Política Ambiental



Consumo verde

Alexandre Ho*

  Os dois temas - " protecção do Ambiente" e "direitos dos consumidores" - parecem, à primeira vista, não ter qualquer relação. Contudo, com o surgimento e divulgação do "consumo verde", a relação entre a protecção do Ambiente e o consumo passa a estar na ordem do dia do público em geral e, em particular, dos consumidores.
  As organizações de consumidores não só estão preocupadas com os problemas actuais dos consumidores como também com os seus interesses de longo prazo, defendendo que o consumo presente não deve afectar a qualidade de vida e o futuro desenvolvimento da sociedade, isto é, do conjunto dos consumidores. Por isso, as organizações dos consumidores reconhecem a grande importância da protecção do Ambiente.
  


Protecção ambiental e crescimento económico


  
  A generalidade das pessoas pensa que os objectivos da protecção ambiental e do crescimento económico colocam sempre os legisladores perante um dilema. Também muitos pensam que a preocupação com o Ambiente constitui um obstáculo no caminho do desenvolvimento económico e social.
  A ideia de desenvolvimento pressupõe que os avanços da ciência e da tecnologia trazem riqueza à sociedade. Desde a Revolução Industrial Europeia que a ideia de "sociedade de consumo" se instalou profundamente nas mentalidades e teve um grande impacto na vida moderna. O crescimento da procura por parte dos consumidores provocou o aumento da oferta por parte dos produtores. Isto, para lá de provocar o crescimento económico, diminuiu a taxa de desemprego. Por isso, alguns economistas encontraram uma relação entre a procura e o crescimento económico, o que na prática levou a que o estimulo à procura, fosse considerado uma boa política económica. Tudo isto reforça a ideia de que o crescimento económico é a solução para a pobreza do mundo. Esta crença ganhou popularidade até aos anos oitenta do nosso século. Esta noção prevaleceu durante décadas na nossa sociedade e foi fundamental para a Economia Keynesiana. A ideia do "consumismo" não só exerce uma grande influência nos gastos das famílias como também altera a forma como os produtores fazem os seus negócios. Em ordem a aumentar a oferta, para responder a uma procura sempre crescente, utilizam para além de novas tecnologias e métodos de produção, as técnicas do "marketing" para escoar os seus produtos. O "marketing" que significa colocar os produtos no mercado, inicialmente destinava-se muito simplesmente a informar que os produtos se encontravam disponíveis mas, posteriormente desenvolveu-se na indústria, como responsável pelas vendas dos produtos a par da própria qualidade. A insistência do "marketing" no mundo empresarial de hoje pode ser bem avaliada nas notas de despesa das companhias, com os custos de "marketing" a serem responsáveis por quotas cada vez maiores na estrutura de custos das empresas.
  

O impacto do consumismo


  
  Para onde nos leva a "onda consumista"? Será para o crescimento económico? Vejamos alguns dados:
  Mais de um bilião de pessoas no mundo vive abaixo da linha de pobreza, 2 biliões de pessoas não tem acesso a água potável; e cerca de 3,1 biliões não têm facilidades sanitárias adequadas;
  Cerca de vinte por cento da população mundial vive nos países desenvolvidos. Deve-se a este quinto da população mundial o consumo de oitenta e cinco por cento de alumínio e produtos químicos sintéticos, de oitenta por cento de energia utilizada pelo comércio, de setenta e cinco por cento de madeira, de sessenta por cento de carne, fertilizantes e cimento, de cinquenta por cento de pesca e cereais e de quarenta por cento do consumo de água potável.
  Os países desenvolvidos são ainda responsáveis por uma grande parte dos resíduos tóxicos químicos, noventa e seis por cento dos resíduos tóxicos e noventa por cento de CFC, responsável pela destruição da camada de ozono;
  Se o crescimento do consumo, nos países em desenvolvimento, for tão rápido como o tem sido nos países desenvolvidos, as actuais minas de cobre durarão menos de dez anos, as minas de chumbo menos de cinco anos e as minas de alumínio cerca de trezentos anos. Além disto, 1,6 milhões de hectares de terras cultiváveis desaparecerão anualmente.
  Economistas, como Malthus, disseram há centenas de anos, que a população cresce mais rapidamente do que a produção. O crescimento contínuo da população levará, eventualmente, à fome em grande escala, à medida que as terras para cultivo vão escasseando. Essas profecias, graças às inovações tecnológicas e aos novos métodos agrícolas que acompanharam a Revolução Agrícola na Europa, nunca se concretizaram mas, também, nunca foram desmentidas. Cientistas e gestores travam, porém, uma luta contínua contra as novas pragas e a sistemática destruição ecológica. Assim, chegamos às questões que relacionam a rapidez a que se processa o desenvolvimento tecnológico e aquilo que está errado nos novos hábitos de consumo actuais. Algumas pessoas começam a realizar a importância da coexistência "pacífica" do consumo e do seu impacto sobre o Ambiente.
  

