Internacional



AMBIENTE,SAÚDE E DESENVOLVIMENTO

Hisashi Ogawa*


1.INTRODUÇÃO


  O reconhecimento público do relacionamento entre desenvolvimento económico e o ambiente tem vindo a aumentar rápida e progressivamente desde o início da década de 70. Diversos governos têm vindo a desenvolver estratégias que requerem acção multi-disciplinar para protecção do ambiente e preservação de recursos, em favor das gerações vindouras. A noção de "desenvolvimento sustentável", que encara considerações ambientais como uma parte integrante de processos de desenvolvimento e que pretende atingir desenvolvimento sem sacrificar o uso de recursos pelas gerações vindouras, tornou-se uma terminologia usual não só entre profissionais mas também para o público em geral.
  Considerações ambientais devem ser incorporadas nos planos de desenvolvimento a todos os níveis (i.e. nacional, provincial, local e a nível de projecto). O desenvolvimento de políticas ao nível nacional deve considerar a disponibilidade de recursos e a vulnerabilidade do ambiente em que o país se insere. Ao nível provincial e local, planos de gestão ambiental geográfica que incorporam ou são usados em conjunção com planos de uso de terra, devem ser preparados como parte integrante de planos de desenvolvimento. Ao nível de projecto, a avaliação do impacte ambiental tem vindo a ser usada como uma ferramenta capaz de integrar a dimensão ambiental no processo de planeamento dos próprios projectos.
  A saúde das pessoas é afectada por mudanças no seu ambiente físico e social. Em consequência, actividades que provocam mudanças em ambientes humanos afectam a sua saúde. Embora as actividades de desenvolvimento causem frequentemente efeitos de saúde adversos, conduzem a uma melhoria da economia que permite suportar melhores cuidados de saúde e infra-estruturas que permitam reduzir a poluição ambiental. Assim, a saúde é ao mesmo tempo afectada positiva e negativamente por actividades de desenvolvimento. Uma estratégia chave para um desenvolvimento sustentável, em termos de protecção e promoção de saúde, consiste em aferir o impacte, positivo ou negativo, das actividades de desenvolvimento na saúde, tentando minimizar o impacte negativo e potenciar ao máximo o positivo. Devemos ter em atenção que o fim último das actividades de desenvolvimento é a melhoria da qualidade de vida de todas aa pessoas, da qual a saúde é uma importante componente. A Dedaração do Riosobre Ambiente e Desenvolvimento, subscrita por todas as delegações das nações participantes na conferência de Junho de 1992 organizada pelas Nações Unidas sobre o tema Ambiente e Desenvolvimento, indica como 1° princípio:
  "Os seres humanos são o cerne das preocupações para um desenvolvimento sustentado. Eles têm o direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza."

