Estudo e Investigação



Poluição visual

José Manuel Lamas*

  O termo "poluição" significa a "emissão de produtos que provocam incómodo ou perturbação num determinado meio". A poluição pode ter várias origens e actuar em diversos meios. Os exemplos mais conhecidos e que mais têm perturbado o ambiente são a poluição atmosférica (invasão da atmosfera ou do ar por gases estranhos ou tóxicos); a poluição das águas dos mares ou dos rios (através dos resíduos das indústrias, dos esgotos das cidades, do derrame de petroleiros nos mares, etc.); a poluição dos terrenos agrícolas (a impregnação dos solos agrícolas por produtos químicos), etc..
  Estas formas de poluição prejudicam fortemente a vida dos seres humanos e determinam a consciência dos terríveis inconvenientes para o Homem que provocam. A poluição atmosférica, seja em grande escala tendo como consequência os "buracos no ozono", ou à escala das cidades e das áreas urbanas, ou a poluição dos rios e dos mares, constituem problemas gravíssimos do Planeta Terra, sobre os quais se têm debruçado cientistas, políticos e cidadãos. Constituem hoje em dia problemas maiores que mobilizam enormes recursos no combate pelo ambiente contra a poluição.
  


  Mais recentemente identificaram-se outras formas de poluição que também afectam a vida do Homem no seu território, seja nas cidades e áreas urbanas, seja no campo, mais perto da Natureza.
  Uma dessas formas de poluição será a "poluição sonora", ou seja, a perturbação dos ambientes humanos, sejam de trabalho, lazer ou habitação, por ruídos excessivos, cuja intensidade e duração provocam traumatismos, stress, doenças nervosas, dificuldades de concentração, etc., e determinam a desadequação de um ambiente à vida humana. O ser humano não pode viver saudavelmente em ambientes com constantes ruídos de grau acima dos níveis adequados.
  Mais recentemente as disciplinas do Urbanismo e da Ecologia identificaram a "poluição visual" como uma das formas de poluição que mais tem conspurcado e destruído as nossas cidades, o território e a paisagem rural. A consciência da poluição visual surgiu de facto mais recentemente no estudo das condições de vida do Homem no seu território e chamou a atenção para a importância da qualidade visual do ambiente.
  


  A "poluição visual" é a introdução e invasão de formas, cores, objectos e materiais exógenos, estranhos e desajustados num determinado ambiente, provocando modificações indesejáveis e deturpações na imagem desse ambiente. Exemplos de "poluição visual": a introdução de um cartaz ou anúncio numa paisagem de montanha, ou à beira de um lago; os edifícios construídos com formas, volumes e materiais exógenos e desadequados ao bairro ou à cidade em que se situam; a construção de um edifício muito alto num bairro de pequenas casas; a construção de um edifício de corres berrantes numa aldeia toda branca, e tantos outros exemplos. Alguém imagina colocar anúncios ou novas construções na Praça do Comércio, em Lisboa, ou no Edifício do Leal Senado, em Macau?
  Uma das formas de poluição visual que, na Europa e em outras regiões, tem sido identificada e regulamentada é causada por anúncios, cartazes ou elementos de construção ao longo das estradas e vias de circulação ou nas cidades. Com toda a facilidade se levanta um enorme cartaz publicitário numa estrada; o proprietário de um terreno aluga-o e a agência de publicidade instala-se promovendo um produto. A paisagem que antes era limpa, com campos e árvores, é assim "poluída" por um elemento estranho e exógeno. Aqueles que apreciam a natureza na sua integridade são assim ofendidos pela presença de objectos e materiais estranhos e que não correspondem a nenhuma necessidade funcional ou humana. Noutros casos são os construtores e as imobiliárias que nas cidades, ou em bairros históricos, colocam anúncios que tapam edifícios ou arquitecturas de qualidade; que pintam mal os edifícios, com cores berrantes e desadequadas ou revestem-nos com materiais bizarros e chocantes. E os exemplos poderiam continuar.
  Estes são exemplos do que, infelizmente, tem acontecido em muitas cidades. Transformações mal realizadas ou abusivas têm destruído paisagens urbanas cuja imagem de grande beleza constituía um valor caro a todos os cidadãos.
  Em todos os casos, as imagens das cidades ou dos campos, imagens que pertencem a todos, são prejudicadas e destruídas pelos interesses de alguns -- e em todos os casos se tratam de formas de poluição visual.
  O Homem tem cada vez mais consciência da qualidade da paisagem e da qualidade visual das cidades e dos ambientes em que vive. Essa qualidade passa, entre outros aspectos, pela preservação dos ambientes já construídos e pela defesa da invasão das cidades e do campo por "objectos estranhos" que perturbam essa paisagem. A isto se chama "poluição visual". Em última análise, os cidadãos têm direito a viver em ambientes conservados, a verem as suas cidades estabilizadas e conservadas, em vez de serem todos os dias invadidos por imagens desadequadas. De facto, os meios actuais e certos aspectos da economia e meios tecnológicos permitem tudo alterar, e rapidamente modificando, mal, a imagem do território.
  As paisagens agrícolas (do campo) ou urbanas (das cidades) que foram construídas ao longo de muitos anos com um grande esforço humano, reflectem a cultura dos povos, a sua História e Economia, o seu modo de vida, a sua relação com o território, o sítio, o clima e constituem um gigantesco esforço humano e cultural, um extraordinário património, que todos sentimos necessidade de valorizar e respeitar. Chegaram ao nosso tempo como testemunhos da Cultura e da História, como herança do passado.
  Pelo contrário, a qualidade visual de uma paisagem é um factor de qualidade de vida, pelo repouso, tranquilidade, bem estar espiritual e cultural que pode transmitir. As paisagens com qualidade visual representam um bem inestimável para a cultura dos povos e para sectores como o turismo, o recreio e o lazer -- sectores cada vez mais importantes da economia e da vida social.
  


