoptar uma política comduas vertentes --- primeiro, acelerando o esforço de formação de técnicos locais através da aquisição e transformação da Universidade de Ásia Oriental e do aumento do número de bolsas de estudos atribuídas; em segundo lugar, enviando estudantes para Portugal e para Beijing, encorajando-os ao estudo da língua portuguesa e da Administração Pública Portuguesa, da língua chinesa e da Administração Pública Chinesa, promovendo a formação de bilingues para, depois, os atrair para a administração pública a fim de colaborarem no esquema previsto para a localização.
  Embora a localização da administração esteja a ser um processo demorado, com o ano de 1999 cada vez mais perto, cada vez mais jovens tecnocratas, especialmente de etnia chinesa, dotados de espírito aberto e de uma sólida formação, terão o seu lugar nas categorias de topo da cadeia hierárquica administrativa, introduzindo substanciais mudanças qualitativas na acção governativa e na cultura política de Macau. É de esperar, portanto, que se modifiquem as atitudes da comunidade chinesa de Macau, mudando também a sua mentalidade e orientação política. Simultaneamente, nos seus esforços para a tomada de poder como futuros dirigentes de Macau, os residentes locais sentir-se-ão menos frustrados e impotentes acerca da política e da acção governativa.

RÁPIDO CRESCIMENTO ECONÓMICO


  Apesar de Macau ter sido, outrora, o maior entreposto comercial no Extremo Oriente, o seu desenvolvimento económico moderno iniciou-se lentamente nos anos 60, acelerou-se nos anos 70 com aumentos anuais do PIB na ordem dos 16,7%, em média, e um incremento anual de mais de 20% no comércio externo e na exportação de produtos manufacturados. Na primeira metade dos anos 80, devido ao declínio da economia mundial, a economia de Macau sofreu uma ligeira desaceleração mantendo, ainda assim, uma taxa de crescimento anual de 10%. E nos anos 90, graças ao crescimento forte e estável das últimas duas décadas, a economia de Macau emergiu da sua configuração passada, baseada no jogo, no turismo e em outras actividades de lazer, e tomou-se num sistema económico pequeno, mas flexível, assente em quatro pilares: exportação de produtos manufacturados, turismo e diversões, finanças e actividade bancária, construção civil e imobiliário.
  Segundo as recentes estatísticas publicadas por "Asiaweek", o PIB per capita de Macau foi de 13.527 USD em 1993, apenas inferior ao de Japão, Brunei, Hong Kong, e Singapura, mas muito superior ao de Taiwan (PIB per capita: 10.215 USD) e Coreia do Sul (PIB per capita: 6.740 USD), considerado já como uma das regiões de elevadas receitas do Globo.
  É inegável que a Macau lhe falte extensão territorial, recursos humanos e tecnológicos. Alguma da sua indústria tradicional tem sentido imensas dificuldades em se reconverter. Com o decréscimo das exportações, e o crescente aumento do deficit comercial, e a lenta reconversão da indústria, o sector industrial vê-se mergulhado numa atmosfera pessimista. O Governo acusa os industriais de falta de iniciativa, enquanto estes últimos criticam o Governo de falta de coerência e de continuidade nas suas políticas económicas. De facto, o sucesso da reconversão económica e industrial depende da coragem, do espírito empreendedor e criador dos industriais, bem como do forte e eficaz apoio da Administração. Simultâneamente, torna-se necessário atrair também jovens talentosos para nela tomarem parte. A obsoleta indústria, que sobrevive principalmente de trabalho intensivo e de quotas de exportaç'ao, será substituído, cedo ou tarde, por novas indústrias. Por isso, o Governo e o sector industrial devem introduzir, de forma concertada e activa, novas tecnologias e equipamentos, enquanto continuam a explorar novos mercados para a produção das indústrias existentes, revolucionar a indústria existente e desenvolver novos produtos de melhor qualidade.É esta a única saída para a economia industrial de Macau. Tal ponto de vista está a ser compartilhado por cada vez mais pessoas. A criação da Sociedade de Desenvolvimento Industrial Concórdia, é um bom exemplo do esforço conjunto entre o Governo de Macau e os empresários no sentido do desenvolvimento de novas tecnologias, e de novas indústrias. Segundo relatou aimprensa, muitas outras empresas tencionam aderir a esse projecto. Mais ainda, demarcar-se-á um novo parque industrial nos aterros a efectuar entre Taipa e Coloane, para o desenvolvimento de novas indústrias, abrindo-se caminho à reconversão industrial. Neste quadro, os jovens empresários, de particular espírito aberto e criatividade, podem dar largas ao seu talento e contribuir grandemente, tal como muito bem o indicou o director da Comissão da Juventude da Associação Industrial de Macau, no seu discurso proferido na Feira "A nova face das indústrias de Macau", realizada há pouco.
