A poluição visual em Macau
António Estácio*
De acordo com Alan Gilpin, no seu Dicionário de Termos Ambientais, entende-se por Poluição uma "alteração directa ou indirecta de qualquer parte do ambiente". Idêntica definição é dada por Mário Guimarães Ferri, no seu interessante livro Ecologia e Poluição, quando afirma tratar-se de "toda a alteração das condições ecológicas existentes em certo ambiente".
São múltiplas as formas como essa alteração se manifesta e, consoante a sua incidência, os seres vivos são afectados em maior ou menor grau.
Ora, uma das formas de poluição, por muitos considerada a mais "pacífica" de entre todas, é a Visual. A sua avaliação é subjectiva e, ao contrário do que sucede, quer com a poluição sonora, quer com a atmosférica, não é mensurável. Assim, o que para uns pode constituir um verdadeiro atentado ao bom gosto, como por exemplo, uma expressão escultórica, é capaz de merecer os maiores encómios por parte de outros ou, se calhar, a indiferença da maioria. A verdade é que ela existe e, como tal, afecta-nos, podendo contribuir para desvalorizar uma paisagem ou o valor urbanístico de um recanto citadino. Tem, como vector diferencial, a particularidade de ser essencialmente provocada pelo Homem e se atentarmos bem verificamos que os protestos que, entre nós, se fazem ouvir não são só de agora. Compulsando alguns jornais, publicados nos últimos vinte e cinco anos no Território, deparamos com várias críticas resultantes, quer da colocação de painéis publicitários, quer da existência de um complexo emaranhado de fios que cruzam as artérias, emaranhado esse que alguém classificou negativamente como sendo "o espectáculo do chau-min suspenso de Macau".
Não falta quem se insurja contra as centenas e centenas de tabuletas informativas que, dada a sua profusão, acabam por confundir não cumprindo, minimamente, a sua finalidade. Assim, como quem se debruce sobre os inúmeros erros de português que nelas é vulgar encontrar e que, por vezes, nos deixam embasbacados.
Outra forma de poluição visual é a motivada pelas já bem conhecidas grades e palas metálicas colocadas nas janelas e varandas dos prédios, as quais retiram a beleza estética dos imóveis e, em virtude das cores e formatos, chocam, profundamente, quem nos visita.

Outro aspecto não menos grave e também frequente em Macau tem a ver com a quantidade de construções clandestinas que albergam milhares de cidadãos e que, ao longo dos anos, foram surgindo nos terraços dos prédios. Dir-se-ia que o seu aparecimento foi, quase sempre, silencioso e feito com pezinhos de lã, pois, o que começou por ser um simples estendal para a roupa deu, dali a pouco, lugar a um alpendre para protecção contra o sol e que, numa rápida intervenção de fim-de-semana, acabou por ser fechado. É desagradável a visão que se tem desta realidade e leva a que, muitas vezes, as pessoas se interroguem como é que foi possível ocorrer tanto desmando, ao ponto de levarem à perda de funcionalidade alguns dos nossos Miradouros.
Recordo-me de que nos princípios dos anos setenta foram colocados na Rampa que dá acesso à Praia de Cheoc Van, melhor dizendo, na Rua António Francisco, uns painéis publicitários que constituíam uma verdadeira agressão paisagística. O Jornal Democracia em Marcha, no seu número seis de 14 de Janeiro de 1975, criticou a situação, mas o certo é que durante anos foram feitos, por quem de direito, ouvidos de mercador. Felizmente, no início da década de noventa, numa reunião da "Task Force do Turismo", a situação foi analisada e os ditos painéis levaram sumiço. Ninguém o lamentou e foi um modo de, com rapidez, se recuperar a paisagem.

A legislação existente é vaga e inconsequente, até porque, em alguns casos, remete para diploma posterior que tarda em chegar. Por outro lado, a pouca base legal de que se dispõe nem sempre é cumprida e a comprová-lo aí estão as grades em tudo ou quase tudo o que é janela e varanda. Esta situação resulta de, salvo melhor opinião, a fiscalização ser insuficiente e, quando intervém, sucede que, não raras vezes, os seus agentes acabam por ver danificados os seus bens pessoais, nomeadamente viaturas. Poder-se-á alegar que o dever está acima de tudo, mas perante a realidade que resulta da falta de segurança, é natural que muitos deles se coíbam de actuar.
Seríamos injustos se não reconhecêssemos o esforço que tem sido desenvolvido no que respeita quanto ao restauro e conservação do Património urbanístico. Porém, custa-nos a perceber certas situações e, a título de exemplo, vejamos o que sucedeu na Rua das Felicidades, onde, após uma intervenção digna de realce a nível das antigas fachadas, se permitiu a colocação de uma torçada de cabos que anula todo o esforço desenvolvido!
A menos que haja alguma razão ponderosa, que sinceramente nos escapa, interrogamo-nos qual será a razão que impede que não sejam removidas, por exemplo, as tabuletas desactualizadas que existem pela cidade. E como se pode continuar a pactuar com a contínua proliferação de fios eléctricos de comunicação e outros usos, que, à laia de arraial, sobre as nossas cabeças se cruzam e recruzam nas ruas!
Entendemos ser necessário arrepiar caminho tanto mais quando se aposta fortemente no Turismo e se quer que, por esse vector, Macau seja um destino final. Urgem medidas que reduzam o nefasto impacto visual, tarefa essa que, em nossa opinião, deverá envolver diversas entidades oficiais, como as Câmaras, o Instituto Cultural de Macau (ICM), a Direcção dos Serviços de Turismo (DST), a Direcção de Serviços de Obras Públicas e Transportes (DSSOPT), e privadas como as próprias Concessionárias.
Só assim combateremos a Poluição Visual que, se não é prejudicial a nível da Saúde é, seguramente, lesiva de uma boa imagem do Território.
*Membro do Conselho do Ambiente.