Consumo sustentado


  
  O conceito de "protecção do Ambiente" está a entrar gradualmente nos hábitos de consumo das pessoas. A noção de "consumo verde" e de produtos "amigos do Ambiente" tem sido largamente divulgada, fazendo com que os consumidores adquiram produtos cujo impacto negativo, no Ambiente, seja reduzido. Por outro lado o "consumo verde" encoraja as pessoas a enquadrar os seus hábitos de consumo dentro de parâmetros e preocupações ambientais. Por exemplo, economizando na utilização de energia, utilizando produtos recicláveis ou dando prioridade aos transportes públicos. Estes primeiros passos dados pelos consumidores serão, sem dúvida, seguidos pelas forças do mercado, pelos produtores e fornecedores de serviços que passam, também eles, a utilizar tecnologias de menor risco. As forças do mercado trazem algum benefício pelo mecanismo de procura e oferta mas, a questão que se coloca é a seguinte: será isto suficiente?
  A enfase do "consumo verde" encontra-se a nível do consumo individual. Todavia, existem alguns aspectos que têm de ser analisados. Devido a problemas não solucionados referentes à produção e técnicas do "marketing", o consumo verde pode não implicar, necessariamente, a redução do consumo. O inadequado conhecimento de tais produtos pode conduzir a escolhas incorrectas por parte dos consumidores. Além disso, os consumidores verdes são muitas vezes cerceados pela sociedade na escolha de alternativas acessíveis e variáveis. Algumas pessoas pensam que as suas responsabilidades acabam simplesmente porque adquirem produtos "amigos do Ambiente", pese o facto do seu consumo excessivo. Por último, mas não menos importante, o esforço individual dos consumidores pode não atenuar a actual desigualdade na distribuição de recursos. Ambas as situações de sub-consumo e sobre-consumo existem. A redução de consumo por parte de alguns, pode não ser compensada pela redistribuição para as pessoas que dele precisam. Por conseguinte, devemos defender com maior convicção a ideia do "consumo sustentado".
  Em termos gerais, "consumo sustentado", significa que o consumo global da sociedade é capaz de manter o crescimento do Ambiente, isto é, que a utilização dos recursos naturais não deve exceder a disponibilidade do "espaço ambiental", reforçando ainda uma maior uniformidade da distribuição de recursos.
  Como acima se mencionou, a noção de "recursos limitados" que antes existiu não foi tomada a sério. A ideia de economia liberal ainda é considerada como a forma mais eficaz de afectar recursos. Contudo, externalidades, como por exemplo a poluição, nunca são incluídas na análise de custo-beneficío dos produtores individuais. Assim é essencial que os órgãos do governo contabilizem estes custos e penalizem esses gastos reduzindo o uso excessivo dos recursos por meio da utilização de instrumentos como os impostos etc… Mais, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) é muitas vezes acompanhado de custos sociais (i.e. poluição atmosférica, congestão de tráfego, etc…). As pessoas de facto estão mal. Face à escassez de recursos e apesar dos avanços tecnológicos, não devemos conceber como nosso último objectivo o crescimento infinito. O crescimento do PIB não deve ser um objectivo nacional isolado, que negligencie a utilização e distribuição correcta dos recursos.
  Em conclusão, o "consumo verde" proporciona um excelente ponto de partida para encorajar a redução do consumo individual. Acresce que teremos de redifinir os objectivos do desenvolvimento e ir ao encontro das nossas necessidades, tomando em consideração os constrangimentos do Ambiente. Precisamos de um conjunto de valores que têm no desenvolvimento sustentado da natureza, o cerne do desenvolvimento humano.
  
  *Presidente da Comissão Executiva do Conselho do Consumidor.