2. DESENVOLVIMENTO, AMBIENTE E SAÚDE



  Embora não esteja somente ligado a este fenómeno, as pessoas na sua generalidade entendem como actividades conducentes ao desenvolvimento aquelas que estão directamente associadas com a industrialização e urbanização. A industrialização é normalmente encarada como a transformação de uma sociedade primitiva que vive da agricultura, para uma sociedade moderna dominada pela indústria de transformação. Esta evolução é encarada como sendo capaz de providenciar riqueza material e consequentemente melhor qualidade de vida das pessoas que vivem nesta nova sociedade. A industrialização é frequentemente acompanhada pela urbanização, através de migrações da população rural que procura oportunidades de emprego nas áreas urbanas. Não é somente o aumento de oportunidades de emprego encontradas nas áreas urbanas, mas também a mecanização da produção agrícola induzida pela industrialização que contribuiu para a migração da popolução rural para áreas urbanas.
  Nas últimas três décadas, áreas urbanas em muitos dos países do Pacífico Ocidental sofreram uma séria degradação ambiental, apesar de se gastarem avultadas somas de dinheiro para se aliviarem diversos problemas. Os problemas têm origem na rápida taxa de crescimento da população e num estilo de vida urbano que cada vez provoca mais desperdícios, o que resulta numa grande sobrecarga das infraestruturas urbanas, tais como as de abastecimento de água, esgotos, sistema de rede viária, alojamento e outros serviços básicos.
  O desenvolvimento industrial, alimentado por uma crescente produção de energia, que é um prérequisito essencial para os processos de produção industrial, satisfaz muitas das necessidades básicas de uma sociedade, tais como materiais de construção, produtos químicos, transportes, condições sanitárias adequadas e água potável, vestuário, infra-estruturas para educação, equipamento agrícola e industrial. As consequências benéficas da industrialização são geralmente ensombradas pela poluição ambiental gerada por tais actividades.
  As actividades conducentes ao desenvolvimento, sejam elas de industrialização ou urbanização, são uma consequência, uma necessidade da vida e em alguns casos uma questão da própria sobrevivência humana. O homem extrai recursos minerais, colhe produtos agrícolas, fábrica máquinas e outros produtos, consome-os e desembaraça-se através do ambiente do que não é usado ou é prejudicial. Estas actividades de produção e consumo humano sempre existiram ao longo dos tempos e continuarão a existir no futuro.Só recentemente foi reconhecido que tais actividades podem provocar uma deterioração significativa do ambiente que tem, através de funções físicas, químicas e biológicas dos seus componentes, uma capacidade limitada de auto-degradação de materiais e de assimilação dos desperdícios causados por tais actividades.
  A Figura 1 mostra as inter-relações entre actividades de desenvolvimento, ambiente e saúde. O desenvolvimento industrial gera recursos económicos, oportunidades de emprego e poluição. Os recursos económicos são por sua vez distribuídos (geralmente de forma não equitativa) de modo a melhorar o bem-estar económico na sociedade e investidos de maneira a gerar actividades de desenvolvimento adicionais, incluindo actividades de redução de poluição e sistemas de cuidados de saúde. A poluição causada por actividades de desenvolvimento, embora reduzida e controlada pela aplicação de várias tecnologias que permitem minimizar os seus efeitos, afectará sempre a qualidade do ambiente. A qualidade ambiental é sem sombra de dúvida um parâmetro que influência a saúde, locais de lazer e actividades de desenvolvimento. Os Indivíduos saudáveis podem desfrutar o seu bem-estar económico assim como das facilidades de carácter socio-económico e ambiental e ao mesmo tempo constituir uma força de trabalho saudável ao dispôr do desenvolvimento industrial. Os factores socio-económicos podem também influenciar a saúde das pessoas o que por sua vez irá determinar o grau de desenvolvimento necessário no sistema de cuidados de saúde.
  As actividades conducentes ao desenvolvimento, influenciam positiva e negativamente o ambiente, saúde e qualidade de vida das pessoas. Ambientes de baixa qualidade e pouco saudáveis não podem suportar este tipo de actividades. Uma estratégia equitibrada e baseada numa correcta gestão ambiental é indispensável para um desenvolvimento sustentável que por sua vez melhorará a qualidade de vida dos cidadãos de uma determinada sociedade.
  O diagrama da Figura l representa uma visão extremamente simplificada da realidade. O desenvolvimento urbano e industrial pode ser subdividido num sem número de sectores em que as actividades de cada um deles afectam diversas componentes do ambiente. Estas actividades de desenvolvimento e componentes do ambiente irão influenciar a saúde e outros aspectos da qualidade de vida de diferentes subgrupos da população.

3.CONSEQUÊNCIAS DO DESENVOLVIMENTO PARA A SAÚDE


  As actividades de desenvolvimento podem afectar a saúde das pessoas directa ou indirectamente. Agentes químicos e microbiológicos gerados por essas actividades podem ser directamente ingeridos através dos alimentos ou água contaminada, absorvidos através dos tecidos cutâneos, ou inalados. As actividades de desenvolvimento podem também afectar indirectamente a saúde humana através da criação de condições favoráveis a certasdoenças ou através do aumento da probabilidade de exposição a factores de contaminação. Podem também causar o aumento do stress psico-social que pode levar ao aparecimento de problemas mentais de saúde.
  Além dos efeitos químicos, micro-biológicos e psico-sociais, as actividades de desenvolvimento podem gerar situações de perigo físico em caso de acidentes de viação, fogos e explosões que criem problemas de saúde e segurança. Todos estes impactes sobre a saúde podem ocorrer num ambiente natural ou num ambiente de trabalho.

