Política Ambiental



Estratégia ou Panaceia

Adelaide Espiga*

  Neste final de século, as transformações alcançam uma amplitude de tal modo generalizada, que se reflectem em todas as vertentes da actividade humana. Urge que seja escolhida uma estratégia de mudança, que inverta a polaridade da dialéctica até agora estabelecida entre o Homem e o seu quadro natural.
  A educação é, sem dúvida, um dos instrumentos determinantes dos critérios de escolha, já que poderá promover o desenvolvimento de competências adequadas.
  Num momento em que a crise domina todos os sectores da actividade humana, as estratégias de desenvolvimento apontam para um protagonismo da educação, entendida como um processo promotor de uma reflexão introspectiva, da estruturação de novos sistemas de valores conducentes a um desenvolvimento que garanta, por um lado, a manutenção dos sistemas naturais suportes da vida, e, por outro lado, a qualidade de vida do Homem.
  O conceito de crescimento económico, baseado no sistema produção/consumo, na exploração ilimitada dos recursos naturais, evoluiu para o conceito de desenvolvimento sustentável, que pressupõe uma gestão das componentes ambientais de acordo com novos critérios, a qual exige gestores com uma visão holística e com um conhecimento profundo do historial da evolução das relações do Homem face ao seu quadro natural (físico, químico, biológico) .
  Os objectivos da designada Educação Ambiental parecem satisfazer as necessidades subjacentes a estes novos conceitos, podendo assim formular-se a hipótese de que a Educação Ambiental deverá constituir o motor, ou um dos motores fundamentais da mudança.
  Assim, a Educação Ambiental é hoje sugerida como a panaceia para a resolução de todos os problemas emergentes da difícil relação do Homem com o seu ambiente e para a solução das disfunções dos sistemas naturais, face à inoperância de grande parte das soluções tecnológicas.
  Do obscurantismo de uma fase inicial à ribalta a que nos últimos anos foi guindada pelos vários documentos de estratégia e de política ambiental, a Educação Ambiental tem sido objecto de diferentes designações e de alguma, para não dizer muita, indefinição no que respeita aos objectivos, às práticas e aos conceitos.
  Procuraremos encontrar as origens da Educação Ambiental tão remotamente quanto possível, embora saibamos à partida que, apenas a partir de 1970, aparecem, a nível internacional e, posteriormente, a nível nacional, documentos oficiais que procuram estabelecer as bases de uma nova filosofia de educação, que, ao invés das correntes de pensamento mais em voga, apela para uma reaproximação do Homem com o seu quadro natural.
  A literatura portuguesa do século passado apresenta uma infinidade de situações que se enquadram no conceito que defendemos de educação ambiental, embora não seja referida como tal. Na última década aparece referida no dicionário a palavra mesologia. Talvez por isso, e numa clara alusão ao meio como objecto de estudo, encontra-se a designação de educação mesológica por alturas dos anos cinquenta.
  É importante recordar que, no último quartel do Século XIX, como reacção à degradação das paisagens, começa a desenvolver-se o culto da natureza como símbolo de harmonia. Os jardins multiplicam-se, criando uma tela multicor em torno das casas senhoriais, defendendo os seus ocupantes de imagens mais duras das áreas circundantes.
  Paralelamente, vão evoluindo conceitos de defesa/conservação/preservação da natureza, construídos sempre em torno de algo irreal porque isolado do contexto hipercomplexo dos sistemas naturais, regidos por leis extremamente rígidas, que giram em torno das interacções dos seres vivos e do meio físico e químico que os suporta.
  No final da década de sessenta, a perturbação resultante da detecção de graves situações de degradação aumenta a preocupação do mundo da ciência, em especial dos naturalistas, que vão registando concretas disfunções dos ecossistemas naturais, especificamente no que se refere a algumas espécies notáveis, cujas populações começam a diminuir para níveis extraordinariamente diminutos.
  A publicação, nos Estados Unidos, do Livro A Primavera Silenciosa, de Rachel Carson provoca, entretanto, um escândalo na Sociedade Americana, ao denunciar o desaparecimento de algumas espécies comuns, como por exemplo as borboletas que alindavam e coloriam os jardins.