  Não podemos ser optimistas enquanto persistirmos na importação de mão-de-obra, na transferência, para fora, de processo de produção, e nas quotas de exportação. Nos últimos anos, as indústrias de exportação têm estado em declínio. Quererá isto dizer que as indústrias de Macau atingiram a saturação, e que nada mais há a fazer? A pessoa melhor posicionada para responder a esta pergunta é, porventura, o Senhor Wang Dingchang, economista chefe da Comissão de Planeamento do Governo de Guangdong. O Senhor Wang é figura de primeiro plano no processo de cooperação económica entre Macau e aquela província, e profundo conhecedor das realidades de Macau e de Portugal. Em sua opinião, claramente manifestada, Guangdong sempre esperou utilizar Macau como plataforma para os mercados europeus, aproveitando-se do estatuto especial deste Território como porto franco, região aduaneiraindependente, beneficiando do privilégio de território mais favorecido.
  Pela primeira vez, um alto dirigente de Guangdong traçou, tão claramente, as linhas de cooperação económica Macau-Guangdong, transformando as acções de complementaridade observada no passado, num processo global de circularidade económica, com objectivos bem definidos, a saber: utilizar Macau como a "janela", captando informações, e Guangdong, por sua vez, provendo recursos humanos qualificados e tecnológicos, e coordenando o crescimento económico das duas regiões. É possível que, num futuro próximo, algumas das empresas com tecnologias de ponta, laborando em Guangdong, se mudem para Macau...

ACOMPANHAR AS MUDANÇAS, E AGARRAR AS OPORTUNIDADES


  A política de localização e a reconversão económica de Macau constituem processos irreversíveis. O estatuto oficial da língua chinesa, a localização do funcionalismo público e a localização da legislatura fazem parte, na sua essência, da política de localização e da generalização da cultura política de matriz portuguesa. O objectivo da cooperação sino-portuguesa e do Governo de Macau durante a segunda metade do período de transição é o de devolução gradual do poder administrativo aos residentes de Macau,mantendo a estabilidade política e social, e perpetuar a prosperidade económica e preparar uma mudança sem sobressaltos.
  As relações sino-portuguesas estão melhores do que nunca e o Governo de Macau está empenhado em que assim continuem. A Declaração Conjunta Luso-Chinesa e a Lei Básica determinam que o actual sistema político, económico e social de Macau se mantenha inalterado durante cinquenta anos para além de 1999. Mas é facto que uma genuína implementação do princípio "Um País, dois Sistemas" não depende apenas da boa vontade e da cooperação sincera dos dois governos, mas também da participação activa dos residentes de Macau. Temos de reconhecer que a apatia vivida no passado pela comunidade chinesa local no tocante aos sistema político e administrativo limitou a nossa compreensão do sistema vigente. Pode-se dizer que este é o mais fraco e mais decisivo aspecto entre os pontos importantes do período de transição. Em outras palavras, o nosso bom conhecimento e domínio sobre a administração vigente traduzir-se-á numa transição suave. Por isso, o objectivo mais prioritário que se nos coloca é o de acelerar o "processo das três localizações" e o de lançar campanhas que informem os residentes locais sobre os sistemas político e jurídico dos quais têm estado arredados. Neste esforço, a geração mais jovem de profissionais, especialmente aquela que ingressou as fileiras da Administração, deverá desempenhar um papel pioneiro.