3.1 Urbanização



  Os problemas de saúde pública associados à urbanização estão principalmente relacionados com os efeitos patogénicos, físicos, stress social e factores de contaminação químicos causados por um inadequado tratamento de dejectos, más condições de alojamento, ineficiências de gestão camarária e aumento do tráfego automóvel.
  Os dejectos humanos são a maior fonte de organismos patogénicos transmissíveis aos seres humanos através da água, comida e insectos. As doenças entéricas (cólera, febre tifóide, disenteria e diarreia) e as doenças virais (hepatite) são especificamente as maiores causas de morte e incapacidades de mais de dois terços da população mundial. Os dejectos humanos provocam a contaminação do solo por vermes, tais como lombrigas e ancilóstomos (parasitas intestinais). A contaminação das colheitas, via irrigação por métodos náo sanitários, o uso de dejectos como adubo e o uso de água poluída para cultivo podem ser as maiores fontes de doenças entéricas. Para evitar a contaminação do solo, água e alimento é necessário recorrer a métodos sanitários para a liminaçáo de detritos humanos, reduzindo deste modo a incidência de doenças entéricas.
  A migração descontrolada das áreas rurais para as urbanas cria um grave problema de alojamento em muitas das grandes cidades. Os migrantes frequentemente criam bairros de lata e vivem em condições más e pouco higiénicas. Foi demonstrada uma correlação entre más condições de alojamento e tuberculose, infecções estreptococais, febre reumática e doenças de coração. Doenças originárias da água tais como febre tifoide e diarreia podem também resultar de falta de higiene e da concentração de pessoas. A combinação entre essa densidade populacional, ruído, poluição do ar, odores desagradáveis e falta de privacidade são potenciais criadores de desconforto e depressão, contribuindo para conflitos inter-pessoais e tensões psico-sociais.
  Devido à irregularidade de recolha de lixo, os detritos normalmente ficam longos períodos em áreas habitadas. A rápida decomposição do lixo, especialmente em climas quentes, cria problemas de estética e odores e torna-se um óptimo lugar para alimentação de moscas e vermes.O resultado de pilhas de lixo por recolher é a multiplicação de organismos patogénicos. Os problemas tendem aagravar-se quando dejectos humanos ou de animais se misturam com o lixo por recolher. O efeito é semelhante ao de uma lixeira a céu aberto que se encontra perto de locais habitados. O despejo descontrolado de resíduos pode ainda causar a contaminação de lençóis freáticos por substâncias como nitratos, metais pesados e compostos orgânicos contidos em produtos derivados de lixívias. A incineração destes resíduos a céu aberto provoca a poluição do ar. Os resíduos hospitalares merecem uma referência especial por serem potencialmente infecciosos e tóxicos.
  O impacte na saúde pública do uso generalizado de veículos automóveis inclui ferimentos e morte resultantes de acidentes viários, efeitos de poluentes resultantes da emissão de gases dos veículos e aumento do stress resultante do ruído provocado pelo tráfego. Vários milhões de pessoas ficam feridas e mais de 300,000 morrem por ano em todo o Mundo devido a acidentes viários. Estima-se que, na maior parte das grandes metrópoles, os motores dos veículos são responsáveis por uma percentagem substancial dos poluentes existentes no ar (e.g. monóxido de carbono, hidrocarbonetos, óxidos de azoto e partículas). A concentração destes poluentes pode atingir níveis tais que originem efeitos de saúde crónicos tais como bronquites, edemas pulmonares e cancro do pulmão. O ruído provocado pelo trânsito urbano é também um dos principais problemas nas metrópoles, podendo reduzir o tempo e o sossego do sono e aumentar o stress.

3.2 Produção de energia


  Os efeitos para a saúde da produção de energia podem ser classificados de acordo com a sua fonte. Com excepção da produção hidroeléctrica, cujos efeitos na saúde serão discutidos no próximo ponto, as fontes de energia podem ser genericamente classificadas em três tipos: doméstico, fóssil e nuclear.
  A lenha e desperdícios animais e agrícolas são combustíveis não comerciais frequentemente usados para produzir energia doméstica. Os poluentes libertados durante a sua combustão incluem monóxido de carbono, dióxido de enxofre, óxidos de azoto, hidrocarbonetos e partículas. Estes poluentes afectam frequentemente a área habitacional, especialmente em climas frios onde a circulação interna de ar carece de ventilação adequada. As mulheres e crianças estão mais expostas por passarem mais tempo dentro de casa.
  O carvão, petróleo e gás natural constituem combustíveis fósseis. A menos que a combustão do carvão seja adequadamente controlada, emitirá fumo, cinzas e uma variedade de outros poluentes tais como gases inorgânicos tóxicos, carcinogénios, hidrocarbonetos e microelementos. A combustão de petróleo gera principalmente dióxido de enxofre e óxidos de azoto. O primeiro depende principalmente do teor de enxofre e o segundo da temperatura de combustão. O gás natural é um combustível comparativamente limpo. A sua combustão produz pequenas concentrações de dióxido de enxofre e partículas, embora seja comparável à combustão do carvão e petróleo no que se refere à libertação de óxidos de azoto.
  A produção de energia nuclear liberta microelementos radioactivos, cujos níveis de radiação são normalmente baixos. No entanto a eliminação de resíduos radioactivos é um problema ainda por resolver. Existem ainda preocupações associadas com as fugas acidentais de radioactividade, que constituem o cerne das preocupações nas análises de risco.