  Rachel Carson atribuía este desaparecimento à utilização desregrada dos biocidas, produtos que eram apresentados como exemplo da capacidade de intervenção tecnológica do Homem. Este era o ponto de partida para um discurso sobre futurologia, que infelizmente se veio a revelar, em alguns casos, muito próximo da realidade.
  Na década de setenta, multiplicam-se as conferências em torno de temas conservacionistas. A UNESCO lança o Programa Biológico Internacional, a que se seguiu o programa MAB com o objectivo de estruturar conhecimentos científicos indispensáveis à gestão da Biosfera.
  O Clube de Roma, forum de políticos, financeiros, economistas, homens de ciência, etc, discutindo em conjunto temas ambientais, produziu um relatório conhecido por Os Limites do Crescimento, orientado pelo casal Meadows, que constituiu um importante documento de referência e reflexão.
  O impacte deste relatório só foi suplantado, dezassete anos depois, pelo relatório "O nosso Futuro Comum" apresentado na 42ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas em Outubro de 1987, e elaborado pela WCED - Comissão Mundial do Ambiente e Desenvolvimento, criada por resolução das Nações Unidas em Outubro de 1983 e presidida pela Primeira Ministra da Noruega Gro Brundtland. Deste relatório foi extraída uma mensagem que adquiriu relevante popularidade- " pensar globalmente, agir localmente"
  É interessante assinalar uma importante alteração na sensibilidade do Homem. Ele deixa de se preocupar exclusivamente com aquilo que o seu sistema sensorial detecta, e passa a preocupar-se também com o futuro e com a herança do património das gerações.
  A estratégia de desenvolvimento passa a ser previsionista e a componente ambiental começa a ter um valor económico real.
  A simples sensibilização deixa, porém, de ser suficiente; tem que se partir para uma política mais participativa. Os problemas ambientais perdem a sua dimensão regional e tornam-se planetários. O Homem apercebe-se finalmente que habita uma nave espacial com recursos finitos.
  Em 1972, realiza-se, em Estocolmo por iniciativa da ONU, uma Conferência sobre Ambiente Humano, subordinada ao título "Há só uma Terra", com o objectivo de discutir, a nível global, os problemas na altura ainda designados como ecológicos; de lançar as bases para uma cooperação internacional, que começa a sentir-se necessária; e de salientar a importância da preservação do ambiente nos programas de desenvolvimento.
   É criado o PNUA (Programa das Nações Unidas para o Ambiente) que curiosamente fica sediado em Nairobi. As conclusões desta conferência constituem uma carta de princípios hoje conhecida como Declaração do Ambiente, que foi objecto de reflexão profunda quando, em 1992, se realizou a Conferência sobre Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, e se tentou fazer um balanço de vinte anos de filosofia e práticas ambientais.
  Começamos já a antever a complexidade de interrelações que gradualmente se vão estabelecendo entre Educação - Ambiente - Desenvolvimento, que tentaremos problematizar.
  Analisando a posição da educação neste dédalo de relações e de conflitos de interesses e de filosofias, poderemos talvez compreender a dificuldade revelada pelos sistemas educativos de construirem as bases de uma Educação, que cumpra o objectivo principal - a formação de um cidadão consciente e participativo, actor de pleno direito e a tempo inteiro nesta aldeia global que é a biosfera.
  A resposta a esta e outras questões similares tem preocupado o Homem de todas as épocas, credos e áreas das diferentes ciências, sem que uma fórmula satisfatória tenha sido encontrada até hoje.
  O paradigma ecológico tem procurado estabelecer o modelo das relações entre todos os seres vivos e o seu quadro natural. A Ecologia evoluiu, de um estudo puramente naturalista de ecossistemas singulares, para um estudo global de uma nova unidade - a biosfera - orientado numa perspectiva pluridisciplinar sist~'1nvolver-se como um conjunto de princípios heurísticos, na medida em que se assume como tributária da crise do relacionamento do Homem com a Natureza.
