Estudo e Investigação



Ambiente urbano

Luiz Leite*

  


  Sendo a estrutura física do homem desprovida de armas naturais de defesa e ataque, e sem corpulência suficiente para desestimular o predador, o homem tornou-se, pela sua natureza, um animal gregário que através da vida em comunidade encontrou a via que o conduziu à situação de espécie dominante. Espécie que possui características que a evidenciam e a tornam única.
  Uma característica que diferencia o homem das demais espécies é a sua capacidade de entender, controlar e utilizar muitos dos diferentes aspectos do meio ambiente que o envolve.
  Não podemos, no entanto, esquecer que foram necessários séculos, milhares de anos, para que o homem chegasse a desenvolver e possuir tal capacidade, mas também não podemos esquecer que graças a ela o homem, ao longo da história da humanidade, desenvolveu métodos e processos e concebeu meios capazes de lhe permitir uma gestão do seu meio ambiente, de forma a controlar e melhorar a sua saúde e o seu bem estar.
  Do ambiente hostil inicial onde não podia mais que proteger-se das intempéries e das feras e subsistir, o homem, graças à referida capacidade, pôde evoluir desde o estágio inicial quando as suas preocupações eram estritamente utilitárias, não ultrapassando os limites do que o rodeava e tratando apenas de conservar um ambiente suportável e de o tornar mais agradável, até ao estágio actual da urbanização e do potente desenvolvimento económico dos países industrializados, consequência dos progressos tecnológicos realizados desde o final da Segunda Guerra Mundial que contribuem para a melhoria das condições de vida das pessoas, mas que até ao presente momento, infelizmente, ainda se fazem acompanhar de "contaminações" das mais diversas naturezas.
  A cidade é uma criação do homem que resultou da sua necessidade natural de protecção e das suas características de animal gregário e comunitário, criação esta que ao longo da história da humanidade se revestiu de formas e características as mais diversas.
  A cidade foi e é um produto da actividade humana, resultante das possibilidades geográficas, da capacidade de utilização das mesmas pelo homem, das influências do meio natural onde é edificada e das especificidades culturais das suas populações.
  Com a revolução industrial iniciada em meados do século XVIII, sucede uma crescente afluência em massa de populações rurais às cidades onde a indústria absorve grande quantidade de mão de obra, resultando daí um acentuado crescimento urbano.
  Com o crescimento urbano, a estrutura da população activa sofre profundas alterações. O sector primário diminui, enquanto os sectores secundários e terciários aumentam.
  A partir das primeiras décadas do século XX, mas sobretudo a seguir ao fim da Segunda Guerra Mundial, o crescente desenvolvimento tecnológico associado ao desenvolvimento do comércio, dos transportes, da saúde, da educação, dos serviços administrativos públicos e privados, dos bancos, dos seguros e das empresas, levaram a que nas cidades seja rápido e contínuo o crescimento do sector terciário, sendo que, neste final de século se verifica na maior parte das cidades uma tendência para o predomínio do sector terciário sobre o sector secundário.
  A cidade facilitou o desenvolvimento do homem e das suas actividades; porém, à medida que aumentaram as concentrações urbanas, surgiram novos problemas que, com o crescimento das cidades se revelaram de difícil solução, como os do abastecimento, dos resíduos urbanos, da poluição, da saturação demográfica, da habitação, do trânsito, e da segurança de pessoas e bens.
  A utilização dos recursos cresceu à medida do crescimento da população humana e das cidades, e a acumulação de detritos industriais e urbanos alcançou valores cada vez maiores, dando origem a um dos fenómenos mais preocupantes da actualidade, a poluição.
  Por outro lado o poder de atracção exercido pelas cidades sobre a população e as actividades económicas, cresceu sem limites, ocasionando a saturação dos espaços urbanos.
  A ocupação imobiliária de todos os espaços disponíveis no interior da cidade, o malefício da especulação imobiliária, responsável pela eliminação de muitas das zonas verdes que deveriam ser preservadas dentro do espaço urbano, e os "bairros de lata" com os seus casebres, barracas e/ou palhotas deterioradas e anti-higiénicas, onde a fome, a doença, a miséria e a criminalidade são a tónica dominante, são já entendidos como tipos de "poluição" que descaracterizam e comprometem o "equilíbrio ambiental" urbano.
  Criada pelo homem e para o homem, para a sua protecção e para o seu bem estar, a cidade, pela concentração da sua população e pela intensidade das suas actividades é, de uma maneira geral, muito exposta a processos de degradação. Degradação esta que resulta em parte do facto de que as pessoas ao trabalhar, ao descansar, ao transitar e ao estar paradas, deixam sempre vestígios dos seus "resíduos".
  Desde o código sanitário de Moisés no Velho Testamento, tão válido hoje como quando foi escrito, até ao "despertar" da humanidade para os problemas ambientais, o que sucedeu só após as revoluções industrial e científica, nenhum progresso se havia verificado no que diz respeito ao controle e protecção do meio ambiente, e ao equilíbrio ecológico, tão importantes e necessários para a promoção do estado saudável, da comunidade e do organismo humano, como o equilíbrio biológico.
  Desde o tempo de Moisés e até meados do século passado, no que respeita a problemas ambientais, a evolução dos conhecimentos do homem não foi além de lhe permitir compreender que, graças à sua indiferença ou em resultado dos seus "descuidos", da sua atitude displicente face ao meio ambiente, o ar se tornou escuro, irrespirável, e com mau cheiro, e que a água pura não se encontra mais de forma natural na proximidade das cidades e é preciso tratá-la antes de ser consumida.
  