  A língua chinesa tornou-se oficial desde o início do ano passado. Contudo, tem sido muito restrita a sua utilização na administração pública. Embora alguns técnicos locais tenham ascendido a categorias intermédias, ou mesmo superiores da cadeia hierárquica da Administração Pública, são ainda às centenas os cargos de topo ali existentes, na judicatura, na magistratura, no notariado, etc, que se encontram vagos e carecem de serem preenchidos por técnicos locais. Mais, a localização da legislação está ainda na sua infância, tendo apenas começado o esforço gigantesco da tradução jurídica, onde se faz sentir cada vez mais a necessidade de juristas bilingues. Entre os primeiros finalistas do curso de direito da Universidade de Macau, apenas 2 eram bilingues, em chinês e português. Se tudo correr bem, teremos 4 em 1994, 9 em 1995, 7 em 1996, e 11 em 1997. Se somarmos esses números teremos, ao todo, 33, número manifestamente longe dos 120 que necessitaremos em 1999. Urgem soluções (1) para estes problemas que, por outro lado, constituem oportunidades a explorar pela juventude de Macau.
  Na frente económica, o Sistema Económico do Delta do Rio das Pérolas tomou forma. A conclusão do aeroporto internacional, o novo porto, e a nova ponte trarão uma melhoria de condições para o investidor, catapultarão para níveis de desenvolvimento mais elevados as indústrias de exportação, turismo e outras indústrias do lazer, actividade bancária e financeira, e construção civil. Crê-se também que com o forte apoio do Governo Central da República Popularda China, concedido sob a forma de definição de políticas de prioridades, mão-de-obra, e tecnologia, cedo surgirão novas empresas de grande e médio porte que absorverão um grande número de engenheiros e economistas, contabilistas e outros técnicos.
  A finalizar, as profundas mudanças políticas e o rápido desenvolvimento económico criaram oportunidades a não desperdiçar. Não é exagerado dizer que os jovens de Macau dispõem agora de oportunidades ímpares de exercício das suas qualificações. Mas como agarrar essas oportunidades?

ACEITAR OS DESAFIOS E CONSTRUIR O FUTURO


  De acordo com o censo de 1991, 51,5% dos 355.500 habitantes de Macau apresentavam idades inferiores a 30 anos, sendo de 53,1% os que apresentavam idades compreendidas entre os 25 e os 50 anos. Estes números, revelando embora um ligeiro envelhecimento da população de Macau em relação ao que era 10 anos antes, indicam que estamos perante uma população ainda bastante jovem, e cheia de vitalidade. Estatísticas divulgadas pela Asiaweek revelam que a taxa de alfabetização em Macau atingia os 61,3% da sua população,(2) taxa muito inferior à de muitos países em vias de desenvolvimento, como por exemplo, a República Popular da China (73,3 % ), a Malásia (78,5%); e o Vietnam (88%). Pode ser problema de linguagem, masesses valores são totalmente incompatíveis com os indicadores económicos, e do padrão de vida, tais como o PNB, a relação entre o número de telefones por habitante, a taxa da mortalidade infantil etc, em relação aos quais, Macau apresenta taxas bem mais favoráveis do que as dos países atrás mencionados. De facto, o mesmo censo mostra também que 16,95% dos residentes com idades superiores aos 3 anos são analfabetos (não sabem ler, nem escrever); 64,64% detêm a instrução primária, ou mesmo inferior, e sómente 2,88% possuem educação superior. Temos de reconhecer ser muito baixo o nosso nível de instrução. A situação na Administração Pública é semelhante: em finais de 1992, 44,5% dos seus 15.111 funcionários públicos, possuíam apenas a instrução primária, ou até inferior, enquanto que só 11,4% detinham habilitações superiores. Estes números poderão explicar a ineficácia de diversos departamentos da Administração.