  E, infelizmente, acontece tantas vezes que, por ignorância ou descuido, essas paisagens que levaram centenas de anos a construir como um todo harmonioso, são modificadas, estragadas em poucos anos, com alterações das construções ou novos edifícios estranhos, com modificações nos espaços públicos, com anúncios ou com as chamadas "arquitecturas parasitárias", como as define Gordon Cullen1 -- ou seja, tantas formas de poluição construtiva e, consequentemente, visual. Temos de ter consciência -- e um pouco por todo o mundo assiste-se a essa tomada de consciência -- de que a paisagem rural ou urbana é um bem de todos e, como tal, tem de ser respeitada.
  A defesa da qualidade visual da paisagem contra as diferentes formas de poluição visual é hoje um importante tema do trabalho do urbanismo e planeamento regional e da gestão das cidades e do território. É a preservação dos centros históricos na sua integridade, ou das reservas naturais, paisagens protegidas, etc.; é a defesa dos sítios naturais ou urbanos de excepcional qualidade e que, pelo seu valor, merecem o maior cuidado e respeito; a outro nível, é a própria construção de edifícios que pode também ser ofensiva. A Praça do Leal Senado em Macau, praça histórica com edifícios de qualidade, seria bem mais bonita se os edifícios e o principal (Leal Senado) se recortassem no céu ou nas árvores e não contra enormes construções. Na envolvente da Torre de Belém ou do Terreiro do Paço (Praça do Comércio), em Lisboa, não se poderá construir novos edifícios que afectem a leitura (visão) desses monumentos, e assim por diante. São necessárias regras, e uma das regras em urbanismo significa a defesa contra a poluição visual.
  A defesa contra a poluição visual não significa atrasar a economia ou o desenvolvimento social e económico. Não se pretende impedir que o comércio ou as indústrias encontrem os meios publicitários de promoção, ou que os construtores façam o seu trabalho de construção de edifícios quando respeitam os materiais que devem ser utilizados em cada local e quando sabem preservar os edifícios, ou partes deles que devem ser preservadas.
  No sentido do que aqui se diz, torna-se necessário sensibilizar a opinião e os poderes públicos, para essas formas de "Poluição Visual" que, com as transformações urbanas, as novas construções, os anúncios e a publicidade e tantas outras formas, vão transformando (mal) o território em que vivemos.
  Assim, como gostamos de um lago ou de um rio não poluído onde se pode tomar banho, assim gostamos também de ver as nossas cidades e paisagens não invadidas pelas diversas formas de poluição visual. De resto, estão provados cientificamente os efeitos benéficos exercidos sobre o espírito e o corpo de um ambiente visual de qualidade e, por outro lado, o cansaço e distúrbios provocados pelas agressões visuais.
  Está nas mãos dos arquitectos, dos engenheiros e das Câmaras Municipais, a defesa do Ambiente e da qualidade da paisagem, defendendo-a da poluição visual. Mas, para tal, é necessário que a opinião pública esteja sensibilizada e possa exigir aquilo a que tem direito -- a não ser diariamente agredida por um mau ambiente estático e visual.
  
  *Arquitecto. Professor associado da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa (UTL).
  1 Cullen, Gordon, Townscape - Academy Editions, 1965.