Ecologia: porquê e para quê
António Manuel de Paula Saraiva*
A palavra "ecologia" foi proposta por Ernest Haeckel, um biólogo alemão, em 1860, para significar "o estudo científico das interacções entre os diferentes organismos, e entre estes e o meio ambiente em que vivem". Haeckel formou este termo com as palavras gregas "oikos" (que significa "casa") e logos ("conhecimento").
O sucesso desta palavra, que exagerando um pouco, se tornou uma quase "religião" dos nossos dias proveio da constatação de que a nossa "casa" - o Mundo - estava a mudar - e mudar para pior - pondo em risco a vida de numerosos animais - e plantas - selvagens, e até do próprio Homem.
Mas que nos ensina afinal a ecologia?
Nicho ecológico, ambiente e recursos
Cada organismo apenas pode viver e reproduzir-se num meio determinado - ou, dito de outra maneira, em determinada faixa de condições ambientais ("nicho ecológico") e desde que disponha dos "recursos" necessários.
Por definição, as "condições ambientais" não se esgotam com o consumo (p.ex. a temperatura) enquanto os recursos (p.ex. os alimentos) existem em quantidades limitadas, e os vários organismos competem entre si quanto à sua utilização.
Dentro dessa faixa de condições ambientais haverá um óptimo - p. ex. a temperatura de 20º C para os humanos - e valores marginais, nos quais o indivíduo se mantém, mas cada vez com maiores dificuldades, e implicando gastos de energia, até chegarmos a valores em que os indivíduos apenas sobrevivem em estado de dormência - p. ex. em "hibernação" ou em "estivação". Os animais, podendo deslocar-se, procuram as condições ambientais mais favoráveis escavando abrigos ou utilizando os existentes, migrando, etc; mas as plantas e muitos microorganismos utilizam técnicas diferentes, sobrevivendo sobre a forma de sementes ou de esporos, os quais se mantêm numa vida latente, por vezes durante dezenas de anos, passando a uma forma activa se encontram condições ambientais favoráveis.

Entretanto a distinção entre "condições ambientais" e "recursos" nem sempre é fácil de fazer: p.ex. a água será um recurso -- por vezes até muito escasso -- no meio terrestre, mas uma "condição ambiental" em meio aquático. Idem quanto à luz, que é "condição ambiental" no deserto, mas recurso numa floresta, dado que nesta as plantas mais altas ensombram as restantes; o próprio ar, melhor, o oxigénio não "conta" nos meios terrestres, mas é recurso escasso nos meios aquáticos.
Ciclos biogeoquimicos
Os organismos vivos interagem com a parte não - viva, ou "abiótica" do globo (o ar, a água e o solo) através dos "ciclos biogeoquímicos".
Assim uma parte do total da água existente na Terra encontra-se nos seres vivos, nos quais entrou a partir do meio aquático, ou por absorção da água do solo (casos existem entretanto de organismos que apenas necessitam da água existente nos alimentos) e para o solo, (no caso dos dejectos) ou para o ar (no caso da respiração e transpiração) irá voltar. Dito de uma forma mais simples: "Lembra-te de que és pó e em pó te hás-de tornar" - frase de que algumas pessoas se esquecem.
Os processos de fabrico industrial alteram por vezes estes ciclos, libertando no meio grandes quantidades de produtos que até aí existiam em quantidades limitadas (p.ex.metais pesados) provocando problemas de poluição.
Biomas e ecossistemas
As condições ambientais, entretanto, definem a nível geral os "biomas" ou grandes associações de plantas e animais, tais como a selva tropical, os desertos quentes, os desertos frios, as savanas, etc. Cada "bioma" pode caracterizar-se pela "estrutura", ou seja pelo conjunto de espécies que cada um deles em determinada proporção o compõem, e pela sua "biomassa" - pelo total de matéria viva.
Mas, a par destes grandes "biomas" outros "ecossistemas" de âmbito geográfico mais limitado, existem: um lago, uma clareira, uma encosta mais exposta ao sol e até um simples pingo de água, caindo continuamente sobre um pavimento, possibilitam o aparecimento de flora e fauna própria.
Biomassa, produtividade e sobre exploração
Os sistemas com maiores produtividades anuais são aqueles que têm abundância de água, nutrientes, luz e calor: os mangais e as florestas tropicais, e os menos produtivos aqueles em que escasseiam estes elementos - os desertos frios ou quentes.