  Nos anos mais recentes, o Governo investiu fortemente na educação. Todavia, atendendo ao contexto histórico específico de Macau, onde as escolas e as instituições privadas têm vindo a desempenhar o papel mais importante, e onde devido à coexistência de diferentes sistemas de ensino, tem sido mínima a intervenção do Governo. Em finais da década de 70 o Governo começou a subsidiar as escolas privadas, iniciando em 1989 a reforma do ensino que conduziu à formulação da "Lei-Quadro do Sistema Educativo de Macau", em 1991. Apesar destes esforços, o ensino obrigatório e gratuito ainda se mantém naordem do dia da imprensa local, nem foram uniformizados os programas,(3) nem preparados o material de ensino, nem os textos de apoio, para já não falar na uniformização dos exames. Não obstante, foram levados a cabo intensos esforços na formação de professores para os ensinos,básico e secundário, que se reflectiu obviamente na melhoria da qualidade do ensino, lançando-se bases sólidas para um futuro aumento de qualidade generalizada do ensino básico em Macau.
  O ensino superior surgiu em Macau apenas recentemente. Começou como instituição privada do ensino superior, recrutando estudantes principalmente em HongKong. Alguns anos mais tarde, o Governo adquiriu a Universidade e colocou-a sob a tutela da Fundação Macau, criando cursos cuja necessidade se fazia sentir no período de transição, transformando-a, assim, numa instituição pública, vocacionada para a formação de quadros para Macau. Os últimos anos foram palco do crescimento e do fortalecimento da Universidade de Macau, formando-se milhares de profissionais necessários à Administração, ao mundo de negócios e ao mundo industrial de Macau. São 315 os estudantes que finalizaram no ano de 1993 os respectivos cursos conferentes de grau académico, nuns casos, ou de diplomas, noutros. A este número acrescem os provenientes dos cursos profissionalizantes ministrados no Instituto Politécnico de Macau, Escola Superior das Forças de Segurança de Macau, Escola Superior de Turismo, pelaAssociação de Gestão de Macau e por tantas outras instituições privadas.
  Governo e instituições privadas atribuíram mais bolsas, de estudo e aumentaram os subsídios a fim de permitir a mais estudantes o prosseguimento de estudos no território, ou fora dele. De acordo com as estatísticas dos Serviços de Educação e Juventude, são hoje 1.759 os estudantes locais que frequentam o ensino pós-secundário em Macau, ou no exterior, através de subvenções daqueles Serviços. E é ainda maior o número de estudantes que, com aqueles apoios financeiros, já completaram os respectivos cursos. O número de pessoas detentoras de formação de nível superior é ainda mais significativo se considerarmos ainda os que financiam os seus próprios estudos e os que são subsidiados por instituições privadas. Embora estas pessoas não possam efectuar, por si só mudanças fundamentais ao nível da educação em Macau, de certeza que constituirão a força motriz necessária para acender uma luz de esperança para o desenvolvimento de Macau. E é esta élite com uma sólida formação superior que tomar a dianteira e assumirá os desafios do período de transição. Será esta a força motriz que abrirá caminho para a mudança política e administrativa e para o progresso socio-económico de Macau.
  Neste mundo em constantes mudanças radicais, confrontamo-nos todos os dias com inúmeros problemas, alguns dos quais até muito desagradáveis. A título de exemplo citamos os problemas com a delinquência juvenil,associações de malfeitores, droga, absentismo escolar, na verdade são tantos que somos levados a acreditar que os jovens não prestam mesmo para nada. É verdade que esses problemas estão cada vez piores e merecem a nossa atenção. Mas não devemos esquecer que há também gente jovem bem formada e altamente motivada. Por exemplo, no ano passado, a Fundação Macau assinou um protocolo com a Academia de Ciências da China que proporcionou a Macau candidatos com graus académicos aos níveis de mestrado e de doutoramento. Antes das candidaturas esperávamos poucas inscrições. Contudo, logo que foi feito o anúncio, inscreveram-se treze. Finalmente nove candidatos compareceram às provas, tendo sido admitidos quatro. Quando a Comissão Estatal para a Educação da RPC confiou á Fundação Macau o recrutamento de estudantes para os cursos de pós-graduação ministrados pela universidades da China, a resposta dos interessados constituiu uma surpresa encorajante. Em somente dez dias, esgotaram-se cem boletins de inscrição. Inclusivemente, alguns dos mais desejados cursos ministrados pela Universidade de Macau foram muito procurados. Que foi que os levou a aceitar tantos sacrifícios para continuarem os seus estudos?