  

A cidade é uma criação do homem, que resultou da sua necessidade natural de protecção e das suas características de animal gregário e comunitário


  Só na segunda metade do século XX o homem urbano começou a ser capaz de se aperceber que também é resultado dessa sua indiferença e dos seus "descuidos" o facto da alegre ressonância das ferrarias, lojas dos ferreiros dos primórdios da urbanização, ter cedido lugar ao ruído dos motores e buzinas da circulação automóvel, ao escândalo das motos, dos martelos pneumáticos e dos bate-estacas; enquanto que só nas últimas duas décadas deste século as pessoas começaram a compreender que também é resultado da sua indiferença e dos seus "descuidos" o facto de existir, e de forma crescente, o desemprego, o subemprego, a pobreza, a miséria, a fome, a promiscuidade, a exclusão social.
  A realidade é que só a partir das últimas décadas do século XIX começaram a desenvolver-se as ideias que conduziram o homem a uma melhor compreensão e caracterização do Ambiente. Ideias tais como as de elementos, sistemas, equilíbrio biológico, factores ambientais, ecologia, ecossistemas, equilíbrio ecológico e estado saudável. Ideias que permitiram ao homem chegar muito recentemente à noção moderna de Ambiente.
  Na verdade, até há poucos anos atrás, os problemas relacionados com o Ambiente e a sua protecção encontravam-se confinados nos laboratórios e nas mentes de alguns, poucos, investigadores que não conseguiam fazer-se ouvir nem pelo grande público nem pelas autoridades.
  De repente, e só muito recentemente, estes problemas transbordaram os estreitos limites que os confinavam e invadiram o homem comum, ultrapassando sua capacidade de compreensão.
  Em consequência disto, e à medida que aumenta o interesse do homem comum pelos problemas relacionados com o Ambiente, cresce nos meios de comunicação e informação, o número de notícias sobre desastres e riscos de desastres ecológicos, sempre a ocuparem lugares de destaque, e os candidatos políticos preocupam-se em incluir entre os pontos dos seus programas alguns dedicados a protecção da natureza, para tranquilizar e animar os seus possíveis eleitores. No entanto, tudo isto em pouco ou nada tem servido para tornar clara e evidente a realidade dos problemas ambientais, e o homem de formação média sem um critério formado sobre essa realidade encontra-se desconcertado, incrédulo e sem capacidade de compreender e intervir de forma adequada e consequente.
  Apesar de tudo, graças a algumas poucas acções realmente consequentes como a introdução nos currículos escolares de matérias sobre ecologia e meio ambiente, é possível constatar que felizmente está a crescer o número de pessoas que possuem noções e/ou conhecimentos sobre ecologia, meio ambiente e protecção ambiental. Noções e conhecimentos estes que de uma forma crescente se traduzem numa aspiração colectiva de acções múltiplas voltadas à protecção ambiental e à restauração dos equilíbrios e da qualidade de vida que as capacidades humanas pretenderam gerar quando o homem criou a cidade e que a degradação provocada pelos "vestígios" e pelos "resíduos" das suas actividades não permitiram surgir de forma permanente e duradoura no ambiente urbano.
  Felizmente, nas duas últimas décadas deste século, já é possível constatar que é cada vez maior o número de pessoas que tomam consciência que da interacção entre o homem e a cidade, e dos dois com o meio natural, nascem distintas moléstias e incómodos que exigem medidas apropriadas para preveni-las e/ou neutralizá-las.
  As primeiras moléstias e incómodos a serem detectados pelo homem foram a contaminação de águas, do ar, do solo e dos alimentos, o ruído, a produção de resíduos de naturezas distintas, e a degradação de paisagens urbanas e rurais. No entanto, o número desses incómodos e moléstias continua a crescer e a desafiar a capacidade humana de os identificar, entender, prevenir e neutralizar.
  A cidade, sob o ponto de vista ambiental moderno, é um "organismo" artificial, uma alteração introduzida pelo homem no meio natural pré-existente no local. Organismo este que utiliza recursos naturais provenientes do meio exterior para as suas actividades e os devolve a esse meio sob formas quase sempre inúteis.
  Por outro lado, a cidade, ela mesma, formada por diversos sistemas integrados, naturais e artificiais, devido às suas dimensões, é para o homem urbano o seu meio ambiente.
  Hoje em dia, verifica-se que dada a multiplicidade de factores envolvidos, caracterizar o ambiente urbano é uma tarefa difícil, em especial porque já é um dado adquirido que os factores económicos, sociais e humanos, com todas as suas subjectividades e de difícil e por vezes duvidosa quantificação, são para o ambiente urbano tão determinantes como os factores físico-químicos e biológicos.
  Actualmente, qualquer tentativa de caracterização de ambiente urbano, deverá ter em conta factores tais como os relativos aos espaços (áreas residenciais, áreas industriais, áreas comerciais, zonas verdes, áreas de lazer, habitação); ao abastecimento (água, produtos alimentares, energia, matérias primas); ao funcionamento social (transportes, emprego, comunicações, saúde, educação, habitação); à poluição (atmosférica, sonora, resíduos sólidos, efluentes industriais, águas residuais); ao comportamento e psicologia (hábitos alimentares, estilos de vida, relações interpessoais, exclusão social, insegurança, medo); à economia (emprego, subemprego, salário, pobreza, miséria); à família (mães solteiras, mães trabalhadoras, divórcio, família monoparental); e à saturação demográfica (especulação imobiliária, precariedade da habitação, desemprego, subemprego, promiscuidade).
  O ambiente urbano é, assim como a cidade o é, uma expressão ao mesmo tempo do natural e do humano. Uma realidade capaz de dar outro sentido a toda a vida de uma região, de um país, de uma civilização.
  
  * Engenheiro Civil.