A quantidade de biomassa produzida anualmente pode definir-se, em termos económicos, como a "produtividade" de um sistema. Assim numa mata tropical é possível retirar maior quantidade de madeira do que numa mata em região de clima mediterrânico; e num pasto do Norte de Portugal podem existir, por quilómetro quadrado, mais vacas do que num pasto do Alentejo.
Esta produtividade define assim a intensidade com que um sistema pode ser explorado. O sistema entra em rotura se a quantidade de material vivo retirado for superior à produtividade. Exemplos de sistema em rotura são os pastos das regiões secas de África, que estão em vias de se transformar em desertos, ou os oceanos nos quais as quantidades peixe são cada vez menores.
Esta noção foi aqui analisada apenas em termos quantitativos; mas deverá sê-lo também a nível qualitativo, pois, como vimos em cada sistema existem muitas espécies, cada uma delas em quantidades diferentes. Voltando ao caso das florestas tropicais, se é verdade que a sua produtividade bruta é muito grande, dada a grande diversidade de espécies que a caracterizam, a sua produtividade para um determinado tipo de árvore será menor que a de um clima continental, no qual a diversidade de árvores de uma floresta é menor.
Organismos autotróficos e heterotróficos; cadeias alimentares
Os organismos, sob o ponto de vista do modo como obtêm os alimentos, dividem-se entre "autotróficos" -- os que produzem os seus próprios alimentos, ou seja as plantas que os fabricam com a ajuda da energia solar, e algumas bactérias que utilizam para tal fim energia de reacções químicas -- os heterotróficos, que se alimentam a partir de outros seres vivos (plantas ou animais) e os detritívoros, que se alimentam a partir de material orgânico proveniente de restos de plantas ou de animais mortos.
Estas constatações indicam-nos desde logo que os animais, de um modo geral estão intimamente ligados às plantas pois se alimentam directamente a partir delas -- caso dos herbívoros -- ou indirectamente das plantas -- caso dos carnívoros que se alimentam a partir de herbívoros. Concretizando, o coelho alimenta-se de erva, a raposa do coelho, e o falcão do coelho e da raposa.
Assim, a erva é designado por "produtor", o coelho por "consumidor primário", a raposa por "consumidor secundário", e o falcão por "terciário". A isto chama-se uma "cadeia alimentar". Na realidade as "cadeias alimentares" são bastante mais complexas que a aqui apresentada: o que denominamos "erva" é um conjunto de várias espécies de plantas, sementes, raízes, etc; a par do coelho existem ratos, cobras, aves, e insectos; e nem a raposa nem o falcão são os únicos consumidores de grau mais elevado.
Não será muito difícil de entender que a biomassa de erva é superior à dos coelhos, e a dos coelhos é superior à das raposas. De facto nem todas as plantas são consumidas; muita da energia que os coelhos retiram das plantas é gasta em actividades de manutenção corporal, reprodução, deslocações, abertura de covas, etc, só restando uma pequena parte para aumento de peso que, esse sim, pode servir para alimentar a raposa; e ainda aqui seria necessário que a absorção fosse igual à ingestão, o que não é o caso, pois os processos digestivos têm sempre rendimentos inferiores à unidade. Por este motivo, isto é, por existirem em número diminuto, são os grandes carnívoros e as aves de rapina os animais que se encontram em maior perigo de extinção.
Interacções entre seres vivos
De uma forma mais geral, entretanto, pode dizer-se que todos os seres vivos são, potencialmente, fontes de alimento para outros seres vivos. Assim, a par das relações predador, presa atrás indicadas, outras existem. As doenças infecciosas, do ponto de vista da ecologia, são formas de "parasitismo", ou seja uma relação entre seres vivos em que um deles, de menor dimensão, vive à custa de outro, de maiores dimensões.
Outra forma de interacção "negativa" entre seres vivos é a "competição", na qual 2 ou mais organismos, da mesma espécie ou de espécies diferentes, disputam entre si recursos escassos (p.ex. alimentos, luz, água, espaço, etc). Mas, a par dessa imagem de uma natureza desapiedada, que serviu de inspiração a várias teorias políticas como o nazismo que pretendeu criar uma "raça pura", outras visões, ou outros aspectos se podem encontrar. A sementeira das árvores é feita em grande parte pelas aves, que comem os frutos e vão excretar as sementes em zonas por vezes muito distantes da "árvore mãe"; as abelhas e outros insectos polinizam as flores; as bactérias existentes no sistema digestivo dos ruminantes tornam aproveitável a celulose, que seria inaproveitável se o animal apenas dispusesse dos seus sucos gástricos e intestinais próprios (como é, p.ex., o caso do cavalo). Outros exemplos não tão conhecidos são de animais marinhos que ingerem algas, as quais se integram no seu aparelho digestivo, podendo assim esse animal funcionar também como "planta", fabricando parte dos seus próprios alimentos. Estas formas de interacção são denominadas "mutualismo". Mas até poderemos considerar que as relações de "presa" "predador", ou de caça, são favoráveis à espécie caçada, pois não só eliminam os indivíduos fracos ou doentes como impedem que a espécie que é "caçada" (geralmente herbívoros) atinja valores tais que provoquem a destruição exagerada dos pastos.