  Não podemos encontrar melhor resposta do que a sua confiança no futuro, a busca de um mundo melhor e o empenhamento na sociedade.

VISÃO INTERNACIONAL DOS NATURAIS DE MACAU


  O Professor Albert Yee, da Universidade de Macau, no seu livro A Cultura Política dos Chineses de Macau refere que "A população de Macau sente-se, de um modo geral, inferiorizada em relação á população de Hong-Kong. Eles pensam que Hong Kong é superior a Macau em todos os aspectos como, por exemplo, no número de habitantes, na pujança da sua economia, nas condições da vida, na eficiência administrativa, no aspecto cultural, etc. Este complexo de inferioridade está a grassar no seio da juventude de Macau". Segundo os resultados da sua sondagem, efectuada em 1991, apenas 28% dos estudantes universitários inquiridos sentem-se orgulhosos da sua condição de residentes macaenses.É muito semelhante a tendência observada entre os alunos das escolas secundárias. Estes resultados causam desânimo e preocupação em relação á juventude de Macau.
  Uma das causas para tal quadro desanimador prendese com a falta de educação cívica em Macau. Mais de metade dos residentes é constituída por imigrantes, na sua maioria, oriundos do continente chinês, dos quais quase metade vive em Macau há menos de 15 anos. Acresce ainda, o facto de não se ministrar nas escolas do ensino básico e secundário disciplinas de história, cultura e geografia de Macau.(4) Como resultado, a população de Macau não compreende a sua própria terra e não nutre o sentimento depertencimento. E se não sentem pertencerem a Macau, como é que se pode esperar que nutram orgulho na sua condição de macaense?!
  Mas, sera possível que não haja nada de bom em Macau? Concerteza que não. Hong Kong é superior a Macau no número de habitantes, na pujança da sua economia, no nível da vida, e na eficiência da sua administração. No entanto, se nos debruçarmos sobre outros indicadores, tais como, o PIB per capita, as taxas de crescimento económico, e de mortalidade infantil, a relação entre os números de habitantes por médico, ou o número de residentes por telefones, etc. constataremos que Macau figurará muito à frente de muitos países ou regiões do mundo. Além disso, não há na realidade, uma diferença notável entre Macau e Hong Kong no que concerne à qualidade de vida dos respectivos habitantes. Se houvesse verdadeiramente liberdade de opção, creio que muitos escolheriam provavelmente Macau que, dispondo de equipamento urbano moderno oferece simultaneamente uma vida calma de matriz rural. Sendo minúsculo o seu território, Macau não obriga os seus habitantes a passar horas a fio, em viagens de autocarros, ou de metropolitano, repletos de passageiros. A eficiência da acção governativa, bem como da sua administração pública, é relativamente baixa, mas dispõe de um sistema judiciário que assegura uma administração de justiça que consagra o livre direito de expressão e de imprensa. Além disso, Macau é relativamente pacífica, com um confortável ritmo de vida e de trabalho, e uma baixa taxade criminalidade, comparada com a de outras cidades. Os sectores de Habitação, e da Segurança Social conhecem um desenvolvimento ímpar. Na educação, embora as propinas de matr'icula e inscrição sejam elevadas, existem diversas medidas de apoio, quer sob a forma de reduções nos montantes a pagar, quer mesmo em isenções, ou subsídios e outros apoios financeiros, de modo a garantir que ninguém seja privado do acesso ao ensino por dificuldades financeiras. Pelo menos, os jovens deverão sentir-se orgulhosos de serem estudantes universitários, ou não será assim?
  Macau encerra, decerto, ainda outros valores por descobrir e aproveitar. Há dias conversei com vários juristas da China. Concordaram todos em que o sistema legal de Macau, nomeadamente o ramo do direito administrativo, possui alguns aspectos com os quais a R.P.C poderia aprender. E concordaram também com o ponto de vista de que só com o desempenho de um papel activo no processo da modernização da China, Macau poderá provar o seu valor, demonstrar as suas vantagens, e engrandecer a sua imagem e o seu próprio status.
  E quanto mais importante fôr o papel a desempenhar, maior será o valor e o seu status.