  Na opinião de Serge Moscovici, a natureza tem uma história recente especificamente humana , sendo os homens os sujeitos criadores dos "estados da natureza"
  A história da Ecologia tem tentado fazer uma interpretação evolucionista das relações entre as populações humanas e o seu ambiente, dado que o factor tempo é preponderante nos mecanismos que asseguram a estabilidade e o funcionamento dos ecossistemas sociais, bem como nos processos de degradação das fundamentações ecológicas.
  "… uma história que decorre lentamente e muitas vezes feita de retrocessos repetidos e de ciclos sem fim, permanentemente recomeçados"1.
  Por outro lado , Pierre Gouru refere que todas as crises no uso da natureza resultam de crises no modo de vida do Homem (... e dão origem a novas crises, acrescentamos nós).
  O humanismo clássico, que considerava o homem dono e senhor da natureza, é hoje substituído pelo conceito de convivência - ninguém domina ninguém. A permuta dos "mosqueteiros do rei" é bem expressiva e clara.
  Michel Serres, no seu livro Le contrat naturel, acusa-nos de negligência por esquecermos o contrato natural que nos liga à Terra, um novo laço metafísico que pretende seja a oposição do contrato social.
  Guindada a esta dimensão planetária, a Ecologia, constitui hoje um importante auxiliar da problemática Ambiental e pensamos que também da problemática educativa, na medida em que não conseguimos separar uma da outra.
  "Ninguém, doravante, poderá pretender produzir por produzir, nem fará funcionar uma fábrica só para pagar salários e evitar o desemprego. É indispensável que perguntemos a nós próprios porque produzimos e como o fazemos..."; " Nenhum político poderá, doravante, lançar-se num projecto grandioso só para deslumbrar as populações e ser eleito."2
  A Teoria do Caos descreve o modo como os sistemas naturais operam mudanças significativas dentro de um padrão geral - o equilíbrio dinâmico . Quando as mudanças são de largo espectro, o sistema muda subitamente para um nível de equilíbrio totalmente novo, para um padrão totalmente novo, com novas fronteiras.
  Neste contexto, pensamos ser fundamental que a formação tecnológica seja acompanhada do desenvolvimento de competências de diversa índole que permitam ao homem/técnico/actor aumentar as probabilidades de efectuar escolhas acertadas .
  O homem do limiar do Séc. XXI vê-se confrontado com uma quantidade tão grande de informação disponível, que a maior dificuldade reside no facto de conseguir encontrar modelos funcionais para promover a sua gestão correcta.
  As civilizações antigas zelavam pela manutenção da informação acumulada e pela sua transmissão de geração em geração. Hoje, enormes quantidades de informação não usada acabam por constituir uma nova espécie de poluição .
  " O facto de se estar a viver uma crise na educação que coincide com o excesso de informação não é coincidência. A educação é a reciclagem do conhecimento, mas achamos mais fácil gerar novos factos do que conservar e usar os conhecimentos que já possuímos."3
  Neste contexto internacional, Portugal foi naturalmente traçando o seu próprio percurso, em função dos seus dados culturais. Já referimos todos os pioneiros que, com apurado desenvolvimento sensorial, construíram obras literárias que são verdadeiros hinos à natureza e à relação equilibrada do homem com a sua envolvente.
  Encontramos nos nossos escritores textos com críticas ao sistema educativo e às estratégias de crescimento/desenvolvimento com uma actualidade notória. Noutros casos, o relato das relações homem/ ambiente são um bom exemplo de como tudo é cíclico, nomeadamente as correntes onde se filia o pensamento.
  "... e assim, voltando-se para a natureza restava-lhe esta possibilidade de distracção de si mesmo: estudá-la, dominá-la e criar um conjunto de métodos que o levaram ao desenvolvimento extraordinário do industrialismo, do comércio, do capitalismo e de tudo o mais que pode ser catalogado sob a rúbrica do esquecimento do homem pelo homem"4.
  No início da década de setenta, acompanhando, por um lado, a implantação das estruturas e das políticas de ambiente em Portugal, e, por outro lado, acompanhando a dinâmica internacional que começava a desenvolver-se, foram lançadas, por uma equipa ligada à então recém - criada Comissão Nacional do Ambiente, as bases de uma estratégia que visava modelar os comportamentos do Homem do Século XXI, conferindo-lhe competências para gerir, de um modo inovador,a complexidade das interacções entre o sistema geneticamente determinado e o sistema dos princípios adquiridos (práticas, conceitos, valores, etc.).