Ciclos de vida em diferentes organismos
Outro tipo diferente de relações entre seres vivos é-nos dado pelas espécies cujo ciclo de vida se tem de cumprir em 2 organismos diferentes. Um exemplo é o da "ferrugem" do trigo (doença que na sua fase final se traduz na produção de esporos cor de ferrugem na parte inferior das folhas) a qual tem um ciclo de vida que se passa em parte noutra planta; e variadas doenças humanas existem em que parte do seu ciclo vital é passado em animais. Um exemplo que impressionou o célebre evolucionista Darwin é o de insectos que põe os seus ovos no interior do corpo de lagartas vivas, que servem assim, à força, de fonte de alimentos.
Sucessão, comunidade climace e estabilidade
Outra noção básica da ecologia é a da "sucessão" e a de "comunidade climace". Quando se abre à colonização um novo terreno - como sucedeu p.ex. junto ao istmo "Taipa - Coloane" -as 1as formas de vida a aparecer são ervas, seguidas por alguns arbustos. Logo de seguida aparecem "casuarinas", árvores habilitadas a viver em condições difíceis. Com o rodar dos anos novas espécies, cada vez mais exigentes irão aparecendo, e isto à medida que as "espécies pioneiras" (as referidas ervas e casuarinas) forem modificando o meio de modo a proporcionar a essas espécies exigentes condições de vida. Finalmente, atingir-se-á uma forma estável, na qual, segundo os teóricos, a diversidade vegetal e animal será máxima. Um processo semelhante verificou-se no monte da Guia, o qual foi plantado com pinheiros há cerca de 100 anos. Os pinheiros abriram caminho para a instalação de muitas outras espécies de folha larga, que os acabaram amplamente por suplantar. A par destas sucessões que se verificam ao longo dos anos, existem também sucessões sazonais. P.ex. os relvados de Macau aparecem todos os invernos "infestados" por trevos, que desaparecem no período quente do ano.
O conceito de sugestão pode aplicar-se, com muita utilidade, à evolução das cidades: a Taipa está nos estádios mais iniciais, enquanto Macau atingiu há muito o "estádio climace", isto é, dispõe de todos os equipamentos que caracterizam uma cidade.
Ecossistemas perturbados
Um exemplo quase anedótico de como o homem pode alterar o ambiente e dos erros cometidos por falta de conhecimentos suficientes é relatado na obra "Basic Biogeography" de Nigel Pears (Londres, 1985). Com a ajuda do homem, foi introduzido em certas ilhas do Pacífico o caracol gigante africano (que tem até 30cm de comprimento) o qual veio a destruir numerosas culturas. Em 1937, foi introduzido um sapo da América Central para combater este caracol. Mas estes sapos tinham mais interesse pelos insectos que infestavam os caracóis mortos que pelos caracóis propriamente ditos. Mais tarde os japoneses introduziram um grande lagarto para controlar os ratos (também um espécie introduzida) os quais se comportavam como praga. Mas os lagartos viviam de dia e os ratos de noite, preferindo os lagartos os ovos das galinhas, para desespero dos ilhéus. Os sapos são também animais domésticos morreram após os terem ingerido. Como os gatos e os cães eram os únicos animais que controlavam a população de ratos, estes aumentaram ainda mais de número.
Alguns lagartos entretanto haviam começado a alimentar-se de baratas que infestavam os coqueiros - uma vantagem inesperada! - mas também do caranguejo dos coqueiros - o único animal que conseguia atacar o caracol gigante com algum sucesso.
De uma maneira mais geral, poderemos dizer que as grandes pragas da agricultura - a destruição das vinhas no século passado (1848 - 1878) pela filoxera, insecto originário da América, região na qual é inofensivo, e que só foi controlado através da utilização de videiras americanas como "portaenxertos", a doença da batateira na Irlanda (1845), originada por um fungo também de origem americana e que provocou mais de um milhão de mortos, e sequelas históricas que ainda hoje se manifestam no antagonismo entre as comunidades irlandesa e inglesa, a praga de coelhos na Austrália, e do "remédio" contra eles imaginado, a disseminação, que quase destruiu esta espécie na Europa, na qual é importante recurso económico etc, se devem sempre a espécies introduzidas, precisamente por não existirem no novo ambiente para o qual foram importadas outros animais que impeçam o seu aumento desregrado de número.
