No Japão o verde também é encarnado
Eduardo Kol de Carvalho*
O arquipélago japonês é constituído por um infindável número de ilhas de origem vulcânica que se estendem meridionalmente por mais de 2.000 quilómetros e que são formadas na sua maioria por montanhas que atingem os 3.000 metros de altitude.

Com quatro estações, recebendo abundante precipitação durante todo o ano, seja em forma de neve ou de chuva, três quatros do Território do Japão estão cobertos por floresta.
No Japão Oriental, a floresta é essencialmente de folha caduca ao contrário da costa ocidental onde a floresta é de folha persistente que é substitutida nas montanhas mais altas e na ilha setentorial de "Hokkaido", pela floresta de coníferas.
A floresta japonesa é essencialmente constituída por cedro japonês, criptomérias, cipreste, pinheiro vermelho japonês e bambú.
Para o japonês, a floresta faz parte do seu habitat, da sua cultura e da sua religião. O povo japonês aprendeu desde sempre que a floresta o protege e lhe proporciona os recursos de que necessita. Habitando um território essencialmente montanhoso, com declives abruptos, em que dez por cento do Território tem inclinações de mais de trinta e cinco graus, o japonês habita apenas as planícies da costa ou as pequenas plataformas encaixadas nas montanhas, deixando a floresta cobrir sessenta e seis por cento da superfície do Território.
Professando o "Shitoismo", o japonês assume como religião a protecção da natureza e implicitamente da floresta que em contrapartida o cumula de bençãos e bens.
Desde os tempos mais remotos que o Japão procurou na floresta e sobretudo nos bosques que rodeavam as povoações, a matéria-prima para construir as casas e abrigos, lenha ou madeira para carvão e até cogumelos, tão importantes na dieta nipónica.
Por seu turno, a floresta sempre protegeu o japonês da erosão do solo, das cheias, das derrocadas tão comuns nas montanhas japonesas, constituindo fonte geradora de recursos hídricos a que também chamam a Barragem Verde.
Face ao importante valor da floresta para a economia e segurança do Japão, o Governo "Tokugawa" (1603-1867) adoptou um sistema que proíbia os madeireiros em algumas florestas e promovia o reflorestamento nas áreas derrubadas pela extracção industrial com o advento do período Meiji (1868-1912), o sistema de protecção florestal foi importado do ocidente, sobretudo da Alemanha, dando corpo à Lei da Floresta de 1897.
Já no pós-guerra, a excessiva utilização da floresta na reconstrução do Japão, a procura de fontes de energia, o abandono da política de planeamento florestal e a liberalização dos mercados provocaram o excessivo abate da floresta, ameaçando a segurança das populações com o aumento das cheias, derrocadas de montanhas e outros desastres causados pela desflorestação.
Em 1950, com a realização do "Dia da Árvore", o Japão estimulou o movimento pela reflorestação e protecção à floresta. Desde então, mais de 300.000 hectares são plantados anualmente chegando-se ao computo de dez milhões de hectares em quarenta anos.
Presentemente, com sessenta e seis por cento da superfície ocupada pela floresta, o Japão ocupa uma posição cimeira no mundo, só equiparada à Finlândia (76,1 por cento) e à Suécia (68,0 por cento) como um dos países mais densamente florestados. Já do ponto de vista de ocupação da floresta por habitante, a posição do Japão é bem mais modesta.
Também o papel da floresta japonesa no Japão tem diminuído drasticamente. Com a liberalização dos mercados e a modernização da sociedade japonesa, não só o preço da madeira nacional é superior à importada, como a utilização desta tem decrescido.
Apesar dos recursos terem aumentado, cifrando-se em 3.5 bilhões de metros cúbicos, e do Japão ser auto-suficiente nos produtos florestais em 1965, hoje apenas vinte por cento das necessidades do mercado são cobertos pela produção nacional. Mas mesmo se a indústria nacional tem aparentemente perdido o interesse pela floresta, há de dia para dia não só uma maior preocupação com esta riqueza mas uma maior atenção à sua protecção.
A instituição do "Dia da Árvore" e do festival organizado em torno da floresta, que anualmente é imputado a uma Prefeitura e no qual participa o Imperador, tem chamado a atenção das populações e contribuído para a criação de movimentos de voluntariado de apoio à floresta.
A Conferência do Rio, em 1992, e mais recentemente a COP 3 (Terceira Conferência das Nações Unidas sobre a Convenção das Alterações Climáticas) em Quioto, têm alertado para os problemas do aquecimento do globo e consequente alteração climática, destruição da camada do ozono, proliferação das chuvas ácidas, desflorestação e desertificação, problemas todos eles intimamente ligados à protecção da floresta e a que os japoneses e as autoridades nacionais e locais têm dado o maior cuidado.
Por isso é que, apesar da crescente desvalorização económica (por agora) da floresta japonesa, a política florestal nipónica tem transmitido à população o conceito de que a floresta não pertence ao Estado mas ao povo.
Fomentando os movimentos de apoio à floresta, milhares de japoneses servem o país voluntariamente na limpeza da floresta, contribuindo o Estado e os Governos Locais com incentivos para a valorização da floresta.
Na Prefeitura de "Kanagawa", na área metropolitana de Tóquio, o Governo Local promove desde 1997, um programa para o reflorestamento que inclui 36.200 hectares de floresta pública e privada para conservação dos recursos hídricos.
Empresas privadas como a "Toyota", num outro exemplo, instituiu uma sociedade local em 1996, para apoio à reflorestação das áreas próximas à sua zona de implantação.
Na Prefeitura de "Toyama", um grupo de 3.000 voluntários limpa anualmente a floresta por forma a impedir a aplicação de herbicidas pelos helicópteros. Outros movimentos ainda, como o dos pescadores de "Hiroshima", têm promovido a reflorestação do Território como forma de proteger os recursos piscícolas da região.
Também importante tem sido o papel atribuído à mulher, encorajando a sua participação nas acções e movimentos, através da educação e treinos especiais.
Estas e outras acções têm reforçado junto da população o interesse pela floresta e o seu valor na prevenção contra a erosão, conservação dos recursos hídricos, manutenção do habitat, génese purificadora do ar, local de recreio e fonte de equilíbrio terapêutico para a sociedade.
Estes princípios são comuns a toda a floresta, seja ela nacional (20 por cento), privada ou comunitária. Parte delas estão protegidas e outras, como as florestas de "Yakushima" ou Shirakami" estão classificadas como património natural mundial pela UNESCO.
Sensibilizados para a protecção da floresta, educados para a conservação da natureza, concentrados em grandes urbes, os japoneses têm um especial gosto pelo contacto com a natureza o que os leva a admirar os espectáculos proporcionados pela evolução das estações.
Pela Primavera é vê-los de norte a sul à procura da primeira árvore em flôr culminando com o impressionante "Festival" das cerejeiras em flôr que junta novos e velhos, homens e mulheres, jovens e crianças de todas as classes sociais de todos os níveis etários. No Outono, são as folhas encarnadas a transformar as paisagens. O verde muda para encarnado e de novo temos toda a população em êxtase perante o espectáculo da natureza.
Será em parte este enorme carinho dos japoneses pela floresta, para além de uma protecção à árvore assimilada por muitas gerações, que explica o grande interesse do Japão pelo verde, ou se quizermos no Outono pelo encarnado e que deveria ser seguido talvez na China, certamente em Portugal, onde a falta de água, a agricultura não competitiva, os periódicos incêndios, a degradação ambiental do litoral, são problemas com que se debate o país sem solução à vista.
*Arquitecto. Conselheiro Cultural da Embaixada de Portugal no Japão.
