Ruído urbano
Luiz Teves*
Comecemos por definir ruído. Será todo o som que nos seja desagradável, seja ele produzido por pessoas, coisas ou animais. O incómodo pode resultar quer da intensidade do som quer da sua repetição a intervalos esperados.
A unidade usada para medir o som é o decibel (dB): conversa-se a 50-60 dB, um jacto decola a 100 dB, um martelo pneumático pode chegar aos 110 dB e a partir de 120 dB o som torna-se fisicamente doloroso. O limite do <<normal>> situa-se algures nos 70-75 dB.
Exceptuando casos de elevados decibéis, definir quando é que um som se torna ruído é algo muito subjectivo. Além disso, a poluição sonora é uma forma de poluição não residual, ao contrário da que acontece com a atmosfera ou a água, cujos efeitos perduram e são quantificáveis no tempo. Podemos estar a ser incomodados por um ruído, mas na altura de nos queixarmos, já ele cessou. É o caso de irmos pela rua e passar por nós um daqueles "carros-bum-bum-bum", ou seja, uma "hi-fi-stereo-ambulante" aos berros: o carro passa, mas a agressão auditiva fica. Ou quando chamamos a polícia por causa do berbequim incessante nas obras (clandestinas) do vizinho e quando a autoridade chega, em geral horas depois, não há ruído para fundamentar a queixa. O que, segundo se calcula, leva a maior parte dos incomodados a não se queixarem.
Não obstante, em Macau há registo de queixas --cerca de 600 por ano, o que não é muito para quase meio milhão de habitantes -- e a maior parte prende-se exactamente com obras no interior de prédios, seguindo-se, por ordem decrescente de importância, a música,conversação, majong e karaokes.
Cidade barulhenta
Macau pode considerar-se uma sociedade barulhenta. O nível sonoro da conversação é geralmente elevado, além do facto de a língua mais falada, o cantonense, ser do tipo tonal, o que a torna ainda mais agreste a um ouvido não habituado. A cidade está constantemente em obras e se hoje já se vêem alguns operadores de martelos - pneumáticos com auriculares de protecção, a maioria não os usa, dada a fiscalização quase inexistente. O transeunte que passa é agredido durante longos segundos por um ruído que raia o limiar do doloroso. A nível de via pública há que referir também os alarmes de automóveis, em regra mal regulados e que disparam muitas vezes apenas com a deslocação de ar produzida por outro veículo que passa.
Felizmente ainda não chegou cá -- e esperemos que nunca chegue -- uma moda nos Estados Unidos em que o som (ruído) do alarme, em vez das variações do habitual <<tinónim-tinónim-tinónim>> é uma gravação da voz do proprietário que emite em altos deciberros: Por favor afaste-se do meu carro!
Um outro elemento de poluição sonora local, neste caso das praias, são as motas de água, cuja presença perniciosa se faz sentir sobretudo na praia de Cheoc Van. Já várias vezes tive um dia de praia estragado pelo ronronar acelerativo destas máquinas, geralmente tripuladas por ineptos, o que as torna ainda mais ruidosamente irritantes.

Felizmente ainda não chegou cá uma moda em que o alarme dos carros, é uma gravação da voz do proprietário que emite em altos deciberros: Por favor afaste-se do meu carro!
Discos ensurdecedores
Isto a nível da exposição involuntária ao ruído. A nível da exposição voluntária, temos o caso dos karaokes e discotecas, onde os níveis das aparelhagens de som ultrapassam muitas vezes o <<limite>> de segurança (100 decibéis) e onde é manifestamente impossível manter uma conversa a não ser gritando ao ouvido do parceiro. Aliás, note-se que a maior parte dos frequentadores destes locais só tolera tais níveis de ruído por se encontrar com os seus limiares de percepção já alterados, seja pelo efeito do álcool ou de outros estimulantes menos conspícuos.
O problema da frequência regular destes e de outros locais barulhentos é que está provado que a exposição prolongada a níveis de ruído superiores a 85 decibéis causa danos ao sistema auditivo, que são não só cumulativos como irreversíveis. E, o que é pior, a maioria das pessoas não se apercebe imediatamente dos danos sofridos, pelo que tenderá a repetir comportamentos de risco se não estiver avisada. Além disso, está também provado que a exposição ao ruído é uma poderosa fonte de stress, sobretudo se o ruído for percebido como desnecessário e evitável.
E o ruído também pode matar. Não é assim tão raro ler nos jornais casos em que a intolerância ao ruído provocado por vizinhos -- geralmente de forma prolongada e sistemática -- leva pessoas, quer a matar quer a suicidar-se.
A redução do nível de ruído na nossa cidade passa naturalmente pelo aumento do civismo dos seus habitantes e, como em todas as campanhas de educação ambiental, a acção deve incidir nos mais novos, sobretudo em idade escolar. E há que começar por desmistificar certas concepções erradas acerca do ruído e da audição tais como:
1. Um som alto só é perigoso se sentirmos dor nos ouvidos.
Não é verdade! Embora o limiar da dor se situe nos 120-140 dB, a exposição prolongada a partir de 85 dB (bar barulhento) já pode causar danos.
2. A perda de audição a seguir à exposição ao ruído é temporária.
Não é verdade! Há perdas de audição que são permanentes, sobretudo se notar um zumbido nos ouvidos.
3. A perda de audição é sobretudo causada pelo envelhecimento.
Não é verdade! Estudos provaram que não é a idade mas sim a exposição prolongada ao ruído a principal causa de ensurdecimento.
4. A perda de audição pode ser tratada.
Não é verdade! Apesar dos grandes avanços em próteses auditivas, nenhum medicamento ou cirurgia pode restituir a capacidade auditiva danificada por exposição ao ruído.
5. O ruído excessivo apenas afecta a audição.
Não é verdade! Um som muito forte pode alterar o ritmo cardíaco, a visão e o tempo de reacção, gerando agressividade.
Caro leitor, pela sua saúde, não contemporize com o ruído. E da próxima vez que o convidarem para uma discoteca, tape os ouvidos.
(E mesmo assim sentirá o som a entrar-lhe pelo peito).
* Ambientalista.

O ruído também pode matar. Não é assim tão raro ler nos jornais casos em que a intolerância ao ruído provocado por vizinhos leva pessoas, quer a matar quer a suicidar-se.