  As ligações ao sistema de ensino eram, de início perfeitamente esporádicas e só gradualmente alguns técnicos das direcções gerais dos ensinos básico e secundário se começavam a interessar, a título individual, por esta nova filosofia de ensino, que procurava fundamentalmente estabelecer um primeiro elo entre a criança e o seu meio envolvente.
  Pretendia-se que os conhecimentos a ministrar, de acordo com os programas em vigor, surgissem integrados e de algum modo relacionados com a realidade próxima do jovem.
  Partindo exclusivamente do interesse pessoal e das boas vontades, foi-se criando um núcleo duro de agentes de ensino interessados na inovação, que funcionavam como multiplicadores da mensagem e dinamizadores de experiências.
  Estas experiências podiam apresentar algumas falhas a nível conceptual, podiam constituir algo de estranho nos sistemas pedagógicos vigentes, mas resultavam sempre numa prática notavelmente estimulante para formadores e formandos, deixando em todos vontade de partirem para novas experiências.
  Quer a nível formal, quer a nível não formal, a dinâmica instalou-se e, embora o sistema em si continue relutante em integrar, na sua globalidade, esta nova pedagogia, não podemos ignorar que muito foi feito e continua a fazer-se, e, se a visibilidade dos resultados nem sempre é a desejada, não podemos esquecer que os processos educativos, dado o seu carácter de continuidade, são sempre morosos .
  "... será que a Educação, enquanto processo e enquanto pensamento está condenada a ser um movimento de resistência , procurando salvar da destruição a Pessoa e a construção da História pelo agir de sujeitos livres e participantes? "5.
  A Educação Ambiental começou e permanece, do ponto de vista estrutural, mais ligada às instituições do ambiente, que lhe deram voz em português, do que às estruturas de algum modo responsáveis pelo Ensino.
  A Reforma do sistema de ensino ensaiou timidamente a sua aproximação à Educação Ambiental, criando a Área Escola um espaço pedagógico facilitador do desenvolvimento de competências transversais, da reflexão e da construção de sistemas de valores adequados à emergência do conceito de cidadania, mas infelizmente tem sido muito mal compreendido pela instituição escola.
  A Lei de Bases do Ambiente conferiu um especial relevo à participação do cidadão , à informação e à educação ambiental, criando uma estrutura totalmente inovadora na Administração Central, o Instituto Nacional do Ambiente, com competências específicas nestes campos, a par de competências no âmbito das políticas de Ambiente.
  O Plano Nacional de Política do Ambiente pretende dar uma enfase especial à educação e à sua problemática, recuperando os objectivos e as finalidades propostos pela educação ambiental,
  " Pressupondo que a resolução dos problemas ambientais passa pela mudança de atitudes, a Educação Ambiental perspectiva-se no sentido de formar uma população consciente , preocupada e interveniente, valorizando o desenvolvimento do sentido crítico, a consciência da interdependência pessoal e do valor da solidariedade."6.
  No dealbar do novo milénio importará proceder a uma cuidadosa avaliação das metodologias, dos processos e dos resultados e, à elaboração de novas estratégias adequadas.
  As Redes de Escolas, que se estão a implementar em torno de projectos específicos, serão os embriões de uma grande rede nacional, que permitirá perceber a unidade global a partir das diversidades locais e avaliar os impactes das pequenas mudanças possibilitando o seu redimensionamento.
  
  *Directora de Serviços de Formação Ambiental, no Instituto de Promoção Ambiental (IPAMB). Licenciada em Ciências Biológicas pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Mestrado em Ciências da Educação - Educação para o Desenvolvimento.
  1 Braudel "La Méditerranée et le Monde Méditerranéen à l'Époque de Philippe II ".
  2 Cans, Roger "Verdes- A Encenação Ecológica"p.227.
  3 Al Gore, " A Terra à Procura de Equilíbrio",p.214.
  4 Santos, D. "Obras Completas", vol. III, p. 343.
  5 Ambrósio,T.
  6 Plano Nacional de Política do Ambiente, p 187.