3.3 Gestão de recursos hídricos


  Projectos de desenvolvimento de infraestruturas de recursos hídricos tais como, reservatórios para abastecimento de água, barragens hidroeléctricas ou de controlo de cheias, canais de escoamento de água, sistemas de irrigação e diques alteram a hidrologia das bacias e a hidráulica dos lençóis de água, provocando alterações nos ecossistemas aquáticos.
  Em climas temperados e nos trópicos é frequente o aparecimento de algas em lagos e reservatórios que são usados para abastecimento de água, afectando a qualidade da água potável eactividades como a natação e esqui aquático.
  O efeito mais directo de represas e canais consiste na procriação de certos tipos de mosquitos, moscas e caracóis aquáticos que podem albergar e transportar diversos microrganismos de carácter parasírico. Na Tabela l estão sumarizados exemplos de doenças transmitidas por parasitas tais como a malária e febre dengue. Estas doenças são frequentes nas regiões tropicais e sub-tropicais.
  A construção de barragens provoca a inundação de terras e povoações circundantes, criando um problema de carácter social associado à perda de habitações e costumes sociais da comunidade. As pessoas que lá vivem são normalmente realojadas num novo ambiente físico e social ao qual têm dificuldade em se habituar. A tensão social imposta a estas pessoas pode causar desordens mentais e outros problemas de saúde.

3.4 Agricultura


  Os efeitos do desenvolvimento agrícola na saúde incluem a poluição da água devido a desperdícios agrícolas e uso excessivo de químicos, como por exemplo os fertilizantes e pesticidas.
  Os desperdícios agrícolas, particularmente os resíduos animais, produzem grandes concentrações de matéria orgânica que pode poluir a água e por conseguinte resultar em efeitos adversos para a saúde. O excessivo uso de fertilizantes químicos pode originar a deterioração da água de lagos e reservatórios provocando por consequência a deterioração da qualidade da água potável.
  Em quase todo o Mundo a agricultura moderna depende do uso de pesticidas. Os pesticidas podem dar origem a:
  - Resíduos na alimentação das pessoas (e.g. vegetais, frutos, peixe e carne);
  - Contaminação das fontes de água potável (à superfície e em lençóis subterrâneos);
  - Exposição aos pesticidas enquanto se procede à sua aplicação;
  - Exposição não intencional de pessoas resultante de uma aplicação descuidada, transporte, armazenagem e destruição dos recipientes;
  - Erros de gestão de resíduos perigosos nas fábricas de produção de pesticidas.


3.5 Extracção mineira e fundição




  É do conhecimento geral que estas actividades geram vários poluentes nocivos para a água e para o ar. O impacte destes poluentes na saúde são ambientais e profissionais.
  Um dos maiores poluentes resultantes da fundição do ferro é o dióxido de enxofre, uma vez que a maior parte dos minérios de metal são minérios ricos em enxofre. São vários os químicos usados para a fundição de metais pesados, como por exemplo o chumbo, mercúrio, arsénio e cádmio que contaminam a água e o ar. Estes poluentes afectam a saúde das pessoas de diversas formas. Em Toyama, no Japão, grandes concentrações de cádmio from lançadas por uma mina para o rio. A jusante o rio era usado para irrigação de campos contaminando o arroz com cádmio. O resultado foi o aparecimento da doença "itai-itai" na perfeitura de Toyama.
  Há diversas implicações que podem ser retiradas da Figura 1. Por exemplo a co-existência de riscos tradicionais e modernos (sobreposição de riscos) podem criar situações onde novos e mais complexos problemas devem ser resolvidos. Normalmente a introdução de uma nova tecnologia reduzo risco total, no entanto existe a possibilidade de novos riscos. Na ponderação do factor de risco deve-se enveredar pela aplicação de uma tecnologia que permita uma maior amplitude de redução desse risco.
  Embora o factor de risco possa ser reduzido, há pessoas que estão mais expostas ao risco do que outras, é exemplo disso o fenómeno de "não na minha vizinhança" (not in my backyard) para a localização de instalações fabris potencialmente perigosas. Em países em vias de desenvolvimento onde o rendimento não esteja igualmente distribuído, a dispersão do risco é amplamente variável (trata-se de uma questão de equidade na distribuição do risco). Os ricos enfrentam menos riscos que os pobres. Nesses países a questão da exposição ao risco necessita de ser cuidadosamente analisada e ponderada. Em países com rápido crescimento económico, o tipo de risco que se enfrenta varia tão rapidamente que as políticas de redução de risco adoptadas ficarão rapidamente obsoletas. Este dinamismo da transição de riscos necessita de uma cuidadosa avaliação quando se desenvolverem políticas de controlo de risco.
   *Assessor Regional da OMS para a Saúde Ambiental
   Este artigo foi traduzido por Pedro Correia