  É gratificante constatar a existência de jovens com ideias diferentes. Um estudante entrevistado afirmou: "Sintome orgulhoso de ser cidadão de Macau, não por causa dosseus gloriosos feitos, mas simplesmente, porque, aqui nasci e cresci. Tenho nesta terra as minhas raízes. Devo respeitar a terra onde nasci. Se assim não fosse, corno poderia esperar que alguém me respeitasse?". Definitivamente, a questão da identificação com Macau é assunto que deverá merecer maior atenção. Para começar, como definir "identidade de Macau". Depois, como cultivar "a consciência de Macau"? ÉÉ difícil encontrar respostas imediatas para estas duas perguntas, e valeria a pena que a juventude de Macau se lhes dedicasse algum tempo.
  Para situações de crise de identidade, quando os jovens falham no seu entendimento da sociedade, ou quando interpretam erradamente a acção governativa, ou ainda quando interpreta mal as atitudes bem intencionadas dos seus professores e dos seus pais, o melhor remédio será abrir mais canais de diálogo, aconselhando-os a empenharem-se em projectos comunitários, ajudando-os a melhorar os seus conhecimentos sobre a sociedade em que se integram, de modo a poderem, assim, descartar-se do "complexo de Wang Jing Wen", de frustração e de impotência, e fortalecer os seus sentimentos de pertencimento a este Território. A responsabilidade por essas acções cabe às organizações de juventude.
  Os jovens de Macau têm-se revelado muito activos na constituição de clubes e associações. Eles gostam de pensar, de uma forma independente, e de tomar decisões sem interferência de outrem; são audazes na inovação. O desafiarda ordem estabelecida surge, para eles, até certo ponto, como algo muito natural. Quando se juntam esforços na prossecução dos mesmos interesses e dos mesmos objectivos, aumenta-se o seu potencial participativo na vida social. Por exemplo, nas últimas celebrações da Festa da Primavera Chinesa, promovidas conjuntamente por várias organizações juvenis, demonstrou a força do apoio mútuo e intensificou imensamente as comunicações entre elas. A partir daqui, podemos criar uma federação para promover o intercâmbio com o exterior, com outras cidades ou regiões. Podemos aprender com Hong-Kong e Guangzhou onde se realizam, regularmente, concursos para a atribuição dos "Prémios de Jovens Destacados", a fim de estimular uma maior emulação dos jovens. Estamos cientes das dificuldades destes dois projectos, mas se conseguirmos ultrapassá-las, poderemos ter virado uma página no desenvolvimento do trabalho com a juventude.
  Nestes últimos anos, Macau tem vindo a incrementar os seus contactos internacionais com o exterior. A juventude de Macau está a adquirir um espírito mais aberto, e a ganhar outras perspectivas. Apesar da sua pequenez, Macau tem desempenhado, ao longo dos últimos séculos, um papel singular e insubstituível no intercâmbio entre o Ocidente e o Oriente, benificiando-se grandemente com isso. A juventude de Macau deve prosseguir esta tradição. O Conselheiro Lee Kwan Yew, de Singapura, proferiu, em Hong Kong, um discurso esclarecedor na 2a Assembleia da Câmara de Comércio Chinês sobre o valor acrescentado, fruto das redesde relações. Começando com a afirmação de que a "rede de relações religiosas das diferentes nações tornou-se num catalisador da expansão de conhecimentos financeiros, tecnológicos e profissionais", abordou de seguida a questão relacionada com a "arbitragem de conhecimentos". A certa altura afirmou: "Apesar dos computadores e dos faxes, nem todos os conhecimentos podem ser compilados em códigos. Muitos ramos do saber estão relacionados com a cultura, como por exemplo, as 'relações' da cultura Guanxi nas comunidades chinesa, japonesa e indonésia. Aqueles que forem capazes de lucrar com as diferenças culturais de variadas sociedades, ganham naturalmente com isso." Mr. Lee ainda teceu largos elogios aos Senhores Lin ShaoLiang da Indonésia, Robert Kwok, da Malásia, e Lee Kashing, de Hong Kong, todos eles conhecidos empresários chineses, e tomados como exemplos na ligação entre diferentes culturas porque, acrescentou, "possuindo a superioridade de uma cultura pluralista, as suas empresas produzem mais lucros quando eles integram enconomias em desenvolvimento com o Ocidente industrializado, aumentando o retorno dos seus investimentos". Por isso, concluiu, "Singapura decidiu mudar a sua política de imigração, com vista ao estabelecimento de uma comunidade multi-racial. Aproveitando a rede de relações internacionais, conseguiremos expandir a nossa economia, e criar mais oportunidades para o nosso desenvolvimento. ..... E porque diferentes regiões possuem diferentes experiências, acabaremos todos por ganhar com a troca dessas experiências".