Inversamente a remoção do "elemento perturbador", nomeadamente a eliminação do pastoreio em áreas que passaram para o regime de "reservas", teve também consequências inesperadas, pois traduziu-se na eliminação de numerosas plantas de baixo porte -- que eram o principal motivo de encanto nesses locais -- suplantadas que foram por outras de maior porte, as quais, uma vez eliminado o pastoreio, tiveram condições para se desenvolver.
Entretanto as perturbações aos ecossistemas não se limitam à introdução de animais ou plantas estranhos um ecossistema pode ser simplesmente destruído (urbanizações, grandes obras hidráulicas, queimadas) seccionado (vias de circulação) substituído por outros (matas ou pastagens naturais por campos agricultados), ou ser exposto a doses de venenos de origem agrícola (herbicidas e pesticidas) ou provenientes de actividades industriais.
A este propósito julgo não ser demasiado arriscado afirmar que muitos dos problemas encontrados a nível da sanidade vegetal e animal se devem ao desconhecimento, (ou a um conhecimento académico mas que não se traduz em consequências práticas) da variedade que é própria da natureza, desconhecimento esse traduzido na monocultura de espécies agrícolas e florestais, pocilgas, aviários e vacarias industriais com animais todos da mesma idade e variedade e alimentados por rações, etc, etc.
À medida que o homem ia conhecendo todos estes tipos de relações entre os seres vivos e o ambiente, e dos seres vivos entre si, mais ia tomando consciência que uma acção, aparentemente limitada, poderia ter consequências muito para além das previstas. Por outro lado este conhecimento coincidiu com um período de explosão populacional e tecnológica, que permitiu ao homem abalançar-se a projectos de escala anteriormente inimaginável, e que portanto iriam ter consequências sobre o ambiente as mais vastas e profundas. Daí ser criada a figura do "impacto ambiental" na qual os Estados Unidos foram pioneiros em 1969, publicando uma célebre lei, depois adoptada por todos os países, na qual previa que os grandes projectos tinham que ser acompanhados de um estudo indicando quais as previsíveis modificações que o ambiente iria sofrer como resultado de tal obra (note-se entretanto que essa lei, demonstrando bom senso, recomendava que nesse estudo fosse analisado também o impacto social do progecto). Paralelamente essa consciência de que o mundo estava sofrendo modificações graves e dificilmente reversíveis esteve na base da criação dos "parques naturais" e das reservas, do uso de insecticidas biológicos em vez dos químicos da criação de estações de tratamento de águas residuais, etc. O discurso ambientalista deixou de se limitar a grupos mais ou menos marginais para se tornar o discurso oficial dos grandes partidos, aparecendo por toda a parte "Ministérios do Ambiente" com poderes mais ou menos vastos. Inclusive até na preservação do património arquitectónico, musical e linguístico dos diversos países tal influência se fez sentir.
Como estamos?
Entretanto quase 30 anos passados sobre a publicação da 1ª legislação sobre "impacte ambiental" qual o panorama que podemos observar? Os apelos a uma vida mais simples, ou a um "retorno à natureza" revelaram-se pouco promissores, por contrários à natureza humana, não muito inclinada a abdicar do nível de vida já alcançado, sem esquecer que a história não anda para trás. É facto que nos países ricos foram conseguidos alguns progressos, como, p. ex., a despoluição do rio Reno e de vários lagos na Suíça; mas a nível dos países do Terceiro Mundo a situação não deixou de se agravar, com os problemas da desertificação nas zonas mais áridas, diminuição das florestas tropicais, aumento da poluição dos rios, erosão, etc. As causas radicam no aumento da população (muito maior neste países do que nos desenvolvidos), numa classe política mais interessada nos seus próprios interesses do que em servir os seus países, preços baixos dos produtos agrícolas, silvícolas e matérias primas em geral e falta de conhecimentos. É duvidoso que apenas pelos seus próprios esforços estas nações possam ultrapassar todo este conjunto de problemas. Assim os problemas da ecologia só se poderão resolver pelo uso de uma tecnologia mais biológica e menos tecnológica (a engenharia genética abre muitas perspectivas neste campo) e através de uma ampla e desinteressada cooperação internacional, ou, dito de outra forma, por novas relações entre os homens.
* Engenheiro Agrónomo. Arquitecto Paisagista.