  Macau é uma sociedade pluralista e, estando na vanguarda da "arbitragem de conhecimentos", com as suas próprias características. É certo que estas características pluralista e únicas, encontram as suas raízes na convivência de diferentes etnias e culturas, interagindo, e desenvolvendo, juntos, durante séculos, um inestimável tesouro. Assim, na 2a metade do período de transição, deveremos dedicar mais atenção aos contributos provindos das experiências de outras comunidades étnicas. Devemos evitar conflitos étnicos, desenvolver uma coexistência pacífica e promover a estabilidade e prosperidade de Macau. No presente e no futuro, deveremos respeitar os valores pluralistas e promover o desenvolvimento social pluralista.

CONCLUSÕES


  As transformações políticas e económicas de Macau apresentam desafios e oportunidades que constituem marcos na modernização da sociedade macaense. A modernização da mentalidade precede, normalmente, a dos da política e a dos da economia. A primeira, que lidera o caminho da mudança e evolução social profundas,é mais importante do que a última. A juventude de Macau deve fazer tudo ao seu alcance para agarrar esta preciosa oportunidade e empenharse mais no futuro de Macau, pensando mais, querendo mais, participando mais e empenhando-se mais. Devem apresentar ideias mais específicas, mais inovadoras e mais construtivas, para o desenvolvimento futuro em todas as frentes, ededicarem-se mais à tarefa de tornar Macau uma cidade mais próspera para a sua população.
  Notas:
  (1) Foram, entretanto, criados cursos de Direito de Macau em universidades do Sul da China, frequentados por estudantes chineses do Território e jovens juristas formados na RPC fizeram cursos de Língua e Cultura Portuguesa em Coimbra, após o que tiveram o curso de Introdução ao Direito de Macau, da Faculdade de Direito da Universidade de Macau.
  (2) Estes dados, porém, são considerados incorrectos pelo Governo de Macau, de acordo com os valores recolhidos no último censo, que indica que apenas de 16,95% o número de analfabetos.
  (3) Os planos de desenvolvimento curricular foram, entretanto, aprovados no Verão de 1994, devendo entrar em vigor no ano lectivo de 1995/96.
  (4) Os manuais para estas disciplinas estão em fase de conclusão, para ser usados a partir do ano lectivo de 1995/96, quando entrarem em vigor os planos de desenvolvimento curricular, já aprovados para a generalidade das escolas, públicas e privadas, de Macau.
  Wu Zhiliang nasceu, em 1964, no distrito de Lian Ping, na Província de Guangdong. Em 1985 formou-se em Língua e Cultura Portuguesa, no Instituto de Línguas Estrangeiras de Beijing. Em 1986, deslocou-se a Portugal a fim de frequentar, primeiro, a Faculdade de Letras da Universidade Clássica e, depois, o Curso de Direito da Universidade Católica Portuguesa. Em 1991, concluiu o curso de posgraduação em Administração Pública na então Universidade da Asia Oriental de Macau. Entre as suas obras figuram uma centena de comunicações, ensaios, artigos, crónicas de viagem, reportagens, assim como traduções de obras.
  Wu Zhiliang desempenha desde 1992 as funções de vogal do Conselho de Gestão da Fundação Macau, estando a fazer o doutoramento na Universidade de Nanjing. Escreveu três livros: "Crónicas de Portugal", "O Sistema Político de Macau --- Evolução, Realidade e Perspectivas", e "Guia de Investimento em Portugal" (com o Dr. Chan Kai Chon).